Propaganda

domingo, agosto 18, 2024

A Inquisição Portuguesa


  Representação de execuções pelo fogo no Terreiro do Paço em Lisboa - Portugal

A Inquisição Portuguesa: Origens, Desenvolvimento e Impactos

A Inquisição Portuguesa teve suas raízes em compromissos políticos e religiosos firmados por D. Manuel I, rei de Portugal, no contrato de casamento com Isabel de Aragão e Castela, assinado em 30 de novembro de 1496.

Esse acordo refletia a pressão dos Reis Católicos de Espanha, que já haviam instituído a Inquisição em seus territórios e buscavam unificar a Península Ibérica sob a ortodoxia católica.

A implementação da Inquisição em Portugal, no entanto, só se concretizou formalmente em 1536, durante o reinado de D. João III, após sucessivos pedidos à Santa Sé.

Origens e Formalização

O processo para a criação da Inquisição Portuguesa começou em 1515, quando D. Manuel I solicitou ao Papa Leão X a instalação de um tribunal inquisitorial.

Contudo, a resistência de setores da sociedade portuguesa, incluindo a própria Coroa, que temia conflitos sociais e econômicos devido à presença de comunidades judaicas influentes, retardou a implementação.

Somente após a morte de D. Manuel I, em 1521, o Papa Paulo III, em 1536, autorizou oficialmente a criação da Inquisição Portuguesa, atendendo a um pedido de D. João III.

O tribunal era liderado por um "Inquisidor Geral", nomeado pelo Papa, mas escolhido pela Coroa, frequentemente um membro da família real ou da alta nobreza, garantindo o controle político do processo.

Alvos e Perseguições

O principal alvo da Inquisição Portuguesa foram os judeus sefarditas, muitos dos quais haviam fugido da Espanha após o decreto de expulsão de 1492, promulgado pelos Reis Católicos.

Em Portugal, esses judeus foram inicialmente recebidos, mas sob pressão política e religiosa, foram forçados a se converter ao cristianismo, tornando-se conhecidos como "cristãos-novos".

Apesar da conversão, esses indivíduos eram frequentemente suspeitos de praticar secretamente o judaísmo (criptojudaísmo), o que os colocava na mira dos inquisidores.

O primeiro "auto de fé", cerimônia pública onde os condenados eram julgados e punidos, ocorreu em 1540. Esses eventos eram marcados por grande pompa e serviam tanto para punir os acusados quanto para intimidar a população, reforçando a autoridade da Igreja e do Estado.

Os cristãos-novos eram os principais alvos, acusados de heresia, apostasia e práticas judaizantes. Além disso, a Inquisição passou a investigar outros crimes, como feitiçaria, bigamia, adivinhação, sodomia e até mesmo comportamentos considerados desviantes dos dogmas católicos, expandindo seu alcance para além da esfera religiosa.

Expansão às Colônias

A Inquisição Portuguesa não se restringiu ao território metropolitano, estendendo-se às colônias, como Brasil, Cabo Verde, Angola e Goa, na Índia. No Brasil, embora não houvesse um tribunal fixo, a colônia estava subordinada ao Tribunal de Lisboa.

Visitadores eram enviados periodicamente para investigar a fé e o cumprimento dos dogmas católicos pela população. Registrou-se três grandes visitações: na Capitania da Bahia (1591-1593), na Capitania de Pernambuco (1593-1595) e no Estado do Maranhão e Grão-Pará (1763-1769).

Esta última, considerada extemporânea por historiadores, ocorreu no final do século XVIII, quando a Inquisição já estava enfraquecida devido às reformas iluministas promovidas pelo Marquês de Pombal.

Em Goa, a Inquisição foi estabelecida em 1560 com o objetivo de combater práticas religiosas hindus, muçulmanas e de outros grupos que resistiam à conversão ao catolicismo.

Os inquisidores focavam em convertidos suspeitos de manterem suas antigas crenças, além de processar não convertidos que interferissem nos esforços de evangelização portuguesa.

A Inquisição em Goa foi particularmente severa, com registros de torturas, execuções e confisco de bens, impactando profundamente as comunidades locais.

Impactos e Números

A Inquisição Portuguesa teve um impacto devastador. Segundo o historiador Henry Charles Lea, entre 1540 e 1794, os tribunais de Lisboa, Porto, Coimbra e Évora executaram 1.175 pessoas na fogueira, queimaram a efígie de 633 indivíduos e impuseram castigos a 29.590 pessoas.

Esses números, no entanto, podem ser subestimados, pois a documentação de 15 dos 689 autos de fé registrados foi perdida. Além disso, muitas vítimas morreram nas prisões inquisitoriais devido a doenças, maus-tratos ou condições precárias, com detenções que podiam se prolongar por meses ou anos sem julgamento formal.

A Inquisição não se limitava à repressão religiosa; ela também exerceu controle social, político e cultural, censurando livros, regulando costumes e reforçando a hegemonia do catolicismo.

O confisco de bens dos condenados enriquecia a Coroa e os tribunais, enquanto o medo de denúncias anônimas criava um clima de desconfiança generalizada na sociedade portuguesa.

Declínio e Legado

O auge da Inquisição Portuguesa ocorreu nos séculos XVI e XVII, mas no século XVIII, sob o reinado de D. José I e a influência do Marquês de Pombal, a instituição começou a perder força.

Pombal, defensor das ideias iluministas, limitou o poder da Inquisição, abolindo práticas como a distinção entre cristãos-velhos e cristãos-novos em 1773.

A Inquisição foi oficialmente extinta em Portugal em 1821, em meio às revoluções liberais que transformaram o país. O impacto da Inquisição deixou marcas profundas na sociedade portuguesa e em suas colônias.

Além da violência física, ela contribuiu para a marginalização de comunidades, a destruição de identidades culturais e a perpetuação de preconceitos contra minorias.

Em 22 de outubro de 2016, a Câmara Municipal de Évora inaugurou um monumento em homenagem às milhares de vítimas da Inquisição Portuguesa, um gesto simbólico de reconhecimento das injustiças cometidas.

Contexto Adicional

A Inquisição Portuguesa deve ser entendida no contexto mais amplo da Europa moderna, marcada por conflitos religiosos e pela consolidação do poder estatal.

A pressão da Espanha, a necessidade de uniformizar a fé católica e a busca por controle político foram fatores cruciais para sua implementação. No entanto, a Inquisição também gerou tensões internas, com resistências de comunidades locais e críticas de setores mais progressistas, especialmente no século XVIII.

Além disso, a Inquisição teve um impacto econômico significativo. O confisco de bens dos cristãos-novos, que muitas vezes pertenciam à elite mercantil, enfraqueceu setores econômicos importantes em Portugal e nas colônias.

Em Goa, por exemplo, a repressão às comunidades locais prejudicou o comércio e as relações com populações nativas, dificultando a administração colonial.

Conclusão

A Inquisição Portuguesa foi uma instituição complexa, que transcendeu a esfera religiosa para se tornar um instrumento de controle social, político e cultural. Seu impacto reverberou por séculos, moldando a sociedade portuguesa e suas colônias.

Hoje, os memoriais e estudos históricos buscam resgatar a memória das vítimas, promovendo uma reflexão sobre os perigos do fanatismo religioso e da intolerância.

0 Comentários: