Josef Mengele, conhecido como o "Anjo da
Morte" de Auschwitz, foi um dos criminosos nazistas mais infames da
Segunda Guerra Mundial, responsável por experimentos médicos cruéis e desumanos
em prisioneiros, especialmente gêmeos, no campo de concentração.
Após a guerra, Mengele conseguiu escapar da captura e
viveu foragido por décadas, alimentando especulações e avistamentos em várias
partes do mundo.
Simon Wiesenthal, renomado caçador de nazistas,
relatou pistas que situavam Mengele em diferentes locais ao longo dos anos: na
ilha grega de Citnos em 1960, no Cairo em 1961, na Espanha em 1971 e no
Paraguai em 1978, quase duas décadas após sua fuga da Europa.
Apesar de sua morte em 1979, Wiesenthal insistiu até
1985 que Mengele ainda estava vivo, demonstrando a dificuldade em rastrear o
paradeiro do criminoso.
Em 1982, Wiesenthal ofereceu uma recompensa de 100 mil
dólares por informações que levassem à captura de Mengele, intensificando a
pressão internacional.
O interesse global pelo caso ganhou novo fôlego em
fevereiro de 1985, quando um julgamento simbólico foi realizado em Jerusalém.
Mais de cem sobreviventes dos experimentos de Mengele prestaram depoimentos
emocionantes, detalhando as atrocidades cometidas.
Esse evento reacendeu a urgência de localizá-lo,
levando os governos da Alemanha Ocidental, Israel e Estados Unidos a formarem
uma força-tarefa coordenada para determinar seu destino.
Recompensas adicionais foram oferecidas por Israel,
Alemanha Ocidental, o jornal The Washington Times e o Centro Simon Wiesenthal,
refletindo a determinação global em capturar o fugitivo.
A pista decisiva veio em 31 de maio de 1985, quando a
polícia alemã invadiu a residência de Hans Sedlmeier, amigo próximo de Mengele
e gerente de vendas da empresa familiar em Günzburg, na Alemanha.
Na casa, as autoridades encontraram um livro de
endereços codificado e cópias de cartas trocadas entre Sedlmeier e Mengele.
Entre os documentos, havia uma carta crucial de Wolfram e Liselotte Bossert, um
casal que abrigou Mengele no Brasil, notificando Sedlmeier sobre a morte do
nazista.
As autoridades alemãs alertaram imediatamente a
polícia de São Paulo, que interrogou os Bosserts. Sob pressão, o casal revelou
a localização do túmulo de Mengele, em um cemitério em Embu das Artes, nos arredores
de São Paulo.
Em 6 de junho de 1985, os restos mortais foram
exumados. Um extenso exame forense, conduzido por especialistas brasileiros e
internacionais, incluiu análises dentárias, ósseas e de registros médicos.
Os resultados indicaram, com alto grau de certeza, que
o corpo pertencia a Josef Mengele. Em 10 de junho, Rolf Mengele, filho do
criminoso, emitiu uma declaração pública confirmando que o corpo era de seu
pai.
Ele revelou que a morte de Mengele, ocorrida em 7 de
fevereiro de 1979, por afogamento em uma praia em Bertioga, São Paulo, foi
mantida em segredo para proteger aqueles que o ajudaram a permanecer foragido
por tantos anos.
Em 1992, testes de DNA, realizados com amostras
fornecidas por Rolf, confirmaram definitivamente a identidade de Mengele,
encerrando décadas de especulação. Apesar da identificação, a família de
Mengele recusou repetidos pedidos das autoridades brasileiras para repatriar os
restos mortais para a Alemanha.
Os ossos permanecem armazenados no Instituto Médico
Legal (IML) do estado de São Paulo, onde são utilizados como material didático
em cursos de medicina forense na Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (USP). Essa decisão gerou debates éticos sobre o uso de restos mortais de
um criminoso de guerra para fins educacionais.
Contexto e Impacto dos Acontecimentos
A busca por Mengele reflete o esforço global para
trazer justiça aos responsáveis pelos horrores do Holocausto. Sua fuga
bem-sucedida para a América do Sul, onde viveu sob identidades falsas, foi
facilitada por redes de apoio que incluíam simpatizantes nazistas e até membros
de sua própria família.
