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domingo, agosto 10, 2025

Sociedade de Vidro


 

A Era da Pele Fina: Entre a Empatia e a Censura Velada

Vivemos um período curioso da história: nunca se falou tanto em liberdade, mas nunca se andou tão cauteloso para falar. A crescente fragilidade emocional que marca o nosso tempo transformou a comunicação num terreno minado, onde cada palavra pode ser reinterpretada como uma agressão.

É como se tivéssemos construído uma sociedade de vidro - bela na superfície, mas quebradiça diante de qualquer choque.

A verdade, esse bem essencial para a vida em comunidade, passou a ser frequentemente sacrificada em nome de uma “harmonia” artificial. Uma harmonia que, na prática, é mais silêncio constrangido do que convivência saudável.

A linguagem tornou-se refém de filtros, não apenas gramaticais, mas ideológicos. E, nesse cenário, dizer algo que contrarie a sensibilidade predominante pode ser visto não como um convite ao diálogo, mas como um ato de hostilidade.

Não é um fenômeno isolado. A história mostra que sociedades em momentos de instabilidade - sejam eles econômicos, políticos ou culturais - tendem a se apegar a normas de conduta mais rígidas.

No entanto, a diferença atual é que o “tribunal moral” não se reúne em praças públicas, mas nas timelines das redes sociais. Plataformas como X, Instagram ou TikTok transformaram-se em arenas onde a opinião se torna espetáculo e o julgamento, instantâneo.

Movimentos legítimos de combate à injustiça social - que conquistaram avanços reais para minorias e grupos marginalizados -, paradoxalmente, abriram espaço para um tipo de intolerância revestida de virtude.

A lógica é simples e perigosa: se discordar de mim significa negar minha identidade ou meu valor, então não há espaço para o contraditório. Assim, o debate se esvazia e é substituído por monólogos confirmatórios, onde só ecoa aquilo que já se acredita.

Esse clima ficou ainda mais intenso após a pandemia de COVID-19. O isolamento social, o medo da morte, a insegurança financeira e a avalanche de informações (muitas delas falsas ou distorcidas) minaram a resiliência emocional coletiva.

Estudos da Organização Mundial da Saúde indicam que os casos de ansiedade e depressão dispararam entre 2020 e 2022. Em vez de lidar com ideias desafiadoras, muitos passaram a evitá-las, buscando conforto naquilo que confirma sua visão de mundo - um fenômeno que a psicologia chama de “viés de confirmação”.

O problema é que uma sociedade que teme ser confrontada deixa de se preparar para a realidade. Ao tentar eliminar o desconforto, acabamos eliminando também a capacidade de lidar com adversidades.

O filósofo John Stuart Mill já advertia, no século XIX, que silenciar uma opinião, por mais incômoda que fosse, significava privar a humanidade de um possível pedaço da verdade. Hoje, essa advertência parece mais atual do que nunca.

Não se trata de defender o discurso de ódio, a grosseria gratuita ou a insensibilidade. Trata-se de lembrar que o respeito verdadeiro não significa proteger as pessoas da verdade, mas ensiná-las a enfrentá-la.

A empatia é vital, mas, quando usada como escudo contra qualquer desconforto, pode degenerar em censura velada.

O desafio que temos diante de nós é cultivar uma maturidade social que permita coexistir com ideias divergentes - inclusive aquelas que nos desagradam.

Isso exige resiliência emocional, educação crítica e disposição para o diálogo. Sem isso, corremos o risco de construir um mundo onde ninguém se fere, mas também ninguém cresce.

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