“Uma sociedade de carneiros acaba gerando um
governo de lobos.”
(Victor Hugo)
A frase de
Victor Hugo, escrita no século XIX, parece cada vez mais atual. Quando um povo
abdica da vigilância, do pensamento crítico e da coragem cívica, abre-se a
porta para que os mais predadores ascendam ao poder. Não é necessária uma
grande conspiração; basta apatia.
A história está
cheia de exemplos. A República de Weimar, exausta e humilhada após 1918,
preferiu acreditar em promessas de grandeza em vez de enfrentar a dura
realidade da reconstrução democrática.
O resultado é conhecido: em poucos anos, um
cabo austríaco, sem maioria absoluta nas urnas, transformou-se em ditador
absoluto. Os alemães não eram especialmente maus; eram, em grande parte,
conformados, assustados e obedientes. Tornaram-se carneiros - e os lobos
assumiram o rebanho.
Esse padrão se
repete em diferentes épocas e latitudes.
A Venezuela de
Hugo Chávez começou com um povo cansado da corrupção e da desigualdade, mas que
aceitou trocar liberdade por um líder que prometia justiça social imediata e
milagres políticos.
Pouco a pouco, as instituições foram
esvaziadas, a oposição sufocada, a imprensa calada. Hoje, quem ousa balir fora
do coro corre o risco de ser devorado.
A Rússia
pós-soviética, traumatizada pelo colapso econômico dos anos 1990, aceitou
abdicar de liberdades em nome da “estabilidade”. Em troca, recebeu um ex-agente
da KGB disposto a restaurar a grandeza nacional.
Vinte e cinco anos depois, o país vive sob um
regime que combina a rigidez autoritária do século XX com as ferramentas
tecnológicas de vigilância do século XXI. Carneiros monitorados - e lobos cada
vez mais confiantes. Mesmo em democracias consolidadas o fenômeno se manifesta,
ainda que de forma mais sutil.
Quando a sociedade se fragmenta em tribos que
só consomem informações que confirmam seus próprios preconceitos; quando o
debate público se degrada em gritos; quando a verdade se torna apenas
“versões”, cria-se o terreno perfeito para que líderes autoritários, populistas
ou simplesmente corruptos prosperem.
Eles não precisam de tanques nas ruas: basta
explorar o medo, a preguiça intelectual e o conformismo. O lobo não precisa ser
brilhante. Ele só precisa que os carneiros tenham medo de se distinguir do
rebanho - ou, pior, que achem mais confortável baixar a cabeça.
A lição de
Victor Hugo é dura, mas cristalina: a liberdade não se sustenta apenas com
instituições. Ela se mantém viva graças a cidadãos que se recusam a ser
carneiros.
Um povo que fiscaliza, que questiona, que se
indigna, que estuda, que vota com consciência e que, se preciso, ocupa as ruas,
esse povo não produz lobos - produz governantes minimamente responsáveis, ou ao
menos limitados por uma sociedade vigilante.
Mas um povo que
deseja apenas paz e pão, sem perguntar o preço da paz e de onde vem o pão,
inevitavelmente acaba governado por lobos.
E, como lembrava outro francês, Alexis de Tocqueville, “o preço da liberdade é a eterna vigilância”. Quem se cansa de vigiar, um dia acorda dentro da jaula - perguntando-se como foi parar ali.









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