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quarta-feira, janeiro 17, 2024

O último homem


 

A gente tinha sonhos diferentes das baratas. Queríamos descobertas e ciência, mas acabamos inventando muito plástico e muitas bombas; muita dominação entre nós mesmos.

Elas só tinham fome de comida, e agora estão aí aos milhares, saídas de tudo quanto é toca e de tudo quanto é desvão dos prédios carcomidos. Também tínhamos diferente desses bichos, eu acho, a ideia de um outro mundo melhor; se não místico, pelo menos mais filosófico.

Naquele dia, acredito que fiquei numa espécie de olho do furacão enquanto toda história se despedaçava em volta da guerra de nêutrons e de vírus. Depois, procurei por todos, vozes, imagens; alguém falando a respeito do acontecimento.

Só escutava o vento; nenhum pássaro capaz de devorar esses irritantes bichos com seus voos asquerosos. Após alguns anos, já nem sei se sobrevivi, ou se a vida toda se transportou a outro lugar e eu fiquei aqui comendo enlatados nessa terra sem carne e sem vegetais.

Recuso-me a experimentar “las cucarachas”; espero que elas também não estejam aí me avaliando. Devíamos ter pesquisado muito mais a carapaça, que parecia fracamente blindada das baratas, elas estão conseguindo, por enquanto, herdar a Terra.

Mas, até elas, parecem que ficam me perguntando desconfiadas; E aí cadê a produção do nosso lixo. Muitos sabiam, achando que seria só do lado de lá, que estava sendo planejada uma guerra controlada, modegamra, contra a superpopulação humana que produzia montanhas de lixo e contaminava todas as fontes de água potável; mas algo saiu errado com os antídotos.

Apenas nos três dias inicialmente previstos para a duração dos vírus, eles consumiram quase toda a população da Terra; menos o último homem, evidentemente.

O progresso da ciência foi se tornando atraso da humanidade; o homem se tornou apenas um subproduto e se alguém contrariasse a fabricação de supérfluos e se preocupasse com o desaparecimento gradativo das abelhas e das flores.

Falasse com bom senso, ou tivesse apreensões ecológicas, logo lhe recaía o sarcasmo de homens circunspetos, mas ambiciosos do lucro ilimitado da produção em série; esse aí é um fantasista.

As alienações se somavam umas às outras; ninguém levou a sério o discurso excêntrico de um orador a respeito da continuidade do homem, dizia ele; Dinossauros habitaram milhões de anos na Terra e sumiram; talvez a função do homem seja a de desenterrar petróleo e produzir bastante plástico e muito lixo e depois também sumir.

Quase acertou. Eu continuo escrevendo, apenas como espécie de desabafo; ninguém mais vai ler. Releio meus pensamentos esparramados em folhas brancas; restinhos de celulose que escondo da avidez das marrons.

Também reflito no amor que alguém havia guardado para alguém. Será que ele estará a salvo no meio dessas ruínas, ou sumiu também o amor.

Esse texto que imaginei, não é mais uma dessas utopias de quem tem preocupações ecológicas, mas lhe falta energia e recursos para lutar contra a máquina produtiva cega.

Tampouco se trata de um acesso repentino de sabedoria obtida de pesquisas. Ele trata apenas da antecipação dos resultados da apatia, exceto financeira, em todos os setores econômicos, educacionais e legais da atualidade.

Felizmente continuamos vivos nesta boa e velha Terra, mas rumamos diretamente ao caos, na ânsia de produzir, ou consumir, sem nunca parar para pensar; que nem baratas tontas.

Vilnei Maria Ribeiro de Moraes

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