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sábado, setembro 13, 2025

Quem tem fé levanta a mão... ou não?

 

Decisões judiciais são sempre um terreno escorregadio, onde lógica, emoção e, às vezes, o absurdo se encontram. Em Aquiraz, cidade colada em Fortaleza, no Ceará, uma história inusitada ganhou os holofotes e dividiu opiniões: um embate entre um cabaré e uma igreja neopentecostal que terminou em chamas, literalmente.

Tudo começou quando T. B., dona de um conhecido cabaré na região, decidiu expandir seu negócio. O estabelecimento, que já era ponto de referência na noite aquirazense, ia ganhar um anexo moderno, com direito a palco para shows e um bar mais sofisticado.

A obra, segundo os boatos locais, prometia aquecer ainda mais a vida noturna da cidade. Mas nem todos receberam a notícia com entusiasmo. A poucos metros do cabaré, a Igreja da Graça Renovada, uma congregação neopentecostal fervorosa, viu na construção uma afronta aos seus valores.

Liderados pelo pastor E. Silva, os fiéis iniciaram uma cruzada espiritual contra o empreendimento. Durante semanas, a igreja organizou vigílias, cultos e maratonas de oração, pedindo uma “intervenção divina” para impedir a inauguração do anexo.

Faixas com dizeres como “Aquiraz é do Senhor” apareceram nas ruas, e o pastor, em seus sermões, não poupava críticas ao “antro do pecado” que, segundo ele, ameaçava a moral da comunidade.

Eis que, uma semana antes da tão aguardada inauguração, um raio caiu sobre o cabaré em uma noite de tempestade. O fogo se alastrou rapidamente, destruindo o anexo e parte da estrutura original.

Não houve feridos, mas o prejuízo foi estimado em centenas de milhares de reais. Para T. B., a culpa era óbvia: as orações da igreja tinham invocado a ira divina.

Furiosa, ela entrou com um processo contra a Igreja da Graça Renovada e o pastor E. Silva, acusando-os de serem responsáveis pelo incêndio devido às suas preces insistentes por uma “intervenção celestial”.

Na audiência inicial do processo, o juiz, conhecido por sua paciência e senso de humor peculiar, não pôde conter uma observação que viralizou nas redes sociais:

“Pelo que li até agora, temos de um lado a proprietária de um prostíbulo que acredita piamente no poder das orações, ao ponto de culpar a igreja por um raio, e do outro, uma igreja inteira que jura de pés juntos que suas orações não têm efeito algum. Francamente, é a primeira vez que vejo uma disputa onde a dona do cabaré tem mais fé que o pastor!”

A defesa da igreja foi categórica: não havia prova alguma de que as orações causaram o raio. “O fenômeno foi um evento natural, previsto pela meteorologia. Atribuir isso às nossas orações é um absurdo”, argumentou o advogado da congregação.

Já o advogado de T. B. insistiu que a campanha da igreja incitou um ambiente de hostilidade e que o pastor, ao liderar as preces, deveria assumir responsabilidade pelo desfecho, fosse ele divino ou não.

O caso ganhou proporções épicas em Aquiraz. Nas redes sociais, memes pipocavam: de um lado, imagens de T. B. com halo de santa, segurando um crucifixo; do outro, montagens do pastor E. Silva com um raio na mão, como um Zeus evangélico.

A imprensa local cobriu cada detalhe, e até programas de TV nacionais começaram a discutir o “duelo de fé” no Ceará. Enquanto isso, a comunidade se dividiu: alguns apoiavam T. B., defendendo seu direito de tocar o negócio sem interferências; outros viam na igreja a voz da moralidade, ainda que muitos fiéis se sentissem desconfortáveis com a negação do poder de suas próprias orações.

Para complicar, surgiram novos elementos no processo. Testemunhas afirmaram que, dias antes do incêndio, jovens ligados à igreja foram vistos rondando o terreno do cabaré, o que levantou suspeitas de vandalismo.

A polícia, no entanto, não encontrou evidências de crime, e a perícia confirmou que o incêndio foi mesmo causado pelo raio. Mesmo assim, T. B. manteve a acusação, alegando que, se não foi intervenção divina, a igreja poderia ter “ajudado o destino” de alguma forma.

No fim, o caso expôs uma ironia deliciosa: a dona do cabaré, que muitos julgariam como “pecadora”, demonstrou uma fé inabalável no poder da oração, enquanto a igreja, guardiã da espiritualidade, preferiu se esconder atrás da ciência para evitar a culpa.

Excepcionalmente, nesse caso, fico do lado da igreja - não por concordar com suas preces ou sua cruzada moralista, mas porque culpar orações por um raio é abrir uma caixa de Pandora jurídica que nem o mais sábio dos juízes saberia fechar. 

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