A famosa máxima - “ter um
filho, plantar uma árvore e escrever um livro” - é frequentemente citada como a
síntese das três tarefas essenciais para uma vida plena.
Tradicionalmente atribuída
ao poeta, jornalista e herói nacional cubano José Martí (1853-1895), essa frase
transcendeu seu tempo e contexto, tornando-se um ideal de realização humana.
Martí, em suas reflexões
sobre a imortalidade, via nesses três atos uma forma de o homem perpetuar sua
passagem pela Terra: deixar um descendente que continue o sangue, plantar uma
árvore que mantenha viva a natureza e escrever um livro que preserve suas
ideias.
A tríade de Martí reflete,
portanto, a perpetuação da vida, da natureza e do espírito humano. No entanto,
sua beleza simbólica pode ocultar uma armadilha moral: não basta cumprir
gestos, é preciso compreender seu significado ético.
De que adianta plantar uma
árvore e depois destruir uma floresta inteira?
De que adianta ter um filho se ele crescer para se tornar um tirano, um novo
Hitler, Stalin, Putin, Maduro, Saddam Hussein, Fidel Castro ou Lula - homens
que, cada um a seu modo, manipularam massas e esmagaram liberdades?
E do que adianta escrever
um livro se suas ideias envenenarem gerações, como as de Marx, cuja obra
inspirou regimes totalitários que ceifaram mais de cem milhões de vidas no
século XX, segundo historiadores como Stéphane Courtois em O Livro Negro do
Comunismo?
Essas críticas não negam a
máxima de Martí, mas a qualificam. O verdadeiro legado humano não está na quantidade
de atos, e sim na qualidade ética de suas consequências.
Muitos “plantadores de
árvores” ajudaram a desmatar o planeta; filhos de revolucionários tornaram-se
ditadores; livros que prometeram libertar o homem acabaram por acorrentá-lo a
novas formas de servidão.
Assim, a lição de Martí
deve ser vista não como um simples checklist da virtude, mas como um chamado à
responsabilidade moral: perpetuar a vida boa, cultivar a natureza justa e
semear ideias que elevem - não que corrompam - a humanidade.
Narrativa: As Três Sombras de Martí
Havana, 1895.
O sol latejava sobre os
telhados coloniais quando José Martí, em seus últimos dias de vida, ditava
reflexões a um jovem discípulo. “Um homem verdadeiro”, murmurava com voz
cansada, “deve ter um filho para que o sangue não se perca; plantar uma árvore,
para que a terra continue a respirar; e escrever um livro, para que as ideias
sobrevivam à carne.”
Martí não falava de glória, mas de dever. O legado, para ele, era a resistência
contra o esquecimento - uma arma moral contra a morte.
Décadas mais tarde, num
bairro modesto nos arredores de São Paulo, Eduardo, neto de imigrantes
europeus, relia aquelas palavras em um volume amarelado.
Aos cinquenta anos,
acreditava ter cumprido a tríade: Tinha um filho, Pedro, oficial do Exército e
homem de ambição. Plantara dezenas de árvores em seu quintal, ipês e
jabuticabeiras que floresciam a cada primavera.
E escrevera um livro - Raízes
da Revolução -, inspirado nas ideias socialistas que aprendera na
juventude, defendendo um ideal de justiça e igualdade.
Mas o tempo revelou que sua
obra, longe de libertar, gerava correntes.
Pedro, o filho amado, tornara-se o braço de ferro de um regime autoritário. Sob
o discurso de igualdade, censurava, perseguia e mandava destruir florestas
inteiras para o “progresso nacional”.
As árvores que o pai
plantara tornaram-se, aos olhos de Eduardo, símbolos de contradição:
testemunhas silenciosas de um legado que se voltava contra a própria natureza.
E o livro?
Circulava agora nas mãos de
jovens radicais que o usavam como justificativa para o ódio. Eduardo,
amargurado, via sua obra alimentar o mesmo tipo de autoritarismo que ele
acreditara combater.
“Do que adianta escrever
palavras se elas viram veneno?”, perguntava-se nas longas noites de insônia,
sonhando com prisões, campos de reeducação e florestas queimadas.
Hitler deixara herdeiros
ideológicos; Stalin, desertos de gelo e medo; Saddam, ruínas fumegantes. Mesmo
líderes eleitos - como Lula, em sua visão crítica - perpetuavam o ciclo de
promessas e desilusões.
Eduardo percebia: o legado
humano é um espelho - e nem sempre reflete luz. Um dia, incapaz de suportar o
peso de suas criações, queimou o manuscrito do próprio livro.
As cinzas misturaram-se à
terra sob suas árvores, e ali plantou uma nova muda - uma espécie nativa
resistente ao fogo, símbolo de renascimento.
Em seguida, escreveu uma carta para o neto que nunca conhecera:
“Meu menino, a tríade de
Martí não é um selo de virtude, mas uma prova de consciência. Um filho que
oprime não perpetua a vida, mas a destrói.
Uma árvore plantada em solo corrompido é só ilusão verde. Um livro que semeia
ódio é veneno eterno. Reflita antes de agir, para que seu legado cure - e não
fira.”
Anos depois, o neto de
Eduardo - um jovem biólogo - encontrou as anotações do avô e transformou o
quintal em viveiro. Dali nasceram sementes que reflorestaram áreas devastadas.
A carta tornou-se um
manifesto anônimo, espalhado pela internet, citado em universidades e
movimentos ecológicos. Chamavam-na “A Quarta Máxima de Martí”:
“Refletir antes de agir,
para que o legado cure, não fira.”
Na eternidade de Havana, o
espírito de Martí sorria em silêncio. Suas palavras haviam cruzado séculos e
continentes - mas agora, purificadas pela dor de outros homens, revelavam sua
verdade mais profunda:
Não basta viver, gerar, plantar ou escrever. É preciso saber o que se deixa florescer - e o que se deixa morrer.









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