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segunda-feira, agosto 12, 2024

Flávio Josefo



Flávio Josefo: O Historiador Judaico-Romano e Sua Obra

Flávio Josefo, também conhecido pelo seu nome hebraico Yosef ben Mattityahu ("José, filho de Matias") e, após tornar-se cidadão romano, como Tito Flávio Josefo, foi uma figura central na historiografia do judaísmo do século I.

Nascido por volta de 37 d.C. em Jerusalém, Josefo era descendente de uma linhagem de sacerdotes e, por parte de sua mãe, da dinastia real dos Asmoneus.

Ele é mais conhecido por registrar in loco os eventos da Primeira Guerra Judaico-Romana (66-73 d.C.), incluindo a destruição de Jerusalém e do Segundo Templo em 70 d.C. pelas tropas romanas lideradas pelo general Vespasiano e seu filho Tito, ambos futuros imperadores.

Suas obras oferecem um panorama valioso do judaísmo no século I, da revolta judaica contra Roma e do contexto que marcou a separação definitiva do cristianismo do judaísmo.

Biografia e Contexto Histórico

As principais informações sobre a vida de Josefo provêm de sua autobiografia, Vida de Flávio Josefo. Ele nasceu em uma família de sacerdotes em Jerusalém e recebeu uma educação rigorosa na Torá e nas tradições judaicas.

Aos 13 anos, começou a estudar as principais seitas judaicas da época - saduceus, fariseus e essênios - e, aos 19 anos, optou por aderir ao farisaísmo, que enfatizava a observância da Lei e a crença na ressurreição dos mortos.

Josefo também menciona os zelotes, a quem atribui a responsabilidade por incitar a revolta contra Roma, que culminou na destruição de Jerusalém. Em 64 d.C., aos 26 anos, Josefo viajou a Roma como parte de uma embaixada para negociar a libertação de sacerdotes judeus presos pelo procurador romano Marco Antônio Félix.

Com a ajuda de Popeia Sabina, esposa do imperador Nero, ele obteve sucesso nessa missão. Ao retornar à Judeia, encontrou Jerusalém à beira de uma revolta contra o domínio romano, agravada por tensões religiosas, políticas e sociais.

Josefo tentou dissuadir os líderes rebeldes, mas seus esforços foram em vão. Em 66 d.C., os revoltosos tomaram a Fortaleza Antônia, marcando o início da Primeira Guerra Judaico-Romana.

Para evitar ser acusado de simpatizar com os romanos, Josefo buscou refúgio no Templo de Jerusalém. Após a morte de líderes rebeldes como Manaém, ele se aliou aos sacerdotes do Sinédrio, que aguardavam reforços romanos para sufocar a revolta.

No entanto, as tropas de Céstio Galo, governador da Síria, foram derrotadas, intensificando o conflito. O Sinédrio então enviou Josefo à Galileia, onde ele foi nomeado governador militar da província.

Lá, fortificou cidades como Jotapata, mas enfrentou resistência de grupos extremistas, especialmente os liderados por João de Giscala, que o acusavam de ser conciliador com Roma. Em 67 d.C., as forças romanas de Vespasiano invadiram a Galileia e tomaram Jotapata após um cerco prolongado.

Josefo, junto com 40 homens, escondeu-se em uma cisterna. Quando descobertos, os romanos ofereceram rendição em troca de suas vidas. Josefo propôs um método de suicídio coletivo, conhecido hoje como o "problema de Josefo" ou "Roleta Romana", no qual os homens tirariam a sorte para se matar em sequência.

Por estratégia ou sorte, Josefo e outro sobrevivente permaneceram vivos e se renderam às forças de Vespasiano em julho de 67 d.C., tornando-se prisioneiros de guerra. Durante seu cativeiro, Josefo ganhou a confiança de Vespasiano ao profetizar que ele se tornaria imperador.

Quando a profecia se cumpriu em 69 d.C., Josefo foi libertado e adotou o nome Flávio em homenagem a seu patrono. Durante o cerco de Jerusalém em 70 d.C., ele atuou como mediador entre os romanos e os rebeldes judeus, tentando negociar a rendição para evitar a destruição da cidade.

