O Prefácio de O Retrato de Dorian Gray: A Visão Estética de Oscar Wilde
“O
artista é o criador de coisas belas. Revelar a arte e ocultar o artista é o
objetivo da arte.
O
crítico é aquele que pode traduzir em outra forma ou em novo material sua
impressão das coisas belas.
A
mais elevada, assim como a mais baixa forma de crítica, é uma espécie de
autobiografia. Aqueles que encontram significados torpes nas coisas belas são
corruptos sem encanto, o que é um defeito.
Aqueles
que encontram significados belos nas coisas belas são os cultivados. Para
esses, há esperança.
Os
eleitos são aqueles para quem as coisas belas significam apenas Beleza.
Não existem livros morais ou imorais. Os livros são bem escritos ou mal
escritos. Isso é tudo.”
-
Oscar Wilde, Prefácio de O Retrato de Dorian Gray (1890/1891) Contexto e
Significado.
O
trecho acima é parte do prefácio de O Retrato de Dorian Gray, único romance de
Oscar Wilde, publicado inicialmente em 1890 na revista Lippincott’s Monthly
Magazine e revisado em 1891 como livro.
O
prefácio foi escrito por Wilde como uma resposta às críticas negativas que a
obra recebeu em sua primeira versão, acusada de ser imoral e decadente.
Nele,
o autor apresenta sua filosofia estética, influenciada pelo movimento do
Esteticismo, que defendia a arte pela arte (l’art pour l’art), ou seja, a ideia
de que a arte não deve servir a propósitos morais, políticos ou didáticos, mas
existir apenas para expressar e evocar a beleza.
Wilde,
um dos mais brilhantes escritores e dramaturgos do final do século XIX, utiliza
o prefácio para defender a autonomia da arte e desafiar as convenções
vitorianas, que frequentemente exigiam que a literatura tivesse um propósito
moral.
Suas
afirmações, como “o artista é o criador de coisas belas” e “não existem livros
morais ou imorais”, são um manifesto em favor da liberdade criativa e uma
crítica à hipocrisia da sociedade de sua época, que ele via como obcecada por
julgar a arte através de lentes morais.
Análise do Texto
O Papel do Artista e da Arte
Wilde
sugere que o artista deve se dissolver na obra, permitindo que a beleza da
criação fale por si mesma. A frase “revelar a arte e ocultar o artista” reflete
a ideia de que a personalidade ou as intenções do criador não devem interferir
na apreciação estética.
Essa
visão desafia a tendência de associar a arte à biografia do autor, uma prática
comum na crítica literária da era vitoriana.
O Crítico como Criador
Ao
afirmar que o crítico “traduz” suas impressões em novas formas, Wilde eleva a
crítica a um nível criativo, quase equiparável à própria arte. Ele sugere que a
crítica é inerentemente subjetiva, um reflexo da personalidade e das
experiências do crítico, o que torna qualquer julgamento, seja elevado ou
baixo, uma forma de autobiografia. Essa ideia antecipa teorias modernas sobre a
subjetividade na interpretação artística.
Beleza e Moralidade
Wilde
condena aqueles que buscam significados “torpes” (imorais ou vulgares) na arte,
descrevendo-os como “corruptos sem sedução”. Em contrapartida, ele exalta os
“cultivados”, que reconhecem a beleza pelo seu valor intrínseco, e os
“eleitos”, para quem a beleza é um fim em si mesma, desprovida de significados
externos. Essa visão reflete sua crença de que a arte deve ser apreciada sem
imposições morais ou utilitárias.
A Rejeição da Moralidade na Arte
A
declaração “não existem livros morais ou imorais” é uma das mais provocadoras
do prefácio. Wilde argumenta que a qualidade de uma obra literária reside em
sua execução estética, não em seu conteúdo moral. Essa ideia chocou a sociedade
vitoriana, que via a literatura como um meio de reforçar valores éticos.
A Controvérsia de O Retrato de Dorian Gray
A
publicação de O Retrato de Dorian Gray em 1890 gerou intensas críticas na
Inglaterra vitoriana. A história de Dorian Gray, um jovem que permanece
eternamente jovem enquanto seu retrato envelhece e reflete suas ações imorais,
foi considerada escandalosa por sua exploração de temas como hedonismo, vaidade
e corrupção moral.
Críticos
da época acusaram o romance de ser imoral, com insinuações de homoerotismo e
decadência, o que era particularmente sensível em um período de repressão
social e legal contra a homossexualidade.
A
reação negativa levou Wilde a revisar a obra para a edição de 1891, suavizando
alguns elementos e adicionando o prefácio como uma defesa de suas ideias
estéticas.
A
controvérsia também se estendeu à vida pessoal de Wilde. Em 1895, ele foi
processado e condenado por “indecência grave” devido a suas relações
homossexuais, o que resultou em dois anos de prisão com trabalhos forçados.
A
perseguição a Wilde foi alimentada pela percepção de que sua obra, incluindo
Dorian Gray, promovia valores subversivos. Após sua libertação, Wilde viveu no
exílio na França, onde morreu em 1900, mas sua obra continuou a influenciar
gerações futuras.
Expansão e Contexto Adicional
O
prefácio de O Retrato de Dorian Gray não é apenas uma introdução ao romance,
mas um marco na história literária, encapsulando o espírito do Esteticismo e
desafiando as normas culturais da época.
Ele
reflete as tensões entre arte e moralidade, um debate que permanece relevante
em discussões modernas sobre censura, liberdade de expressão e o papel da arte
na sociedade.
Wilde
escreveu o prefácio em um momento em que a sociedade vitoriana estava
profundamente dividida entre a repressão moral e os movimentos de vanguarda que
questionavam essas normas.
O
Esteticismo, influenciado por pensadores como Walter Pater, defendia que a experiência
estética era o objetivo supremo da vida, uma ideia que Wilde levou ao extremo
em suas obras e em sua própria persona pública.
O
prefácio também pode ser lido como uma resposta às críticas pessoais que Wilde
enfrentava, já que sua vida extravagante e suas ideias provocadoras o tornavam
um alvo constante da imprensa.
Além
disso, O Retrato de Dorian Gray inspirou inúmeras adaptações, incluindo filmes,
peças de teatro e séries de televisão, e continua sendo estudado em cursos de
literatura por sua riqueza temática.
A
obra explora questões como a dualidade entre aparência e essência, o custo do
narcisismo e a natureza da beleza, temas que ressoam em debates contemporâneos
sobre identidade, imagem e autenticidade na era das redes sociais.
Legado de Wilde e do Prefácio
O
prefácio de O Retrato de Dorian Gray permanece uma peça fundamental para
entender a visão de Oscar Wilde sobre a arte e a sociedade. Suas ideias
desafiaram as convenções de sua época e abriram caminho para movimentos
artísticos posteriores, como o Modernismo.
A
obra de Wilde, incluindo este prefácio, continua a inspirar artistas,
escritores e pensadores a questionar os limites entre beleza, moralidade e
verdade.
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