Há
pouco mais de 200 anos, a ideia de abolir a escravatura humana era considerada
não apenas absurda, mas perigosa. Em 1807, quando o Reino Unido aprovou o Ato
de Abolição do Comércio de Escravos, a medida foi recebida com resistência
feroz por setores econômicos que dependiam do trabalho forçado.
No
Brasil, a escravidão sustentava a economia colonial, com cerca de 3,5 milhões
de africanos escravizados trazidos à força entre os séculos XVI e XIX, segundo
estimativas históricas.
A Lei
Áurea, assinada em 1888, foi um marco tardio, mas não resolveu as
desigualdades: os libertos foram abandonados sem terra, educação ou meios de
subsistência, perpetuando um ciclo de marginalização que ainda hoje se reflete
em índices como os de pobreza e violência contra a população negra.
Defender
a abolição na época era ser rotulado como idealista ingênuo ou subversivo, mas
a pressão de movimentos abolicionistas, como os liderados por figuras como
Zumbi dos Palmares e, mais tarde, Joaquim Nabuco, provou que a justiça pode
superar até as estruturas mais enraizadas.
Há 150
anos, a sugestão de que mulheres deveriam ter direito ao voto era motivo de
chacota. No século XIX, as mulheres eram vistas como incapazes de participar da
esfera pública, confinadas a papéis domésticos por normas patriarcais.
O
movimento sufragista, que ganhou força com eventos como a Convenção de Seneca
Falls (1848) nos Estados Unidos, enfrentou repressão violenta. No Reino Unido,
sufragistas como Emmeline Pankhurst foram presas, fizeram greves de fome e
sofreram alimentação forçada.
A
conquista do voto feminino veio gradualmente: Nova Zelândia em 1893, Reino
Unido em 1918 (parcialmente) e Brasil em 1932. Mesmo assim, a igualdade de
gênero permanece um desafio.
Segundo
o Fórum Econômico Mundial, em 2023, a paridade global de gênero ainda não foi
alcançada, com mulheres ocupando apenas 26% dos assentos parlamentares no
mundo.
O que
antes era risível hoje é inquestionável, mas a luta por equidade plena
continua. Há 75 anos, a ideia de que pessoas negras deveriam ter direitos
iguais perante a lei enfrentava oposição feroz.
Nos
Estados Unidos, a segregação racial era legalizada pelo sistema "Jim
Crow", que mantinha negros em escolas, transporte e espaços públicos
separados, sob a doutrina cínica de "separados, mas iguais".
O
movimento pelos direitos civis, com líderes como Rosa Parks, Martin Luther King
Jr. e Malcolm X, enfrentou violência brutal, incluindo assassinatos e repressão
policial.
A Lei
dos Direitos Civis de 1964 e a Lei do Direito ao Voto de 1965 foram conquistas
históricas, mas o racismo sistêmico persiste. No Brasil, onde 56% da população
se identifica como negra ou parda (IBGE, 2022), a desigualdade racial é
evidente: negros têm renda média 50% menor que a de brancos e são 2,7 vezes
mais propensos a serem vítimas de homicídio.
O que
era impensável há décadas agora é um princípio básico de justiça, mas a prática
ainda está longe do ideal. Hoje, propor o fim da escravidão animal é recebido
com risos ou desconforto. A indústria global abate cerca de 70 bilhões de
animais terrestres por ano para consumo humano, segundo a FAO, sem contar os
bilhões de peixes e outros seres marinhos.
Apesar
de estudos científicos, como os da Universidade de Cambridge, confirmarem que
mamíferos, aves e até cefalópodes possuem senciência e capacidade de sofrer, a
exploração animal é normalizada.
Movimentos
como o veganismo, que cresceu 300% na última década em países como os EUA, e
organizações como PETA e Mercy for Animals desafiam essa norma, mas enfrentam
resistência de indústrias poderosas e hábitos culturais arraigados.
A ideia
de que animais merecem consideração moral é vista como radical, assim como
outrora foi a abolição da escravatura humana. No entanto, avanços como a
proibição de testes em animais para cosméticos na União Europeia (2013) e o
reconhecimento legal de animais como seres sencientes em países como a Nova
Zelândia mostram que a mudança, embora lenta, está em curso.
Da
mesma forma, questionar a necessidade de governos ou de qualquer forma de
tirania coercitiva é tido como uma fantasia utópica. A história, porém, está
repleta de exemplos de sistemas opressivos que pareciam inabaláveis, mas
caíram.
O
feudalismo, que estruturou a Europa por séculos, ruiu com revoluções como a
Francesa de 1789. Regimes totalitários do século XX, como o nazismo e o
stalinismo, colapsaram sob o peso de suas contradições.
Hoje, a
concentração de poder em Estados e corporações é criticada por movimentos
libertários e anarquistas, que defendem sistemas baseados em cooperação
voluntária e descentralização.
A
tecnologia, como blockchain e redes descentralizadas, já permite vislumbrar
alternativas à governança tradicional. Por exemplo, iniciativas como
cooperativas autogeridas e comunidades intencionais mostram que é possível
organizar sociedades sem coerção centralizada.
Ainda
assim, a ideia de abolir o governo é recebida com ceticismo, como se a
humanidade fosse incapaz de se auto-organizar sem hierarquias impostas. Algum
dia, o riso cessará. Cada avanço na história da humanidade - da abolição da escravatura
ao sufrágio universal, dos direitos civis à proteção ambiental - começou como
uma ideia ridicularizada.
O
progresso moral não é linear nem fácil; ele exige confronto com verdades
incômodas e a coragem de desafiar normas arraigadas. As gerações futuras
olharão para trás e se perguntarão como toleramos a exploração de seres
sencientes e a coerção institucionalizada.
Talvez
questionem por que demoramos tanto para reconhecer que a liberdade e a
compaixão não devem ser limitadas por espécie, raça, gênero ou qualquer outra
barreira arbitrária.
A história nos ensina que o impossível de hoje pode ser o óbvio de amanhã. Algum dia, a justiça prevalecerá, não por ser fácil, mas por ser inevitável.
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