Após a queda de Jerusalém, Josefo foi bem recebido pelos romanos, recebendo cidadania, uma pensão e terras confiscadas na Judeia. Em 71 d.C., acompanhou Tito a Roma, onde viveu como cliente da dinastia flaviana (Vespasiano, Tito e Domiciano) e escreveu suas obras sob seu patronato.

A vida pessoal de Josefo foi marcada por casamentos conturbados. Sua primeira esposa morreu durante o cerco de Jerusalém, junto com seus pais. Vespasiano arranjou-lhe um segundo casamento com uma prisioneira judia, que o abandonou.

Por volta de 70 d.C., Josefo casou-se com uma judia de Alexandria, com quem teve três filhos, dos quais apenas Flávio Hircano sobreviveu à infância. Após se divorciar, casou-se pela quarta vez com uma judia de Creta, com quem teve dois filhos, Flávio Justo e Flávio Simônides Agripa.

Obras Principais

As obras de Josefo são fontes inestimáveis para o estudo do judaísmo, da revolta contra Roma e do contexto histórico do século I. Suas principais obras são:

A Guerra dos Judeus (c. 75 d.C.): Escrita em grego, mas baseada em um relato anterior em aramaico destinado à comunidade judaica da Mesopotâmia, esta obra narra a Primeira Guerra Judaico-Romana (66-73 d.C.), com foco na revolta, no cerco de Jerusalém e na destruição do Segundo Templo.

Josefo baseou-se em suas experiências como governador militar e prisioneiro, além de registros romanos e judaicos. A obra é uma fonte primária essencial para entender o conflito e as tensões entre judeus e romanos.

Antiguidades Judaicas (c. 94 d.C.): Esta obra monumental, também escrita em grego, traça a história do povo judeu desde a criação, conforme narrada no Gênesis, até o início da revolta contra Roma.

Josefo buscou apresentar o judaísmo como uma tradição antiga e respeitável aos leitores greco-romanos. O livro contém o controverso Testimonium Flavianum, um trecho que menciona Jesus de Nazaré, mas cuja autenticidade é debatida por estudiosos.

Contra Apião (c. 97 d.C.): Uma defesa do judaísmo contra acusações antissemitas, especialmente as do gramático Apião e mitos propagados por autores como Manetão.

Josefo argumenta que o judaísmo é uma religião e filosofia clássica, compatível com a cultura greco-romana, e refuta alegações de práticas bárbaras atribuídas aos judeus.

Vida de Flávio Josefo (c. 99 d.C.): Sua autobiografia, escrita para responder às críticas de Justo de Tiberíades, um adversário que o acusava de traição e má conduta durante a guerra. A obra é valiosa, mas contém lacunas e omissões, o que reflete a tentativa de Josefo de justificar suas ações controversas.

Controvérsias e o Papel de Josefo

A vida de Josefo é marcada por ambiguidades que geram debates até hoje. Ele foi acusado por contemporâneos e historiadores posteriores de traição por não ter se suicidado com seus companheiros em Jotapata e por colaborar com os romanos durante o cerco de Jerusalém.

Críticos o veem como um oportunista que abandonou seu povo em troca de favores romanos, apontando suas obras como propaganda flaviana ou uma tentativa de reabilitar sua reputação.

No entanto, uma reavaliação moderna sugere que Josefo agiu pragmaticamente em um contexto de guerra devastadora. Comparado a líderes zelotes como Simão bar Giora e João de Giscala, que resistiram até o fim e foram capturados ou mortos, Josefo optou pela sobrevivência, acreditando que poderia preservar a memória e a cultura judaica por meio de suas obras.

Enquanto os zelotes contribuíram para a destruição de Jerusalém ao rejeitar negociações, Josefo tentou evitar o banho de sangue, embora sem sucesso. Além disso, Josefo foi um apologista eficaz do judaísmo no mundo romano. Ele apresentou os judeus como um povo civilizado, devoto e filosófico, desafiando estereótipos antissemitas.

Suas obras influenciaram tanto leitores pagãos quanto cristãos, e Eusébio de Cesareia, no século IV, relata que uma estátua em sua homenagem foi erguida em Roma.

