Pedro
acordava todas as manhãs com o peso de uma nova cicatriz invisível. Não eram
marcas que se viam no espelho, mas ele as sentia, cravadas fundo no peito.
Já
havia morrido tantas vezes que parecia carregar um cemitério dentro de si. Cada
morte vinha disfarçada: uma palavra cortante de alguém que ele chamava de amigos,
uma promessa quebrada por quem jurava lealdade, um silêncio que doía mais que
qualquer grito. Mas ali, na penumbra do quarto, ele decidia, mais uma vez,
renascer.
Naquela
primavera, a última morte tinha sido a mais cruel. Pedro trabalhava há anos em
um projeto que era mais que um emprego - era um sonho. Ele e seus sócios
construíram uma pequena empresa do zero, uma editora que publicava histórias de
gente comum, de vozes que o mundo insistia em ignorar.
Ele
acreditava neles, nos livros, na ideia de que as palavras podiam mudar algo.
Mas, numa reunião fria, com café amargo e olhares desviados, seus parceiros
decidiram vendê-la a uma grande corporação.
Sem
consultá-lo. Sem nem ao menos fingir que ele importava. A editora, seu refúgio,
foi engolida, e com ela, uma parte de Pedro morreu. Ele se lembra de voltar para casa naquela
noite, o céu de São Paulo pesado com nuvens que não choravam.
Sentou-se
na varanda, a cabeça entre as mãos, e deixou as lágrimas caírem. Morrer, ele já
sabia, não era o fim. Era o vazio que vinha depois, a sensação de que nada mais
valia a pena.
Mas
então, como fazia sempre, respirou fundo. Foi ao banheiro, jogou água fria no
rosto, olhou-se no espelho. “Você não é isso”, disse a si mesmo. “Você é maior
que eles.”
Renascer
não era fácil. Não era só levantar e seguir em frente, como dizem os conselhos
baratos. Era como escalar uma montanha com as mãos nuas, sabendo que a queda
era sempre uma possibilidade.
Pedro
começou pequeno. Pegou um caderno velho e voltou a escrever. Não para publicar,
não para provar nada a ninguém, mas para lembrar quem era. Escrevia sobre as
ruas da cidade, sobre o cheiro de café nas manhãs, sobre as pessoas que
cruzavam seu caminho e carregavam suas próprias cicatrizes.
Aos
poucos, as palavras o salvaram. Elas o ensinaram que renascer era mais que
sobreviver - era transformar a dor em algo que brilhasse. Os que o mataram - os
sócios que o traíram, os amigos que viraram as costas, os que riram de seu
fracasso - continuavam suas vidas.
Pedro
os via, de longe, nas redes sociais, exibindo sorrisos falsos e conquistas
vazias. Ele podia ter escolhido o rancor, a vingança. Mas isso seria como
carregar o veneno deles dentro de si.
Em vez
disso, escolheu a liberdade. Fundou uma nova editora, menor, mais verdadeira.
Chamou-a de “Luz do Pó”, um nome que dizia tudo: nascer da cinza, brilhar
apesar de tudo.
Hoje,
Pedro ainda sente o peso das mortes antigas. Às vezes, no silêncio da
madrugada, elas voltam como fantasmas. Mas ele sabe o que fazer. Levanta, lava
o rosto, respira fundo. E segue.
Não
porque é forte, mas porque aprendeu que a covardia dos que o feriram nunca será
maior que sua coragem de renascer. Ele é o sol que cega a lua, o homem que bebe
o mar. E, a cada novo dia, escreve mais uma página de sua história.
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