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sábado, agosto 16, 2025

Dilermando de Assis matou Euclides da Cunha – Na Tragédia da Piedade


Dilermando de Assis e a Tragédia da Piedade: Uma Vida Marcada por Polêmicas e Conquistas.

Dilermando de Assis foi um general do Exército Brasileiro cuja trajetória é indissociavelmente ligada à infame "Tragédia da Piedade", um episódio que chocou o Brasil no início do século XX.

Envolvido em um escandaloso caso amoroso com Ana Emília Ribeiro, esposa do renomado escritor Euclides da Cunha, Dilermando foi protagonista de um confronto que resultou na morte do autor de Os Sertões e, anos depois, de seu filho, Euclides da Cunha Filho.

Apesar do estigma que carregou por esses eventos, Dilermando teve uma carreira militar e civil notável, destacando-se como engenheiro e administrador público, com contribuições significativas para o desenvolvimento rodoviário e cartográfico de São Paulo.

Início da Vida

Dilermando de Assis nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 18 de janeiro de 1888. Filho de João Cândido de Assis, primeiro-tenente do Exército, e Joaquina Carolina de Assis, ficou órfão ainda jovem, após a morte de seu pai em 1892 e de sua mãe em 1904.

Seu irmão, Dinorah de Assis, foi um conhecido jogador do Botafogo, mas também teve sua vida marcada por tragédias relacionadas ao caso que envolveu Dilermando.

Aos 17 anos, Dilermando ingressou na carreira militar e, em 1905, enquanto chefiava uma missão de reconhecimento na fronteira entre Brasil e Peru, no Alto Purus, conheceu Ana Emília Ribeiro, esposa de Euclides da Cunha.

Ana, então com 33 anos e mãe de três filhos, envolveu-se romanticamente com o jovem cadete, iniciando um relacionamento que duraria anos e desencadearia eventos trágicos.

O Caso Amoroso com Ana Emília

O relacionamento entre Dilermando e Ana começou em 1905, em um contexto em que Euclides da Cunha, frequentemente ausente devido a compromissos profissionais, deixava Ana sozinha por longos períodos.

A relação evoluiu rapidamente: Ana conseguiu um quarto para Dilermando na Pensão Monat, no Rio de Janeiro, e, posteriormente, alugaram uma casa na rua Humaitá, onde passaram a conviver intensamente.

Dessa união nasceram dois filhos: Mauro, que faleceu poucos dias após o nascimento em 1906, e Luís, nascido em 1907. Mesmo após ser transferido para Porto Alegre em 1906, Dilermando manteve contato com Ana por correspondência.

Formado pela Escola Militar em 1908, no posto de tenente, ele retornou ao Rio de Janeiro e passou a residir com seu irmão Dinorah no bairro da Piedade, cenário do fatídico confronto que marcaria sua vida.

Carreira Militar e Civil

Dilermando teve uma carreira militar distinta, servindo em diversas cidades do Brasil e sendo promovido até alcançar o posto de general. Durante a Revolta Paulista de 1924, comandou uma força de "provisórios" paranaenses na região de Guaíra, no oeste do Paraná, com o objetivo de conter o avanço das tropas rebeldes paulistas.

Apesar das limitações de sua tropa, improvisada e mal equipada, Dilermando conseguiu retardar a progressão do inimigo, cumprindo um papel estratégico no conflito.

Durante a Segunda Guerra Mundial, comandou por seis meses o 7º Grupo Móvel de Artilharia de Costa (GMAC) em Rio Grande, no Rio Grande do Sul, participando ativamente da defesa da costa brasileira.

Por sua atuação, recebeu o título de ex-combatente. Como engenheiro civil, Dilermando deixou um legado significativo no estado de São Paulo. Na década de 1930, foi responsável pela elaboração do plano rodoviário estadual, um marco no desenvolvimento da infraestrutura de transportes.

Posteriormente, ocupou o cargo de diretor do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e do Instituto Geográfico e Cartográfico de São Paulo, onde também contribuiu para projetos de construção de escolas públicas, demonstrando sua versatilidade e compromisso com o progresso.

A Tragédia da Piedade

A vida de Dilermando mudou irreversivelmente em 15 de agosto de 1909, um domingo, quando ocorreu a chamada Tragédia da Piedade. Euclides da Cunha, ciente do adultério de sua esposa, descobriu que Ana e Dilermando estavam juntos em uma casa na Estrada Real de Santa Cruz, no bairro da Piedade.

Armado, Euclides invadiu o local aos gritos, declarando que estava disposto a "matar ou morrer". No confronto, ele disparou contra Dinorah, irmão de Dilermando, ferindo-o, e atingiu Dilermando com três tiros. Contudo, Dilermando, com treinamento militar, reagiu rapidamente, sacou sua arma e disparou dois tiros contra Euclides, que morreu no local.

