Os motivos que nos conduzem à escravidão - seja ela
física, mental ou social - são complexos, profundos e, muitas vezes, difíceis
de nomear. Há quem diga, com ares de sabedoria antiga, que alguns nascem para
obedecer enquanto outros nascem para comandar.
Nunca consegui aceitar essa ideia. Ela não apenas
reduz a vastidão da experiência humana a um binarismo simplista, como também
serve para justificar desigualdades históricas e sociais que, na verdade, são
fruto de sistemas cuidadosamente mantidos e escolhas repetidamente validadas ao
longo do tempo.
Nascemos livres, ou ao menos deveríamos nascer assim.
A liberdade deveria ser o ponto de partida e a meta constante. Viver com
autonomia de pensamento, com dignidade, sem correntes visíveis ou invisíveis
que nos submetam - eis o ideal. Contudo, a realidade é bem diferente.
O que vemos, com frequência, são vidas guiadas por
forças externas: líderes autoritários, sistemas econômicos excludentes, dogmas
religiosos inquestionáveis, imposições culturais e até os próprios medos que
carregamos em silêncio.
Já escrevi antes sobre a dependência do ser humano em
relação aos mandatários, aos governantes e figuras de autoridade - aqueles que
elegemos ou permitimos que assumam o controle sobre nossos destinos.
Infelizmente, nem sempre fui compreendido. Como é
possível confiar o futuro de uma nação, de uma comunidade ou mesmo de uma
família a pessoas movidas, não raramente, por interesses pessoais, sede de
poder ou vaidade? A história está repleta de respostas sombrias a essa
pergunta.
Escolhas coletivas nos levaram a lugares que jamais
imaginaríamos habitar. Guerras devastadoras, genocídios, miséria, fome,
escravidão moderna, destruição ambiental e desigualdade extrema são, em grande
medida, frutos da ganância e da crueldade humanas.
No século XX, assistimos às atrocidades de duas
guerras mundiais, aos campos de extermínio nazistas, aos horrores de Hiroshima
e Nagasaki, ao regime soviético de Stalin, às ditaduras militares da América
Latina.
No século XXI, vemos a repetição de padrões: conflitos
no Oriente Médio, perseguições étnicas como as enfrentadas pelos rohingyas em
Mianmar, populações inteiras vivendo à margem na África subsaariana, e milhões
de refugiados forçados a deixar suas casas por causa de guerras, fome ou
mudanças climáticas.
A sede de domínio não conhece descanso. O ego humano,
muitas vezes inflado por ideologias ou por interesses econômicos, parece
incapaz de reconhecer limites.
A ambição desmedida leva indivíduos e nações a
sacrificar o bem comum em nome do lucro, do poder, da glória. Vemos isso nas
grandes corporações que exploram trabalhadores em condições análogas à
escravidão, nos governos que manipulam eleições, nas igrejas que enriquecem em
nome da fé, nos donos de terras que destroem florestas em busca de lucro
imediato, ignorando o futuro do planeta.
E, apesar de tudo isso, seguimos nos perguntando: por
que insistimos em repetir os mesmos erros? Talvez porque fomos ensinados a
admirar os vencedores, os poderosos, os que acumulam e mandam.
Aprendemos, desde cedo, a associar sucesso com riqueza,
autoridade com superioridade, obediência com virtude. Poucos são os que ousam
questionar essas premissas.
E quando alguém o faz, quando alguém age com
integridade, quando recusa submeter-se a sistemas injustos, é frequentemente
isolado, ridicularizado ou combatido. A honestidade, que deveria ser o alicerce
das relações humanas, tornou-se uma raridade quase exótica, tratada como um
feito extraordinário.
Ser honesto em tempos de cinismo é um ato
revolucionário. Em uma sociedade moldada pela mentira, pelo marketing vazio,
pelas meias-verdades políticas, pela cultura da aparência e do consumo,
manter-se fiel à própria consciência é um desafio diário.
Ainda assim, é somente por meio dessa resistência
silenciosa, dessa coragem discreta, que a mudança verdadeira pode emergir. A
contradição entre o ideal de liberdade e a realidade de opressão reflete uma
luta íntima e coletiva que atravessa gerações.
Desejamos justiça, igualdade, dignidade - mas muitas
vezes alimentamos, mesmo sem perceber, os mecanismos que sustentam o oposto. A
escravidão moderna está nos porões das fábricas de roupas, nos aplicativos de
entrega que exploram o trabalhador sem garantias, na mídia que manipula o
discurso, nos algoritmos que nos empurram para bolhas ideológicas e nos afastam
da empatia.
Não basta, portanto, apontar culpados. É preciso olhar
para dentro. Que valores alimentamos? Que líderes escolhemos? Que tipo de mundo
ajudamos a construir no dia a dia com nossos atos, nossos silêncios e nossas
omissões?
A mudança começa na esfera íntima, mas precisa
alargar-se em gestos públicos, em posturas firmes, em solidariedade real. A
verdadeira liberdade não se conquista com armas ou slogans, mas com consciência
crítica, integridade e coragem.
Ela começa quando reconhecemos que o poder de transformar
o mundo - ainda que aos poucos - está em nossas mãos. Basta não nos rendermos à
indiferença.
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