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sábado, março 01, 2025

A Toga


Olhando o sol diretamente, não verão figuras tracejadas sobre a terra. Os viajantes sem destino, não terão à ajuda do vento no seu curso. Que lei nos poderá juntar quando quebradas seu jugo, que não seja à porta de uma prisão?

Quais leis temerão se bailarem sem claudicar em nenhuma cadeia de ferro criada pela mão do homem? Não haverá jamais, alguém que possa nos acusar em juízo sem nunca ter também cometido um erro sequer! Difícil! Impossível! Entretanto é assim que funciona.

A toga lhes dá poder de julgo sobre os erros alheios, e benevolência a si e aos seus!

Essa uma crítica profunda e poética sobre a justiça humana, suas contradições e a fragilidade de quem a administra. A imagem inicial, de alguém que encara o sol e perde a capacidade de enxergar os detalhes sutis da terra, sugere uma cegueira voluntária - talvez a daqueles que, investidos de autoridade, preferem a luz crua do poder à complexidade das sombras da realidade.

Os "viajantes sem destino", privados do vento que os guiaria, parecem simbolizar as almas à deriva, desamparadas por um sistema que, em teoria, deveria orientá-las, mas que muitas vezes as abandona à sua própria sorte.

A pergunta central - "Que lei nos poderá juntar quando quebradas seu jugo, que não seja à porta de uma prisão?" - evoca a ideia de que a lei, em vez de unir, frequentemente separa, confina e pune.

Há uma ironia implícita: o jugo da lei, ao ser rompido, não liberta, mas conduz a novos grilhões, como se a liberdade plena fosse uma ilusão inalcançável. E aqueles que dançam livres, sem temer as cadeias forjadas pelo homem, desafiam essa ordem, mas também expõem sua fragilidade.

Quem os julgará? Quem ousará erguer a mão para condenar, se todos, sem exceção, carregam suas próprias falhas? Aqui reside o cerne da crítica: a toga, símbolo ancestral da justiça, transforma-se em um manto de hipocrisia.

Ela confere a quem a veste não apenas a autoridade para julgar, mas também uma conveniente indulgência para consigo mesmo e com os seus pares. É um poder assimétrico, que aponta o dedo para os erros alheios enquanto encobre os próprios.

O texto acerta ao dizer que é "difícil, impossível" encontrar um julgador imaculado, mas vai além: ele denuncia que, mesmo sendo impossível, o sistema opera exatamente assim, sustentado por essa contradição.

Gostaria de acrescentar que a toga, além de um símbolo de poder, é também um fardo. Quem a usa carrega o peso de decidir destinos, de interpretar leis que nem sempre refletem a justiça verdadeira, mas apenas a vontade de uma época ou de uma elite.

E, no entanto, esse fardo raramente é acompanhado de humildade. Talvez o sol que cega os juízes seja o brilho de sua própria vaidade, enquanto as figuras tracejadas - os contornos das histórias, das dores e das circunstâncias dos julgados - permanecem ignoradas.

Assim, a justiça humana, tal como descrita, não é cega por imparcialidade, mas por conveniência.

O texto, em sua essência, nos convida a questionar: se todos erramos, quem tem o direito de erguer a balança? E se a toga encobre mais do que revela, como podemos confiar na mão que a sustenta?

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