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sábado, novembro 08, 2025

Serra Pelada 45 Anos Depois


 

A imagem acima focalizam o trecho da Serra de Carajás, no sul do Pará, que ganhou fama mundial como "Serra Pelada" na década de 1980 e sua aparência hodierna, transformada em um imenso lago artificial contaminado. (Imagem abaixo)

A Serra dos Carajás é um acidente geográfico de grande relevância mineral, concentrando uma das maiores reservas de minério de ferro do planeta, além de ouro, manganês e outros metais preciosos. Localizada na região sudeste do Pará, próxima a Marabá, essa formação montanhosa faz parte do escudo cristalino da Amazônia e atraiu atenção global a partir do final dos anos 1970.

Tudo começou em dezembro de 1979, quando o agricultor Genésio Ferreira da Silva, morador local, encontrou uma pepita de ouro de cerca de 6 quilos enquanto cavava um riacho próximo à sua propriedade, no igarapé Bahia. Ao escavar mais profundamente, ele e seus filhos descobriram pepitas ainda maiores, algumas chegando a pesar até 10 quilos.

A notícia se espalhou rapidamente como um "boca a boca" irresistível, impulsionada pela crise econômica do Brasil na época - com inflação galopante e desemprego em alta -, atraindo milhares de aventureiros, principalmente do Norte e Nordeste, em busca de riqueza rápida.

Em poucas semanas, o local virou um formigueiro humano. Pepitas de 1 kg, 5 kg e até 10 kg eram extraídas manualmente, sem qualquer equipamento moderno.

A escavação era completamente desordenada: garimpeiros independentes, sem regulamentação ou organização central, removiam a vegetação nativa e cavavam barrancos improvisados com pás, picaretas e cordas.

Em março de 1980, os próprios trabalhadores dividiram a serra em lotes iguais, chamados de "barrancos", e, ao desmatar toda a cobertura vegetal, revelaram a rocha nua - daí o nome "Serra Pelada".

O garimpo era ilegal, mas o fluxo incessante de pessoas - estimado em até 5 mil garimpeiros nos primeiros meses - tornava impossível qualquer repressão efetiva pelo governo federal.

Moradores de todo o Brasil, inclusive do Rio Grande do Sul e de São Paulo, investiam suas economias em passagens de ônibus ou aviões para tentar a sorte. Em julho de 1980, a população local já ultrapassava 30 mil pessoas, vivendo em barracos de lona e madeira em condições precárias.

Diante do caos, o governo de João Figueiredo interveio. Em março de 1980, a Docegeo - subsidiária da Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale S.A.) - foi designada para administrar o garimpo, comprando e vendendo o ouro extraído, o que trouxe alguma formalidade.

No mesmo ano, o major Sebastião Rodrigues de Moura, conhecido como Major Curió (veterano da Guerrilha do Araguaia), foi nomeado interventor federal. Ele organizou o local como uma "república garimpeira", fundando a cidade de Curionópolis em 1981 para abrigar os trabalhadores.

A nova município ganhou uma paróquia católica, um hospital improvisado, agência dos Correios e até uma pista de pouso, mas faltavam infraestrutura básica: não havia energia elétrica regular, saneamento ou água potável.

Os barrancos foram padronizados em lotes de 2x3 metros, distribuídos por sorteio, e Curió impôs regras rígidas, como proibição de armas e divisão equitativa.

O auge veio entre 1983 e 1985, quando Serra Pelada abrigava cerca de 100 mil pessoas - equivalente a uma cidade média brasileira na época. Fotografias icônicas de Sebastião Salgado capturaram o cenário apocalíptico: milhares de homens subindo e descendo escadas precárias como formigas, carregando sacos de terra sob chuva torrencial.

No entanto, o ouro superficial se esgotava rapidamente. Conflitos armados eclodiram: disputas por lotes, invasões de barrancos alheios e rebeliões contra a administração.

Em 1984, uma greve geral paralisou o garimpo por semanas, exigindo melhores condições. O governo respondeu com presença militar, mas a violência resultou em dezenas de mortes.

A elevação original de cerca de 150 metros de altura foi transformada em uma cratera gigantesca de 200 metros de profundidade e 1,5 km de diâmetro. A partir de 1990, o lençol freático foi atingido, inundando o fundo com água ácida e dificultando a extração manual.

O garimpo foi oficialmente encerrado em 1992 pela Vale, que assumiu a mineração industrial. Ao todo, entre 1980 e 1992, cerca de 115 mil garimpeiros extraíram aproximadamente 100 toneladas de ouro - valor estimado em bilhões de dólares atuais -, mas a maioria saiu de mãos vazias, endividada com atravessadores.

A população de Curionópolis despencou de 100 mil para cerca de 20 mil habitantes em poucos anos, marcando um êxodo em massa. Muitos retornaram às origens na miséria; outros se estabeleceram na região, dependendo de agricultura de subsistência ou garimpo clandestino.

Hoje, 45 anos após o boom, o antigo garimpo é um lago tóxico de 100 metros de profundidade, contaminado por mercúrio - usado no processo de amálgama para separar o ouro da terra.

Estudos da Fiocruz e do Ministério da Saúde revelam altos níveis de mercúrio no solo, água e peixes, causando problemas neurológicos, renais e tremores em ex-garimpeiros e moradores.

Apesar da proibição, o garimpo ilegal persiste em áreas periféricas, impulsionado pela alta do ouro no mercado internacional e pela pobreza local. Em 2008, a Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp) foi criada para explorar reservas remanescentes de forma legal, mas disputas judiciais com a Vale travam o progresso.

Curionópolis, com cerca de 18 mil habitantes (IBGE 2022), sobrevive de pecuária, agricultura familiar e remanescentes do minério. O lago, agora um símbolo de ambição desmedida, atrai turistas e documentaristas, mas serve de alerta ambiental: a contaminação afeta comunidades indígenas próximas, como os Xikrin, e o ecossistema da Floresta Amazônica.

Serra Pelada representa o lado sombrio do "eldorado brasileiro": um frenesi que enriqueceu poucos, destruiu o meio ambiente e deixou legados de saúde pública.

Suas cicatrizes visíveis nas imagens contrastam com a memória de um Brasil em transformação, onde sonhos de riqueza rápida colidiram com a realidade da exploração descontrolada.


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