Dinorah, apesar de ferido, sobreviveu inicialmente. Atleta do Botafogo e campeão estadual em 1910, ele sofreu sequelas graves, incluindo hemiplegia, que debilitaram sua saúde. Incapaz de lidar com sua condição, Dinorah cometeu suicídio em 1921, aos 32 anos, em mais um desdobramento trágico do caso.

Julgamento e Repercussão

O assassinato de Euclides da Cunha, um dos maiores escritores brasileiros e imortal da Academia Brasileira de Letras, gerou comoção nacional. A imprensa da época retratou Dilermando como o vilão, ignorando as circunstâncias do confronto.

Apesar de o inquérito policial concluir que ele agiu em legítima defesa, a opinião pública permaneceu implacável. O jornalista Orestes Barbosa foi uma das poucas vozes a defendê-lo, denunciando a parcialidade da imprensa.

Em uma entrevista à revista Diretrizes, de Samuel Wainer, Dilermando lamentou não conseguir expor sua versão dos fatos, mesmo que pagasse por isso.

Levado a júri popular, presidido pelo juiz Manuel da Costa Ribeiro, Dilermando foi absolvido por legítima defesa. Contudo, o veredicto não mudou a percepção pública, e ele continuou estigmatizado como o responsável pela morte de um ícone literário.

Nova Tragédia

Em 4 de julho de 1916, Dilermando enfrentou um novo atentado, desta vez perpetrado por Euclides da Cunha Filho, conhecido como "Quidinho", então com 22 anos.

O jovem, movido por um desejo de vingar a morte do pai, disparou contra Dilermando pelas costas em um cartório no Rio de Janeiro. Mesmo ferido, Dilermando reagiu e matou Quidinho.

O incidente reacendeu o escândalo, mas Dilermando foi novamente absolvido por legítima defesa. Apesar disso, sua reputação permaneceu manchada, e as duas mortes marcaram sua biografia de forma indelével.

Casamento e Vida Pessoal

Após sua primeira absolvição, em 5 de maio de 1911, Dilermando casou-se com Ana Emília, viúva de Euclides, em 12 de maio do mesmo ano. O casal fixou residência em Bagé, no Rio Grande do Sul, onde sua casa se tornou um ponto de encontro cultural, frequentado por intelectuais e artistas.

Juntos, tiveram cinco filhos, mas o relacionamento acabou em 1926, quando se separaram. Posteriormente, Dilermando envolveu-se com Maria Antonieta de Araújo Jorge, com quem teve uma filha, Dirce de Assis Cavalcanti, escritora que dedicou parte de sua vida a tentar resgatar a imagem do pai.

Em seu livro O Pai, publicado pela Ateliê Editorial, Dirce oferece uma perspectiva mais humana e contextualizada sobre Dilermando, buscando desconstruir o estigma que o acompanhou.

Maçonaria e Engajamento

Dilermando foi um ativo defensor da Maçonaria tradicional no Brasil, posicionando-se como crítico ferrenho do Grão-Mestre Joaquim Rodrigues Neves, cuja gestão, na década de 1940, provocou uma cisão na instituição.

Em seu livro A Tragédia da Piedade, Dilermando detalha sua visão sobre o episódio, além de narrar aspectos de sua vida e do caso que o tornou famoso. Sua participação na Maçonaria reflete seu compromisso com valores de fraternidade e justiça, apesar das controvérsias que marcaram sua trajetória.

Morte e Legado

Dilermando de Assis faleceu em São Paulo, em 13 de novembro de 1951, aos 63 anos, vítima de um infarto. Sua morte ocorreu apenas seis meses após o falecimento de Ana Emília, que sucumbiu a um câncer.

Inicialmente, seu sepultamento foi negado no Cemitério do Santíssimo Sacramento, em São Paulo, devido ao peso de sua reputação ligada às mortes de Euclides da Cunha e seu filho.

Anos depois, seu corpo foi trasladado para o mesmo cemitério, onde foi sepultado ao lado dos pais e do irmão Dinorah, cujos restos mortais ele havia transferido de Porto Alegre.

Impacto Cultural e Histórico

A Tragédia da Piedade permanece como um dos episódios mais marcantes da história brasileira do início do século XX, não apenas pelo impacto na vida de figuras públicas como Euclides da Cunha, mas também por expor as tensões sociais e morais da época.

O caso revelou a hipocrisia de uma sociedade que, ao mesmo tempo em que condenava Dilermando, fascinava-se pelo escândalo. A imprensa da época, ao demonizá-lo, contribuiu para consolidar uma narrativa unilateral, que ignorava as complexidades do triângulo amoroso e do confronto.

Dilermando, embora estigmatizado, foi mais do que o "vilão" pintado pela mídia. Sua carreira como militar e engenheiro demonstra um homem dedicado ao serviço público, cujas contribuições ao desenvolvimento de São Paulo são inegáveis. O esforço de sua filha Dirce para reabilitar sua imagem reflete a luta por uma visão mais equilibrada de sua história.

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