A Inquisição Portuguesa: Origens, Desenvolvimento e Impactos
A
Inquisição Portuguesa teve suas raízes em compromissos políticos e religiosos
firmados por D. Manuel I, rei de Portugal, no contrato de casamento com Isabel
de Aragão e Castela, assinado em 30 de novembro de 1496.
Esse
acordo refletia a pressão dos Reis Católicos de Espanha, que já haviam
instituído a Inquisição em seus territórios e buscavam unificar a Península
Ibérica sob a ortodoxia católica.
A
implementação da Inquisição em Portugal, no entanto, só se concretizou
formalmente em 1536, durante o reinado de D. João III, após sucessivos pedidos
à Santa Sé.
Origens e Formalização
O processo
para a criação da Inquisição Portuguesa começou em 1515, quando D. Manuel I
solicitou ao Papa Leão X a instalação de um tribunal inquisitorial.
Contudo,
a resistência de setores da sociedade portuguesa, incluindo a própria Coroa,
que temia conflitos sociais e econômicos devido à presença de comunidades
judaicas influentes, retardou a implementação.
Somente
após a morte de D. Manuel I, em 1521, o Papa Paulo III, em 1536, autorizou
oficialmente a criação da Inquisição Portuguesa, atendendo a um pedido de D.
João III.
O
tribunal era liderado por um "Inquisidor Geral", nomeado pelo Papa,
mas escolhido pela Coroa, frequentemente um membro da família real ou da alta
nobreza, garantindo o controle político do processo.
Alvos e Perseguições
O
principal alvo da Inquisição Portuguesa foram os judeus sefarditas, muitos dos
quais haviam fugido da Espanha após o decreto de expulsão de 1492, promulgado
pelos Reis Católicos.
Em
Portugal, esses judeus foram inicialmente recebidos, mas sob pressão política e
religiosa, foram forçados a se converter ao cristianismo, tornando-se
conhecidos como "cristãos-novos".
Apesar
da conversão, esses indivíduos eram frequentemente suspeitos de praticar
secretamente o judaísmo (criptojudaísmo), o que os colocava na mira dos
inquisidores.
O
primeiro "auto de fé", cerimônia pública onde os condenados eram
julgados e punidos, ocorreu em 1540. Esses eventos eram marcados por grande
pompa e serviam tanto para punir os acusados quanto para intimidar a população,
reforçando a autoridade da Igreja e do Estado.
Os
cristãos-novos eram os principais alvos, acusados de heresia, apostasia e
práticas judaizantes. Além disso, a Inquisição passou a investigar outros
crimes, como feitiçaria, bigamia, adivinhação, sodomia e até mesmo
comportamentos considerados desviantes dos dogmas católicos, expandindo seu
alcance para além da esfera religiosa.
Expansão às Colônias
A
Inquisição Portuguesa não se restringiu ao território metropolitano,
estendendo-se às colônias, como Brasil, Cabo Verde, Angola e Goa, na Índia. No
Brasil, embora não houvesse um tribunal fixo, a colônia estava subordinada ao
Tribunal de Lisboa.
Visitadores
eram enviados periodicamente para investigar a fé e o cumprimento dos dogmas
católicos pela população. Registrou-se três grandes visitações: na Capitania da
Bahia (1591-1593), na Capitania de Pernambuco (1593-1595) e no Estado do
Maranhão e Grão-Pará (1763-1769).
Esta
última, considerada extemporânea por historiadores, ocorreu no final do século
XVIII, quando a Inquisição já estava enfraquecida devido às reformas
iluministas promovidas pelo Marquês de Pombal.
Em Goa,
a Inquisição foi estabelecida em 1560 com o objetivo de combater práticas
religiosas hindus, muçulmanas e de outros grupos que resistiam à conversão ao
catolicismo.
Os
inquisidores focavam em convertidos suspeitos de manterem suas antigas crenças,
além de processar não convertidos que interferissem nos esforços de
evangelização portuguesa.
A
Inquisição em Goa foi particularmente severa, com registros de torturas,
execuções e confisco de bens, impactando profundamente as comunidades locais.
Impactos e Números
A
Inquisição Portuguesa teve um impacto devastador. Segundo o historiador Henry
Charles Lea, entre 1540 e 1794, os tribunais de Lisboa, Porto, Coimbra e Évora
executaram 1.175 pessoas na fogueira, queimaram a efígie de 633 indivíduos e
impuseram castigos a 29.590 pessoas.
Esses
números, no entanto, podem ser subestimados, pois a documentação de 15 dos 689
autos de fé registrados foi perdida. Além disso, muitas vítimas morreram nas
prisões inquisitoriais devido a doenças, maus-tratos ou condições precárias,
com detenções que podiam se prolongar por meses ou anos sem julgamento formal.
A
Inquisição não se limitava à repressão religiosa; ela também exerceu controle
social, político e cultural, censurando livros, regulando costumes e reforçando
a hegemonia do catolicismo.
O
confisco de bens dos condenados enriquecia a Coroa e os tribunais, enquanto o
medo de denúncias anônimas criava um clima de desconfiança generalizada na
sociedade portuguesa.
Declínio e Legado
O auge
da Inquisição Portuguesa ocorreu nos séculos XVI e XVII, mas no século XVIII,
sob o reinado de D. José I e a influência do Marquês de Pombal, a instituição
começou a perder força.
Pombal,
defensor das ideias iluministas, limitou o poder da Inquisição, abolindo
práticas como a distinção entre cristãos-velhos e cristãos-novos em 1773.
A
Inquisição foi oficialmente extinta em Portugal em 1821, em meio às revoluções
liberais que transformaram o país. O impacto da Inquisição deixou marcas
profundas na sociedade portuguesa e em suas colônias.
Além da
violência física, ela contribuiu para a marginalização de comunidades, a
destruição de identidades culturais e a perpetuação de preconceitos contra
minorias.
Em 22
de outubro de 2016, a Câmara Municipal de Évora inaugurou um monumento em
homenagem às milhares de vítimas da Inquisição Portuguesa, um gesto simbólico
de reconhecimento das injustiças cometidas.
Contexto Adicional
A
Inquisição Portuguesa deve ser entendida no contexto mais amplo da Europa
moderna, marcada por conflitos religiosos e pela consolidação do poder estatal.
A
pressão da Espanha, a necessidade de uniformizar a fé católica e a busca por
controle político foram fatores cruciais para sua implementação. No entanto, a
Inquisição também gerou tensões internas, com resistências de comunidades
locais e críticas de setores mais progressistas, especialmente no século XVIII.
Além
disso, a Inquisição teve um impacto econômico significativo. O confisco de bens
dos cristãos-novos, que muitas vezes pertenciam à elite mercantil, enfraqueceu
setores econômicos importantes em Portugal e nas colônias.
Em Goa,
por exemplo, a repressão às comunidades locais prejudicou o comércio e as
relações com populações nativas, dificultando a administração colonial.
Conclusão
A
Inquisição Portuguesa foi uma instituição complexa, que transcendeu a esfera
religiosa para se tornar um instrumento de controle social, político e
cultural. Seu impacto reverberou por séculos, moldando a sociedade portuguesa e
suas colônias.
Hoje,
os memoriais e estudos históricos buscam resgatar a memória das vítimas,
promovendo uma reflexão sobre os perigos do fanatismo religioso e da
intolerância.
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