Flávio Josefo: O Historiador Judaico-Romano e Sua Obra
Flávio
Josefo, também conhecido pelo seu nome hebraico Yosef ben Mattityahu
("José, filho de Matias") e, após tornar-se cidadão romano, como Tito
Flávio Josefo, foi uma figura central na historiografia do judaísmo do século
I.
Nascido
por volta de 37 d.C. em Jerusalém, Josefo era descendente de uma linhagem de
sacerdotes e, por parte de sua mãe, da dinastia real dos Asmoneus.
Ele é
mais conhecido por registrar in loco os eventos da Primeira Guerra
Judaico-Romana (66-73 d.C.), incluindo a destruição de Jerusalém e do Segundo
Templo em 70 d.C. pelas tropas romanas lideradas pelo general Vespasiano e seu
filho Tito, ambos futuros imperadores.
Suas
obras oferecem um panorama valioso do judaísmo no século I, da revolta judaica
contra Roma e do contexto que marcou a separação definitiva do cristianismo do
judaísmo.
Biografia e Contexto Histórico
As
principais informações sobre a vida de Josefo provêm de sua autobiografia, Vida
de Flávio Josefo. Ele nasceu em uma família de sacerdotes em Jerusalém e
recebeu uma educação rigorosa na Torá e nas tradições judaicas.
Aos 13
anos, começou a estudar as principais seitas judaicas da época - saduceus,
fariseus e essênios - e, aos 19 anos, optou por aderir ao farisaísmo, que
enfatizava a observância da Lei e a crença na ressurreição dos mortos.
Josefo
também menciona os zelotes, a quem atribui a responsabilidade por incitar a
revolta contra Roma, que culminou na destruição de Jerusalém. Em 64 d.C., aos
26 anos, Josefo viajou a Roma como parte de uma embaixada para negociar a
libertação de sacerdotes judeus presos pelo procurador romano Marco Antônio
Félix.
Com a
ajuda de Popeia Sabina, esposa do imperador Nero, ele obteve sucesso nessa
missão. Ao retornar à Judeia, encontrou Jerusalém à beira de uma revolta contra
o domínio romano, agravada por tensões religiosas, políticas e sociais.
Josefo
tentou dissuadir os líderes rebeldes, mas seus esforços foram em vão. Em 66
d.C., os revoltosos tomaram a Fortaleza Antônia, marcando o início da Primeira
Guerra Judaico-Romana.
Para
evitar ser acusado de simpatizar com os romanos, Josefo buscou refúgio no
Templo de Jerusalém. Após a morte de líderes rebeldes como Manaém, ele se aliou
aos sacerdotes do Sinédrio, que aguardavam reforços romanos para sufocar a
revolta.
No
entanto, as tropas de Céstio Galo, governador da Síria, foram derrotadas,
intensificando o conflito. O Sinédrio então enviou Josefo à Galileia, onde ele
foi nomeado governador militar da província.
Lá,
fortificou cidades como Jotapata, mas enfrentou resistência de grupos
extremistas, especialmente os liderados por João de Giscala, que o acusavam de
ser conciliador com Roma. Em 67 d.C., as forças romanas de Vespasiano invadiram
a Galileia e tomaram Jotapata após um cerco prolongado.
Josefo,
junto com 40 homens, escondeu-se em uma cisterna. Quando descobertos, os
romanos ofereceram rendição em troca de suas vidas. Josefo propôs um método de
suicídio coletivo, conhecido hoje como o "problema de Josefo" ou
"Roleta Romana", no qual os homens tirariam a sorte para se matar em
sequência.
Por
estratégia ou sorte, Josefo e outro sobrevivente permaneceram vivos e se
renderam às forças de Vespasiano em julho de 67 d.C., tornando-se prisioneiros
de guerra. Durante seu cativeiro, Josefo ganhou a confiança de Vespasiano ao
profetizar que ele se tornaria imperador.
Quando
a profecia se cumpriu em 69 d.C., Josefo foi libertado e adotou o nome Flávio
em homenagem a seu patrono. Durante o cerco de Jerusalém em 70 d.C., ele atuou
como mediador entre os romanos e os rebeldes judeus, tentando negociar a
rendição para evitar a destruição da cidade.
