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quinta-feira, março 16, 2023

Vietnã - Não sei

 


Vietnã - Não sei - Mulher, como você se chama? - Não sei.

Quando você nasceu, de onde você vem? - Não sei.

Para que cavou uma toca na terra? - Não sei.

Desde quando está aqui escondida? - Não sei.

Por que mordeu o meu dedo anular? Não sei.

Não sabe que não vamos te fazer nenhum mal? - Não sei.

De que lado você está? - Não sei.

É a guerra, você tem que escolher. - Não sei.

Tua aldeia ainda existe? - Não sei.

Esses são teus filhos? - São.
(Tradução de Regina Przybycien.)
Há poemas que se fundam inesquecíveis em nós desde a primeira leitura. Neste aí, o título se impõe, situando-nos de partida clara e completamente na cena de uma guerra insana. A primeira palavra do primeiro verso indica-nos em vocativo que a fala será direta.

Assim, a entrevista se avoluma, com cada verso trazendo a imagem de um desmoronamento dos sentidos: a terra, o esconderijo, o corpo, os inimigos, os amigos, a aldeia, tudo se desfaz na solidão das respostas, trazendo a mais incômoda sensação de desespero.
O refrão “Não sei” vai num crescendo como o “Nunca mais”, de Poe. E sugere que a tal mulher talvez já não esteja em seu mais perfeito juízo dos fatos, o que seria esperado, na medida em que se desenhou, com poucas perguntas, um devastador campo de batalha.
Mas a poeta polonesa subverte com sua simplicidade explosiva toda a estrutura anterior ao propor um final em que a maternidade surge como signo de uma resistência indissolúvel. Com o sintagma composto de apenas uma palavra, o verbo ser no presente, “São.”,

Szymborska realiza uma contundente operação poética: inverte o sinal da devastação proposta e, sem usar a palavra amor, apresenta-nos a mãe. É como se o eu lírico surgisse de repente e erguesse a cabeça, olhando fundo nos olhos de quem está lendo.
(Foto: Horst Faas, 1933-2012, AP)

Wislawa Szymborska

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