A infidelidade de uma mulher
não começa na cama, mas na transformação silenciosa de sua postura diante do
mundo - e, sobretudo, diante de si mesma. É um processo quase invisível no
início, que se esconde nas entrelinhas dos gestos, nas pausas que duram mais do
que deveriam, nas pequenas rupturas do cotidiano em que o que não é dito pesa
mais do que qualquer palavra.
Muitas vezes, tudo começa nos
silêncios prolongados entre duas pessoas que já não se escutam; nas conversas
que se tornam monólogos; nos olhares que se desviam para horizontes onde o
outro já não tem lugar. São rachas delicadas, quase imperceptíveis, que se
acumulam até fazerem parte da paisagem da relação.
Quando uma mulher passa a proteger
o telefone como se ele guardasse segredos de Estado, a apagar mensagens com
pressa ou a alterar seus hábitos sem explicação convincente, dificilmente é
apenas por vaidade ou privacidade.
Esses gestos revelam o
nascimento de um mundo interior que se fecha, de um jardim secreto que ela
passa a cultivar em silêncio - um espaço íntimo onde antes havia partilha e
agora há reserva. Esse jardim, porém, não brota do nada. Ele é irrigado pelas
ausências repetidas, pelas promessas esquecidas, pelas palavras duras ditas sem
perceber, pela indiferença que se instala sorrateira.
Nasce do cansaço de se sentir
invisível, do peso de uma rotina que sufoca o encanto, do desejo de ser vista
novamente - não como alguém previsível, mas como um mistério ainda capaz de
despertar curiosidade.
E nem sempre esse processo
envolve a presença imediata de outra pessoa. Muitas vezes, a infidelidade é
menos sobre um novo alguém e mais sobre reencontrar uma versão de si mesma que
ficou perdida no tempo, soterrada por obrigações, expectativas, culpas e
silêncios.
É o desejo de revisitar a
mulher que ela foi um dia - livre, desejada, vibrante - e que agora parece
apenas uma sombra distante. A infidelidade, então, deixa de ser apenas um ato
físico para se tornar uma fuga emocional.
É uma tentativa, muitas vezes
inconsciente, de preencher um vazio interno, de sentir novamente algo que rompa
a monotonia, que desbloqueie o brilho que o tempo ou a convivência desgastada
levaram. Ela busca algo que a faça respirar de novo - mesmo que seja um suspiro
breve.
Os sinais estão nos detalhes:
no tom de voz que muda ao atender uma chamada; na risada que parece ter um
destinatário oculto; na súbita preocupação com a aparência; no distanciamento
mascarado de cansaço; nas desculpas frequentes; nos compromissos inesperados.
São pequenas rachaduras na
superfície de uma convivência que, por fora, ainda parece sólida, mas que, por
dentro, já começa a se despedaçar. Contudo, seria simplista apontar o dedo
apenas para quem trai. A infidelidade é, muitas vezes, um espelho invertido do
relacionamento.
Ela reflete falhas, silêncios
e desencontros que se acumularam lentamente até se tornarem insuportáveis. É o
sintoma de algo que já não funciona, de um vínculo que se tornou frágil, de uma
cumplicidade que se perdeu sem que ninguém percebesse.
Antes de condenar, talvez seja
necessário olhar para trás e perguntar: Em que momento deixamos de nos
enxergar? Quando o toque virou hábito mecânico? Quando as conversas
passaram a ser apenas sobre o trivial? Quando o “nós” se transformou em uma
lembrança distante do que um dia fomos?
Porque, no fim, a infidelidade
fala menos sobre o outro - e muito mais sobre aquilo que deixamos de ser
juntos. É a consequência de negligências mútuas, de feridas abafadas, de sonhos
que deixaram de ser compartilhados.
E, às vezes, compreender isso é o primeiro passo não para perdoar, mas para entender que toda traição começa muito antes do ato. Começa no instante em que o amor deixa de ser cultivado, quando a intimidade deixa de ser priorizada e quando dois corpos continuam próximos, mas dois corações deixam de pulsar no mesmo compasso.









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