Após a
queda de Jerusalém, Josefo foi bem recebido pelos romanos, recebendo cidadania,
uma pensão e terras confiscadas na Judeia. Em 71 d.C., acompanhou Tito a Roma,
onde viveu como cliente da dinastia flaviana (Vespasiano, Tito e Domiciano) e
escreveu suas obras sob seu patronato.
A vida
pessoal de Josefo foi marcada por casamentos conturbados. Sua primeira esposa
morreu durante o cerco de Jerusalém, junto com seus pais. Vespasiano
arranjou-lhe um segundo casamento com uma prisioneira judia, que o abandonou.
Por
volta de 70 d.C., Josefo casou-se com uma judia de Alexandria, com quem teve
três filhos, dos quais apenas Flávio Hircano sobreviveu à infância. Após se
divorciar, casou-se pela quarta vez com uma judia de Creta, com quem teve dois
filhos, Flávio Justo e Flávio Simônides Agripa.
Obras Principais
As
obras de Josefo são fontes inestimáveis para o estudo do judaísmo, da revolta
contra Roma e do contexto histórico do século I. Suas principais obras são:
A
Guerra dos Judeus (c. 75 d.C.): Escrita em grego, mas baseada em um relato
anterior em aramaico destinado à comunidade judaica da Mesopotâmia, esta obra
narra a Primeira Guerra Judaico-Romana (66-73 d.C.), com foco na revolta, no
cerco de Jerusalém e na destruição do Segundo Templo.
Josefo
baseou-se em suas experiências como governador militar e prisioneiro, além de
registros romanos e judaicos. A obra é uma fonte primária essencial para
entender o conflito e as tensões entre judeus e romanos.
Antiguidades
Judaicas (c. 94 d.C.): Esta obra monumental, também escrita em grego, traça a
história do povo judeu desde a criação, conforme narrada no Gênesis, até o
início da revolta contra Roma.
Josefo
buscou apresentar o judaísmo como uma tradição antiga e respeitável aos
leitores greco-romanos. O livro contém o controverso Testimonium Flavianum, um
trecho que menciona Jesus de Nazaré, mas cuja autenticidade é debatida por
estudiosos.
Contra
Apião (c. 97 d.C.): Uma defesa do judaísmo contra acusações antissemitas,
especialmente as do gramático Apião e mitos propagados por autores como
Manetão.
Josefo
argumenta que o judaísmo é uma religião e filosofia clássica, compatível com a
cultura greco-romana, e refuta alegações de práticas bárbaras atribuídas aos judeus.
Vida de
Flávio Josefo (c. 99 d.C.): Sua autobiografia, escrita para responder às
críticas de Justo de Tiberíades, um adversário que o acusava de traição e má
conduta durante a guerra. A obra é valiosa, mas contém lacunas e omissões, o
que reflete a tentativa de Josefo de justificar suas ações controversas.
Controvérsias e o Papel de Josefo
A vida
de Josefo é marcada por ambiguidades que geram debates até hoje. Ele foi
acusado por contemporâneos e historiadores posteriores de traição por não ter
se suicidado com seus companheiros em Jotapata e por colaborar com os romanos
durante o cerco de Jerusalém.
Críticos
o veem como um oportunista que abandonou seu povo em troca de favores romanos,
apontando suas obras como propaganda flaviana ou uma tentativa de reabilitar
sua reputação.
No
entanto, uma reavaliação moderna sugere que Josefo agiu pragmaticamente em um
contexto de guerra devastadora. Comparado a líderes zelotes como Simão bar
Giora e João de Giscala, que resistiram até o fim e foram capturados ou mortos,
Josefo optou pela sobrevivência, acreditando que poderia preservar a memória e
a cultura judaica por meio de suas obras.
Enquanto
os zelotes contribuíram para a destruição de Jerusalém ao rejeitar negociações,
Josefo tentou evitar o banho de sangue, embora sem sucesso. Além disso, Josefo
foi um apologista eficaz do judaísmo no mundo romano. Ele apresentou os judeus
como um povo civilizado, devoto e filosófico, desafiando estereótipos
antissemitas.
Suas
obras influenciaram tanto leitores pagãos quanto cristãos, e Eusébio de
Cesareia, no século IV, relata que uma estátua em sua homenagem foi erguida em
Roma.