No século XIX, A Guerra dos Judeus era amplamente lida na Europa, especialmente em famílias escocesas e inglesas, como observa o escritor Alberto Manguel.

Josefo e a Ausência de Menções a Jesus

Um ponto frequentemente debatido é a escassez de referências a Jesus de Nazaré nas obras de Josefo, especialmente considerando que ele viveu na mesma época e região em que Jesus foi crucificado (por volta de 30-33 d.C.).

A principal menção a Jesus aparece no Testimonium Flavianum (Antiguidades Judaicas, Livro 18, Capítulo 3), onde Josefo supostamente descreve Jesus como um "homem sábio", que realizou "feitos surpreendentes" e foi crucificado sob Pôncio Pilatos, sendo reconhecido como o Messias por seus seguidores.

No entanto, a autenticidade desse trecho é amplamente contestada. Muitos estudiosos acreditam que o Testimonium Flavianum é uma interpolação cristã posterior, inserida por copistas medievais para reforçar a narrativa cristã.

O texto, em sua forma atual, contém linguagem laudatória que não se alinha com o estilo de Josefo ou com sua perspectiva judaica, que não reconhecia Jesus como o Messias.

Alguns defendem que o trecho original pode ter contido uma menção neutra a Jesus, mas foi alterado para refletir crenças cristãs. Outra referência, no Livro 20 das Antiguidades Judaicas, menciona a execução de "Tiago, o irmão de Jesus, chamado Cristo", e é considerada mais autêntica, mas ainda assim breve. A ausência de menções mais detalhadas a Jesus nas obras de Josefo pode ser explicada por vários fatores:

Contexto Histórico: Josefo escreveu para um público romano e judaico, focando em eventos de grande escala, como a revolta contra Roma e a história do povo judeu.

O movimento cristão, nos anos 60-70 d.C., ainda era pequeno e marginal, não representando uma força política ou social significativa na Judeia. Assim, Jesus e seus seguidores podem não ter sido vistos como relevantes para os propósitos de Josefo.

Objetivos Literários: Como apologista do judaísmo, Josefo buscava enfatizar a antiguidade e a respeitabilidade de sua cultura, evitando temas que pudessem dividir seu público ou desviar o foco. Menções a Jesus, que era controverso entre judeus e ainda não amplamente conhecido entre romanos, poderiam comprometer esse objetivo.

Prática da Crucificação: A crucificação era um método comum de execução no Império Romano, especialmente para rebeldes e criminosos. Embora os evangelhos cristãos descrevam Jesus como uma figura de impacto, com milagres e ensinamentos, essas narrativas podem não ter sido amplamente conhecidas ou aceitas na Judeia de Josefo, especialmente entre as elites sacerdotais a que ele pertencia.

Censura ou Perda de Textos: É possível que Josefo tenha mencionado Jesus em outros trechos que foram perdidos ou censurados, especialmente considerando que suas obras foram preservadas por copistas cristãos, que podem ter alterado ou suprimido passagens.

Perspectiva Judaica: Como fariseu, Josefo provavelmente não via Jesus como uma figura central para o judaísmo. Os fariseus, em geral, rejeitavam os movimentos messiânicos, e Josefo pode ter considerado o cristianismo nascente como uma seita menor, irrelevante em comparação com os zelotes ou outras facções judaicas.

Apesar da ausência de menções detalhadas, o Testimonium Flavianum, mesmo se parcialmente autêntico, sugere que Josefo tinha algum conhecimento de Jesus.

A falta de ênfase em sua figura pode refletir tanto a escala limitada do cristianismo na época quanto as prioridades de Josefo como historiador e apologista.

Legado

Flávio Josefo permanece uma figura complexa: para alguns, um traidor que se aliou aos romanos; para outros, um pragmático que preservou a história e a cultura judaica em um momento de crise.

Suas obras continuam sendo fontes indispensáveis para historiadores, oferecendo insights sobre o judaísmo, a política romana e o contexto do cristianismo primitivo.

Embora suas ações durante a guerra sejam controversas, seu papel como mediador cultural entre o judaísmo e o mundo greco-romano é inegável, tornando-o uma ponte entre dois mundos em conflito.

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