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quinta-feira, julho 17, 2025

Algum dia...


 

Há pouco mais de 200 anos, a ideia de abolir a escravatura humana era considerada não apenas absurda, mas perigosa. Em 1807, quando o Reino Unido aprovou o Ato de Abolição do Comércio de Escravos, a medida foi recebida com resistência feroz por setores econômicos que dependiam do trabalho forçado.

No Brasil, a escravidão sustentava a economia colonial, com cerca de 3,5 milhões de africanos escravizados trazidos à força entre os séculos XVI e XIX, segundo estimativas históricas.

A Lei Áurea, assinada em 1888, foi um marco tardio, mas não resolveu as desigualdades: os libertos foram abandonados sem terra, educação ou meios de subsistência, perpetuando um ciclo de marginalização que ainda hoje se reflete em índices como os de pobreza e violência contra a população negra.

Defender a abolição na época era ser rotulado como idealista ingênuo ou subversivo, mas a pressão de movimentos abolicionistas, como os liderados por figuras como Zumbi dos Palmares e, mais tarde, Joaquim Nabuco, provou que a justiça pode superar até as estruturas mais enraizadas.

Há 150 anos, a sugestão de que mulheres deveriam ter direito ao voto era motivo de chacota. No século XIX, as mulheres eram vistas como incapazes de participar da esfera pública, confinadas a papéis domésticos por normas patriarcais.

O movimento sufragista, que ganhou força com eventos como a Convenção de Seneca Falls (1848) nos Estados Unidos, enfrentou repressão violenta. No Reino Unido, sufragistas como Emmeline Pankhurst foram presas, fizeram greves de fome e sofreram alimentação forçada.

A conquista do voto feminino veio gradualmente: Nova Zelândia em 1893, Reino Unido em 1918 (parcialmente) e Brasil em 1932. Mesmo assim, a igualdade de gênero permanece um desafio.

Segundo o Fórum Econômico Mundial, em 2023, a paridade global de gênero ainda não foi alcançada, com mulheres ocupando apenas 26% dos assentos parlamentares no mundo.

O que antes era risível hoje é inquestionável, mas a luta por equidade plena continua. Há 75 anos, a ideia de que pessoas negras deveriam ter direitos iguais perante a lei enfrentava oposição feroz.

Nos Estados Unidos, a segregação racial era legalizada pelo sistema "Jim Crow", que mantinha negros em escolas, transporte e espaços públicos separados, sob a doutrina cínica de "separados, mas iguais".

O movimento pelos direitos civis, com líderes como Rosa Parks, Martin Luther King Jr. e Malcolm X, enfrentou violência brutal, incluindo assassinatos e repressão policial.

A Lei dos Direitos Civis de 1964 e a Lei do Direito ao Voto de 1965 foram conquistas históricas, mas o racismo sistêmico persiste. No Brasil, onde 56% da população se identifica como negra ou parda (IBGE, 2022), a desigualdade racial é evidente: negros têm renda média 50% menor que a de brancos e são 2,7 vezes mais propensos a serem vítimas de homicídio.

O que era impensável há décadas agora é um princípio básico de justiça, mas a prática ainda está longe do ideal. Hoje, propor o fim da escravidão animal é recebido com risos ou desconforto. A indústria global abate cerca de 70 bilhões de animais terrestres por ano para consumo humano, segundo a FAO, sem contar os bilhões de peixes e outros seres marinhos.

Apesar de estudos científicos, como os da Universidade de Cambridge, confirmarem que mamíferos, aves e até cefalópodes possuem senciência e capacidade de sofrer, a exploração animal é normalizada.

Movimentos como o veganismo, que cresceu 300% na última década em países como os EUA, e organizações como PETA e Mercy for Animals desafiam essa norma, mas enfrentam resistência de indústrias poderosas e hábitos culturais arraigados.

A ideia de que animais merecem consideração moral é vista como radical, assim como outrora foi a abolição da escravatura humana. No entanto, avanços como a proibição de testes em animais para cosméticos na União Europeia (2013) e o reconhecimento legal de animais como seres sencientes em países como a Nova Zelândia mostram que a mudança, embora lenta, está em curso.

Da mesma forma, questionar a necessidade de governos ou de qualquer forma de tirania coercitiva é tido como uma fantasia utópica. A história, porém, está repleta de exemplos de sistemas opressivos que pareciam inabaláveis, mas caíram.

O feudalismo, que estruturou a Europa por séculos, ruiu com revoluções como a Francesa de 1789. Regimes totalitários do século XX, como o nazismo e o stalinismo, colapsaram sob o peso de suas contradições.

Hoje, a concentração de poder em Estados e corporações é criticada por movimentos libertários e anarquistas, que defendem sistemas baseados em cooperação voluntária e descentralização.

A tecnologia, como blockchain e redes descentralizadas, já permite vislumbrar alternativas à governança tradicional. Por exemplo, iniciativas como cooperativas autogeridas e comunidades intencionais mostram que é possível organizar sociedades sem coerção centralizada.

Ainda assim, a ideia de abolir o governo é recebida com ceticismo, como se a humanidade fosse incapaz de se auto-organizar sem hierarquias impostas. Algum dia, o riso cessará. Cada avanço na história da humanidade - da abolição da escravatura ao sufrágio universal, dos direitos civis à proteção ambiental - começou como uma ideia ridicularizada.

O progresso moral não é linear nem fácil; ele exige confronto com verdades incômodas e a coragem de desafiar normas arraigadas. As gerações futuras olharão para trás e se perguntarão como toleramos a exploração de seres sencientes e a coerção institucionalizada.

Talvez questionem por que demoramos tanto para reconhecer que a liberdade e a compaixão não devem ser limitadas por espécie, raça, gênero ou qualquer outra barreira arbitrária.

A história nos ensina que o impossível de hoje pode ser o óbvio de amanhã. Algum dia, a justiça prevalecerá, não por ser fácil, mas por ser inevitável.

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