Durante sua estada no Brasil, Mengele viveu
discretamente, mas com relativa liberdade, alternando períodos em fazendas
isoladas na região de São Paulo e contatos esporádicos com pessoas de
confiança, como os Bosserts.
A descoberta de seu paradeiro, mesmo após sua morte,
expôs as falhas nos esforços internacionais de captura de criminosos nazistas,
bem como a complexidade das redes que os protegiam.
O caso também destacou a resiliência dos sobreviventes
do Holocausto, cujos depoimentos no julgamento simbólico de 1985 foram
fundamentais para manter viva a memória das atrocidades.
Esses testemunhos, aliados à pressão de organizações
como o Centro Simon Wiesenthal, reforçaram a importância de nunca esquecer os
crimes do nazismo, especialmente em um contexto de negacionismo crescente, como
apontado pelo rabino Marvin Hier.
Legado Cultural de Josef Mengele
A figura de Mengele transcendeu a história para se
tornar um símbolo do mal absoluto na cultura popular. Sua vida inspirou o
romance e o filme Os Meninos do Brasil (1978), onde um Mengele fictício,
interpretado por Gregory Peck, planeja criar clones de Adolf Hitler em uma
clínica no Brasil.
A obra, embora ficcional, capturou a imaginação do
público e reforçou a percepção de Mengele como um vilão arquetípico. Em 2007, o
Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos recebeu o Álbum Höcker, uma
coleção de fotografias dos funcionários de Auschwitz, tiradas pelo comandante
da SS Karl-Friedrich Höcker.
Oito dessas imagens mostram Mengele em momentos de
lazer, contrastando de forma perturbadora com os horrores que ele perpetrou.
Essas fotos oferecem um vislumbre raro da vida cotidiana dos oficiais nazistas,
humanizando-os de maneira desconfortável e levantando questões sobre a banalidade
do mal.
Em 2010, um diário de 180 páginas escrito por Mengele
foi leiloado pela Alexander Autographs por uma quantia não revelada a um
comprador identificado apenas como neto de um sobrevivente do Holocausto.
O proprietário anterior, que adquiriu o diário no
Brasil, era supostamente próximo à família de Mengele. A venda gerou
controvérsia, com organizações de sobreviventes do Holocausto, como o Centro
Simon Wiesenthal, denunciando-a como um "ato cínico de exploração"
para lucrar com os escritos de um dos maiores criminosos nazistas.
No entanto, o rabino Marvin Hier viu valor na
aquisição por mãos judaicas, destacando sua relevância em um momento de aumento
do antissemitismo e negacionismo do Holocausto.
Em 2011, mais 31 volumes dos diários de Mengele foram
vendidos pela mesma casa de leilões por 245 mil dólares a um colecionador
anônimo de memorabilia da Segunda Guerra Mundial, novamente em meio a
protestos.
Esses diários oferecem insights perturbadores sobre a
mente de Mengele, mas sua comercialização continua a gerar debates éticos sobre
a exploração da memória do Holocausto.
A estadia de Mengele na América do Sul também inspirou
o filme argentino O Doutor Alemão (2013), dirigido por Lucía Puenzo e estrelado
por Àlex Brendemühl.
A obra retrata Mengele vivendo na Patagônia,
explorando a tensão psicológica de sua vida dupla como fugitivo e médico
aparentemente respeitável. O filme combina fatos históricos com elementos
ficcionais, destacando o impacto duradouro de sua presença na região.
Conclusão
A exumação de Josef Mengele em 1985 marcou o fim de
uma das caçadas mais longas e complexas da história pós-guerra. O caso revelou
não apenas a persistência de Mengele em escapar da justiça, mas também a
determinação de sobreviventes, ativistas e governos em buscar a verdade.
Seu legado, porém, permanece controverso, oscilando
entre a necessidade de lembrar as atrocidades do Holocausto e os debates éticos
sobre a preservação e uso de seus restos e escritos.
A figura de Mengele continua a inspirar reflexões sobre
a natureza do mal, a memória histórica e a luta por justiça.
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