A Era da Pele Fina: Entre a Empatia e a Censura Velada
Vivemos
um período curioso da história: nunca se falou tanto em liberdade, mas nunca se
andou tão cauteloso para falar. A crescente fragilidade emocional que marca o
nosso tempo transformou a comunicação num terreno minado, onde cada palavra
pode ser reinterpretada como uma agressão.
É como se tivéssemos construído uma sociedade de vidro
- bela na superfície, mas quebradiça diante de qualquer choque.
A
verdade, esse bem essencial para a vida em comunidade, passou a ser
frequentemente sacrificada em nome de uma “harmonia” artificial. Uma harmonia
que, na prática, é mais silêncio constrangido do que convivência saudável.
A linguagem tornou-se refém de filtros, não apenas
gramaticais, mas ideológicos. E, nesse cenário, dizer algo que contrarie a
sensibilidade predominante pode ser visto não como um convite ao diálogo, mas
como um ato de hostilidade.
Não é
um fenômeno isolado. A história mostra que sociedades em momentos de
instabilidade - sejam eles econômicos, políticos ou culturais - tendem a se
apegar a normas de conduta mais rígidas.
No entanto, a diferença atual é que o “tribunal moral”
não se reúne em praças públicas, mas nas timelines das redes sociais.
Plataformas como X, Instagram ou TikTok transformaram-se em arenas onde a
opinião se torna espetáculo e o julgamento, instantâneo.
Movimentos
legítimos de combate à injustiça social - que conquistaram avanços reais para
minorias e grupos marginalizados -, paradoxalmente, abriram espaço para um tipo
de intolerância revestida de virtude.
A lógica é simples e perigosa: se discordar de mim
significa negar minha identidade ou meu valor, então não há espaço para o
contraditório. Assim, o debate se esvazia e é substituído por monólogos
confirmatórios, onde só ecoa aquilo que já se acredita.
Esse
clima ficou ainda mais intenso após a pandemia de COVID-19. O isolamento
social, o medo da morte, a insegurança financeira e a avalanche de informações
(muitas delas falsas ou distorcidas) minaram a resiliência emocional coletiva.
Estudos da Organização Mundial da Saúde indicam que os
casos de ansiedade e depressão dispararam entre 2020 e 2022. Em vez de lidar
com ideias desafiadoras, muitos passaram a evitá-las, buscando conforto naquilo
que confirma sua visão de mundo - um fenômeno que a psicologia chama de “viés
de confirmação”.
O
problema é que uma sociedade que teme ser confrontada deixa de se preparar para
a realidade. Ao tentar eliminar o desconforto, acabamos eliminando também a
capacidade de lidar com adversidades.
O filósofo John Stuart Mill já advertia, no século
XIX, que silenciar uma opinião, por mais incômoda que fosse, significava privar
a humanidade de um possível pedaço da verdade. Hoje, essa advertência parece
mais atual do que nunca.
Não se
trata de defender o discurso de ódio, a grosseria gratuita ou a insensibilidade.
Trata-se de lembrar que o respeito verdadeiro não significa proteger as pessoas
da verdade, mas ensiná-las a enfrentá-la.
A empatia é vital, mas, quando usada como escudo
contra qualquer desconforto, pode degenerar em censura velada.
O desafio
que temos diante de nós é cultivar uma maturidade social que permita coexistir
com ideias divergentes - inclusive aquelas que nos desagradam.
Isso exige resiliência emocional, educação crítica e disposição para o diálogo. Sem isso, corremos o risco de construir um mundo onde ninguém se fere, mas também ninguém cresce.
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