No
século XIX, A Guerra dos Judeus era amplamente lida na Europa, especialmente em
famílias escocesas e inglesas, como observa o escritor Alberto Manguel.
Josefo e a Ausência de Menções a Jesus
Um
ponto frequentemente debatido é a escassez de referências a Jesus de Nazaré nas
obras de Josefo, especialmente considerando que ele viveu na mesma época e
região em que Jesus foi crucificado (por volta de 30-33 d.C.).
A
principal menção a Jesus aparece no Testimonium Flavianum (Antiguidades
Judaicas, Livro 18, Capítulo 3), onde Josefo supostamente descreve Jesus como
um "homem sábio", que realizou "feitos surpreendentes" e
foi crucificado sob Pôncio Pilatos, sendo reconhecido como o Messias por seus
seguidores.
No
entanto, a autenticidade desse trecho é amplamente contestada. Muitos
estudiosos acreditam que o Testimonium Flavianum é uma interpolação cristã
posterior, inserida por copistas medievais para reforçar a narrativa cristã.
O
texto, em sua forma atual, contém linguagem laudatória que não se alinha com o
estilo de Josefo ou com sua perspectiva judaica, que não reconhecia Jesus como
o Messias.
Alguns
defendem que o trecho original pode ter contido uma menção neutra a Jesus, mas
foi alterado para refletir crenças cristãs. Outra referência, no Livro 20 das
Antiguidades Judaicas, menciona a execução de "Tiago, o irmão de Jesus,
chamado Cristo", e é considerada mais autêntica, mas ainda assim breve. A
ausência de menções mais detalhadas a Jesus nas obras de Josefo pode ser
explicada por vários fatores:
Contexto
Histórico: Josefo escreveu para um público romano e judaico, focando em eventos
de grande escala, como a revolta contra Roma e a história do povo judeu.
O movimento
cristão, nos anos 60-70 d.C., ainda era pequeno e marginal, não representando
uma força política ou social significativa na Judeia. Assim, Jesus e seus
seguidores podem não ter sido vistos como relevantes para os propósitos de
Josefo.
Objetivos
Literários: Como apologista do judaísmo, Josefo buscava enfatizar a antiguidade
e a respeitabilidade de sua cultura, evitando temas que pudessem dividir seu
público ou desviar o foco. Menções a Jesus, que era controverso entre judeus e
ainda não amplamente conhecido entre romanos, poderiam comprometer esse
objetivo.
Prática
da Crucificação: A crucificação era um método comum de execução no Império
Romano, especialmente para rebeldes e criminosos. Embora os evangelhos cristãos
descrevam Jesus como uma figura de impacto, com milagres e ensinamentos, essas
narrativas podem não ter sido amplamente conhecidas ou aceitas na Judeia de
Josefo, especialmente entre as elites sacerdotais a que ele pertencia.
Censura
ou Perda de Textos: É possível que Josefo tenha mencionado Jesus em outros
trechos que foram perdidos ou censurados, especialmente considerando que suas
obras foram preservadas por copistas cristãos, que podem ter alterado ou
suprimido passagens.
Perspectiva
Judaica: Como fariseu, Josefo provavelmente não via Jesus como uma figura
central para o judaísmo. Os fariseus, em geral, rejeitavam os movimentos
messiânicos, e Josefo pode ter considerado o cristianismo nascente como uma
seita menor, irrelevante em comparação com os zelotes ou outras facções
judaicas.
Apesar
da ausência de menções detalhadas, o Testimonium Flavianum, mesmo se
parcialmente autêntico, sugere que Josefo tinha algum conhecimento de Jesus.
A falta
de ênfase em sua figura pode refletir tanto a escala limitada do cristianismo
na época quanto as prioridades de Josefo como historiador e apologista.
Legado
Flávio
Josefo permanece uma figura complexa: para alguns, um traidor que se aliou aos
romanos; para outros, um pragmático que preservou a história e a cultura
judaica em um momento de crise.
Suas
obras continuam sendo fontes indispensáveis para historiadores, oferecendo
insights sobre o judaísmo, a política romana e o contexto do cristianismo
primitivo.
Embora
suas ações durante a guerra sejam controversas, seu papel como mediador
cultural entre o judaísmo e o mundo greco-romano é inegável, tornando-o uma
ponte entre dois mundos em conflito.
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