Não sei ao certo em que
momento o silêncio tomou conta de nós. Talvez tenha sido em alguma manhã comum,
enquanto o café esfriava na mesa e os olhos se desviavam, buscando refúgios
invisíveis.
O amor, que antes pulsava
nos gestos pequenos, agora parecia um eco distante de algo que fomos - ou
sonhamos ser.
Ela - a pessoa que
compartilhou comigo tantas estações - mudou. Ou talvez tenha sido eu quem mudou
primeiro, esperando constância onde só havia movimento. Passávamos um pelo
outro como se habitássemos cidades distintas, ainda que sob o mesmo teto.
Havia uma frieza, sim.
Mas não aquela dos vilões das histórias. Era a frieza de quem tenta sobreviver à
afetos que já não aquecem, de quem endurece os gestos para não ferir mais - nem
se deixar ferir. E eu, no meu orgulho e apego, confundi isso com abandono.
No início, tentei
entender. Cada silêncio, cada palavra não dita, parecia esconder significados
que eu me esforçava para decifrar. Perguntei-me se havia feito algo errado, se
havia falhado em ser abrigo, presença, ternura.
Mas percebi que a vida é
feita também de distâncias involuntárias, e nem sempre o que se rompe tem
culpados.
Ela não me devia
constância. Ninguém deve. O que antes foi afeto sincero, talvez tenha apenas
seguido seu curso natural - como um rio que muda a rota com o tempo, sem
violência, apenas porque é da natureza da água buscar outros caminhos.
Ainda assim, doía. Doía à
ausência nos olhos dela, a falta de resposta nos toques, a maneira como as
palavras dela, antes cheias de música, tornaram-se pausadas, econômicas. Era
como se ela estivesse partindo aos poucos, em silêncio - e eu ficava para trás,
tentando segurar o que já não me cabia.
Houve noites em que me
peguei olhando para o teto, buscando respostas nas sombras. Perguntava-me se o
amor tinha prazo, se a ternura poderia morrer de cansaço. E me assustava a
possibilidade de que sim - de que o que nos une possa, um dia, simplesmente
cessar.
Não à odiei. Nem poderia.
O que senti foi algo mais confuso: um misto de tristeza e admiração, uma espécie
de luto por tudo que fomos. Havia força nela, uma firmeza que eu não
compreendia, e que às vezes me feria - não por maldade, mas porque me lembrava
da minha própria fragilidade.
Aos poucos, fui
compreendendo que o amor não é posse. Que insistir em prender alguém que já
partiu por dentro é também uma forma de violência. E que, se há algo de digno
na dor, é aprender a deixá-la seguir.
Naquela manhã, quando ela
enfim partiu - levando apenas o essencial e deixando um perfume leve no ar - eu
não disse nada. Observei a porta se fechar com suavidade, como se ela soubesse
que já havia se despedido muito antes, em gestos imperceptíveis.
Sentei-me no sofá vazio.
O silêncio era agora completo, mas, estranhamente, já não parecia hostil. Era o
silêncio de algo que se conclui, que chega ao fim sem alarde. E eu, pela
primeira vez, não lutei contra ele.
Não há heroísmo no
sofrimento. Há, talvez, aprendizado. Ela foi uma presença marcante, e disso não
duvido. Trouxe luz, trouxe sombra - e, sobretudo, espelhos. Através dela, vi o
melhor e o pior de mim mesmo. E por isso, apesar da dor, sou grato.
Agora, sigo. Com as cicatrizes que me lembram do que vivi, mas também com a leveza de quem aprendeu que amar não é reter. É permitir. Permitir que o outro exista, mude, parta - e que, mesmo assim, algo de verdadeiro permaneça em nós.
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