Numa
rua movimentada do centro da cidade, sob o sol escaldante do meio-dia, um
guarda municipal avista um carro estacionado bem embaixo de uma placa de
"Proibido Estacionar".
O
motorista, um homem de meia-idade com óculos escuros e um ar de quem está acima
das regras, parece nem se importar com a infração. O guarda, já acostumado a lidar
com espertinhos, se aproxima com aquele tom de autoridade misturado com
cansaço:
- Ô,
meu amigo, tira o carro daí! Não tá vendo a placa de "Proibido
Estacionar"?
O
motorista, sem nem tirar os olhos do celular, responde com um sorrisinho de
canto de boca:
- Tô
vendo, sim.
- E
então? - insiste o guarda, já começando a perder a paciência.
- E
então? Então, vai tomar banho, seu guarda! - retruca o homem, com um tom de
deboche que faz o sangue do policial ferver.
Sem
pensar duas vezes, o guarda puxa as algemas do cinto, imobiliza o motorista com
um movimento rápido e, ignorando os protestos do homem, o arrasta até a
viatura.
"Engraçadinho,
né? Vamos ver quem ri por último", murmura o guarda enquanto liga a sirene
e segue direto para a delegacia.
Chegando
lá, o guarda entra na sala do delegado, um sujeito de bigode farto e olhar de
quem já viu de tudo, e despeja a história com um misto de indignação e orgulho:
-
Doutor, olha só o que esse cara fez! Mandei tirar o carro de um lugar proibido,
e o sujeito me manda tomar banho! Pode isso?
O
delegado, recostado na cadeira, dá uma risada irônica e encara o motorista
algemado, que mantém uma expressão de desafio mesmo estando em uma situação
nada favorável.
- É
mesmo? - diz o delegado, com aquele tom que mistura sarcasmo e ameaça.
- E eu,
ô engraçadinho? O que você vai mandar eu fazer?
O
motorista, que aparentemente não sabe a hora de parar, solta com um sorriso
debochado:
- Você?
Você eu mando tomar no c...!
O ar da
delegacia parece congelar. O delegado, vermelho de raiva, se levanta da cadeira
com um soco na mesa que faz os papéis voarem. Sem dizer uma palavra, ele dá um
tapa na cara do sujeito, que cambaleia com o impacto.
- Leva
esse filho da puta pros fundos e põe no pau-de-arara! - berra o delegado, já
sem paciência.
O
guarda, obediente, arrasta o homem para uma salinha nos fundos da delegacia, um
lugar úmido e mal iluminado que parece saído de um filme policial dos anos 80.
Ele
começa a preparar o "procedimento", pendurando o sujeito de
ponta-cabeça, quando, de repente, a carteira do homem escorrega do bolso e cai
aberta no chão.
O
guarda olha para o documento e sente o coração parar: "JUIZ FEDERAL”. Com
o rosto pálido, ele corre de volta à sala do delegado, quase tropeçando no
caminho:
-
Doutor! Doutor! O cara... o cara é JUIZ FEDERAL!
O
delegado, que estava tomando um gole de café, engasga e derrama o líquido na
camisa.
- JUIZ
FEDERAL? Puta que pariu! E agora? O que a gente faz?
O
guarda, ainda atordoado, tenta pensar rápido, mas só consegue gaguejar:
-
Bom... eu... eu vou tomar meu banho...
O
delegado, em pânico, começa a gritar ordens desencontradas:
- Tira
ele daí! Tira agora! E limpa essa merda de sala! Traz um café, um copo d’água,
sei lá, faz alguma coisa pra esse cara não abrir um processo contra a gente!
Enquanto
o guarda corre para desfazer o estrago, o juiz, agora solto, se levanta
calmamente, ajeita o paletó e lança um olhar que mistura superioridade e
ameaça.
Sem
dizer uma palavra, ele pega sua carteira do chão, guarda no bolso e sai da
delegacia como se nada tivesse acontecido. O delegado e o guarda, suando frio,
trocam olhares e percebem que acabaram de escapar por pouco de um problemão.
Reflexão
sobre o caso
Essa
história, embora carregada de humor e ironia, escancara uma realidade que
muitos conhecem: a lei, teoricamente, deveria ser igual para todos, mas na
prática, o peso da carteira (ou do cargo) muitas vezes faz toda a diferença.
O
motorista, que se revelou juiz federal, provavelmente sabia que sua posição o
protegeria de consequências mais graves, o que explica sua atitude arrogante
desde o início.
O
desespero do delegado e do guarda ao descobrirem quem ele era mostra como o
sistema, muitas vezes, opera com dois pesos e duas medidas. Casos assim não são
raros.
No
Brasil, é comum ouvir histórias de autoridades que escapam de punições por
infrações de trânsito, pequenos crimes ou até situações mais graves,
simplesmente por causa de sua influência ou cargo.
Dados
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que, entre 2018 e 2023, menos de
5% das denúncias contra magistrados por abuso de poder resultaram em punições
efetivas.
Isso
levanta a questão: até que ponto o status social ou profissional garante
imunidade? Por outro lado, o episódio também reflete a tensão entre a polícia e
a sociedade.
O guarda, ao agir impulsivamente, e o delegado, ao recorrer à violência, mostram como o abuso de autoridade pode vir de ambos os lados. A história, com seu tom tragicômico, nos faz rir, mas também nos deixa um gosto amargo: será que a lei é mesmo cega, ou ela enxerga muito bem quem está na sua frente?
0 Comentários:
Postar um comentário