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sábado, julho 05, 2025

As Correntes Invisíveis


 

Os motivos que nos conduzem à escravidão - seja ela física, mental ou social - são complexos, profundos e, muitas vezes, difíceis de nomear. Há quem diga, com ares de sabedoria antiga, que alguns nascem para obedecer enquanto outros nascem para comandar.

Nunca consegui aceitar essa ideia. Ela não apenas reduz a vastidão da experiência humana a um binarismo simplista, como também serve para justificar desigualdades históricas e sociais que, na verdade, são fruto de sistemas cuidadosamente mantidos e escolhas repetidamente validadas ao longo do tempo.

Nascemos livres, ou ao menos deveríamos nascer assim. A liberdade deveria ser o ponto de partida e a meta constante. Viver com autonomia de pensamento, com dignidade, sem correntes visíveis ou invisíveis que nos submetam - eis o ideal. Contudo, a realidade é bem diferente.

O que vemos, com frequência, são vidas guiadas por forças externas: líderes autoritários, sistemas econômicos excludentes, dogmas religiosos inquestionáveis, imposições culturais e até os próprios medos que carregamos em silêncio.

Já escrevi antes sobre a dependência do ser humano em relação aos mandatários, aos governantes e figuras de autoridade - aqueles que elegemos ou permitimos que assumam o controle sobre nossos destinos.

Infelizmente, nem sempre fui compreendido. Como é possível confiar o futuro de uma nação, de uma comunidade ou mesmo de uma família a pessoas movidas, não raramente, por interesses pessoais, sede de poder ou vaidade? A história está repleta de respostas sombrias a essa pergunta.

Escolhas coletivas nos levaram a lugares que jamais imaginaríamos habitar. Guerras devastadoras, genocídios, miséria, fome, escravidão moderna, destruição ambiental e desigualdade extrema são, em grande medida, frutos da ganância e da crueldade humanas.

No século XX, assistimos às atrocidades de duas guerras mundiais, aos campos de extermínio nazistas, aos horrores de Hiroshima e Nagasaki, ao regime soviético de Stalin, às ditaduras militares da América Latina.

No século XXI, vemos a repetição de padrões: conflitos no Oriente Médio, perseguições étnicas como as enfrentadas pelos rohingyas em Mianmar, populações inteiras vivendo à margem na África subsaariana, e milhões de refugiados forçados a deixar suas casas por causa de guerras, fome ou mudanças climáticas.

A sede de domínio não conhece descanso. O ego humano, muitas vezes inflado por ideologias ou por interesses econômicos, parece incapaz de reconhecer limites.

A ambição desmedida leva indivíduos e nações a sacrificar o bem comum em nome do lucro, do poder, da glória. Vemos isso nas grandes corporações que exploram trabalhadores em condições análogas à escravidão, nos governos que manipulam eleições, nas igrejas que enriquecem em nome da fé, nos donos de terras que destroem florestas em busca de lucro imediato, ignorando o futuro do planeta.

E, apesar de tudo isso, seguimos nos perguntando: por que insistimos em repetir os mesmos erros? Talvez porque fomos ensinados a admirar os vencedores, os poderosos, os que acumulam e mandam.

Aprendemos, desde cedo, a associar sucesso com riqueza, autoridade com superioridade, obediência com virtude. Poucos são os que ousam questionar essas premissas.

E quando alguém o faz, quando alguém age com integridade, quando recusa submeter-se a sistemas injustos, é frequentemente isolado, ridicularizado ou combatido. A honestidade, que deveria ser o alicerce das relações humanas, tornou-se uma raridade quase exótica, tratada como um feito extraordinário.

Ser honesto em tempos de cinismo é um ato revolucionário. Em uma sociedade moldada pela mentira, pelo marketing vazio, pelas meias-verdades políticas, pela cultura da aparência e do consumo, manter-se fiel à própria consciência é um desafio diário.

Ainda assim, é somente por meio dessa resistência silenciosa, dessa coragem discreta, que a mudança verdadeira pode emergir. A contradição entre o ideal de liberdade e a realidade de opressão reflete uma luta íntima e coletiva que atravessa gerações.

Desejamos justiça, igualdade, dignidade - mas muitas vezes alimentamos, mesmo sem perceber, os mecanismos que sustentam o oposto. A escravidão moderna está nos porões das fábricas de roupas, nos aplicativos de entrega que exploram o trabalhador sem garantias, na mídia que manipula o discurso, nos algoritmos que nos empurram para bolhas ideológicas e nos afastam da empatia.

Não basta, portanto, apontar culpados. É preciso olhar para dentro. Que valores alimentamos? Que líderes escolhemos? Que tipo de mundo ajudamos a construir no dia a dia com nossos atos, nossos silêncios e nossas omissões?

A mudança começa na esfera íntima, mas precisa alargar-se em gestos públicos, em posturas firmes, em solidariedade real. A verdadeira liberdade não se conquista com armas ou slogans, mas com consciência crítica, integridade e coragem.

Ela começa quando reconhecemos que o poder de transformar o mundo - ainda que aos poucos - está em nossas mãos. Basta não nos rendermos à indiferença.



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