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quarta-feira, agosto 14, 2024

Pilatos – O Santo


  

Pôncio Pilatos: O Santo Improvável

Você sabia que Pôncio Pilatos, o governador romano conhecido por seu papel no julgamento de Jesus Cristo, é venerado como santo por algumas tradições cristãs orientais?

A Igreja Ortodoxa Etíope Tewahedo e, historicamente, a Igreja Ortodoxa Copta consideram Pilatos um mártir e santo, devido à sua relutância em condenar Jesus à crucificação, conforme narrado nos Evangelhos.

Essa visão, embora surpreendente para muitos cristãos ocidentais, reflete uma perspectiva teológica e cultural única que deu origem a lendas e tradições populares sobre Pilatos e sua esposa, Cláudia Prócula, também venerada como santa em algumas comunidades.

A memória litúrgica de ambos é celebrada em 25 de junho por essas igrejas. Mas quem foi, de fato, Pôncio Pilatos, e como ele se tornou uma figura tão complexa, oscilando entre a história, a fé e a lenda?

Pilatos na História

Pôncio Pilatos foi o quinto prefeito (ou procurador) da província romana da Judeia, servindo de 26 a 36 d.C. sob o imperador Tibério. Sua administração é descrita por fontes históricas, como os escritos de Flávio Josefo e Fílon de Alexandria, como marcada por tensões com a população judaica.

Um exemplo notável ocorreu logo no início de seu governo, quando Pilatos entrou em Jerusalém com estandartes romanos exibindo imagens do imperador, consideradas ídolos pagãos pelos judeus.

Essa ação provocou um tumulto, pois violava a sensibilidade religiosa local, que proibia imagens esculpidas. Após protestos, Pilatos acabou cedendo e removeu os estandartes, mas o incidente revelou sua falta de tato político e cultural.

Outro episódio controverso foi a construção de um aqueduto para melhorar o abastecimento de água em Jerusalém, financiado com fundos do tesouro do Templo, o que gerou revolta entre os judeus.

Segundo Josefo, Pilatos reprimiu duramente as manifestações, resultando em várias mortes. Esses eventos mostram um governante frequentemente em conflito com os súditos, o que contrasta com a imagem de hesitação e relutância que os Evangelhos atribuem a ele durante o julgamento de Jesus.

Pilatos e o Julgamento de Jesus

Nos Evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas e João), Pilatos aparece como uma figura ambígua. Ele é descrito como alguém que reconhece a inocência de Jesus, mas, pressionado pela multidão e pelos líderes religiosos, acaba cedendo e ordenando a crucificação.

O gesto de lavar as mãos, relatado em Mateus 27:24, simboliza sua tentativa de se eximir da responsabilidade pela morte de Jesus, um ato que ressoou profundamente na tradição cristã.

A figura de Cláudia Prócula, sua esposa, também ganha destaque em Mateus 27:19, quando ela tenta dissuadi-lo de condenar Jesus, após ter um sonho perturbador.

Essa relutância de Pilatos em condenar Jesus é o principal fundamento para sua veneração em algumas tradições cristãs orientais. A Igreja Ortodoxa Etíope Tewahedo interpreta essa hesitação como um sinal de que Pilatos, em seu coração, reconheceu a verdade sobre Jesus, o que teria levado à sua conversão posterior ao cristianismo.

A tradição também atribui a Cláudia Prócula um papel de precursora na fé, por sua intervenção em favor de Jesus.

As Lendas e a Conversão de Pilatos

Após a crucificação de Jesus, as fontes históricas sobre Pilatos são escassas. Flávio Josefo relata que, por volta de 36 d.C., após uma década como governador, Pilatos foi destituído de seu cargo devido a uma repressão violenta contra samaritanos, que protestavam contra uma expedição liderada por ele no Monte Gerizim.

Convocado a Roma para responder pelo incidente, Pilatos partiu no inverno, viajando por terra, já que o mar era perigoso nessa estação. Coincidentemente, o imperador Tibério morreu em 37 d.C., antes ou durante a chegada de Pilatos à capital.

Não há registros históricos confiáveis sobre seu destino após esse evento. É nesse vácuo histórico que surgem as lendas. Algumas tradições cristãs, especialmente as orientais, afirmam que Pilatos se converteu ao cristianismo, talvez influenciado por sua esposa, Cláudia Prócula, que também teria abraçado a fé.

Textos apócrifos, como os Atos de Pilatos (parte do chamado Evangelho de Nicodemos), retratam Pilatos de maneira favorável, sugerindo que ele reconheceu a divindade de Jesus após sua morte.

Eusébio de Cesareia, historiador do século IV, menciona rumores de que Pilatos teria se convertido, embora não apresente evidências concretas. Outras lendas, porém, são menos favoráveis, sugerindo que Pilatos sofreu punições divinas ou morreu em desgraça, como em relatos que o associam a um exílio na Gália ou até mesmo ao suicídio.

A veneração de Pilatos como santo, portanto, é baseada mais em tradições teológicas do que em fatos históricos verificáveis. Para as Igrejas Etíope e Copta, sua hesitação no julgamento de Jesus e a possível conversão posterior são suficientes para considerá-lo um mártir, alguém que, mesmo tardiamente, abraçou a fé cristã.

Pilatos na Cultura Cristã

Independentemente das incertezas históricas, Pôncio Pilatos ocupa um lugar singular na memória cristã. Ele é mencionado no Credo Niceno-Constantinopolitano, recitado por milhões de cristãos, que afirma que Jesus “padeceu sob Pôncio Pilatos”.

Essa menção não apenas situa a paixão de Cristo em um contexto histórico, mas também imortaliza Pilatos como uma figura central na narrativa da redenção. Além disso, Pilatos inspirou diversas representações na arte, literatura e teologia.

Na tradição ocidental, ele é frequentemente retratado como um símbolo de fraqueza moral, um homem que cedeu à pressão política em vez de seguir sua consciência.

Já nas tradições orientais, ele é visto com mais simpatia, como alguém que, apesar de suas falhas, foi tocado pela verdade divina. Cláudia Prócula, por sua vez, é celebrada como uma figura de intuição espiritual, cuja intervenção no julgamento reflete uma sensibilidade à mensagem de Jesus.

Conclusão

Pôncio Pilatos permanece uma figura enigmática, cuja vida e legado são moldados tanto por registros históricos quanto por tradições religiosas. Enquanto os Evangelhos o apresentam como um governador hesitante, as fontes seculares o descrevem como um administrador rígido e controverso.

As lendas sobre sua conversão, embora sem comprovação histórica, enriqueceram a tradição cristã oriental, que o venera como santo ao lado de sua esposa, Cláudia Prócula.

Seja como símbolo de culpa, redenção ou martírio, Pilatos continua a fascinar, lembrando-nos da complexidade da interação entre poder, fé e história.

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