Dilermando de Assis e a Tragédia da Piedade: Uma Vida Marcada por Polêmicas e Conquistas.
Dilermando
de Assis foi um general do Exército Brasileiro cuja trajetória é
indissociavelmente ligada à infame "Tragédia da Piedade", um episódio
que chocou o Brasil no início do século XX.
Envolvido
em um escandaloso caso amoroso com Ana Emília Ribeiro, esposa do renomado
escritor Euclides da Cunha, Dilermando foi protagonista de um confronto que
resultou na morte do autor de Os Sertões e, anos depois, de seu filho, Euclides
da Cunha Filho.
Apesar
do estigma que carregou por esses eventos, Dilermando teve uma carreira militar
e civil notável, destacando-se como engenheiro e administrador público, com
contribuições significativas para o desenvolvimento rodoviário e cartográfico
de São Paulo.
Início da Vida
Dilermando
de Assis nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 18 de janeiro de 1888.
Filho de João Cândido de Assis, primeiro-tenente do Exército, e Joaquina Carolina
de Assis, ficou órfão ainda jovem, após a morte de seu pai em 1892 e de sua mãe
em 1904.
Seu
irmão, Dinorah de Assis, foi um conhecido jogador do Botafogo, mas também teve
sua vida marcada por tragédias relacionadas ao caso que envolveu Dilermando.
Aos 17
anos, Dilermando ingressou na carreira militar e, em 1905, enquanto chefiava
uma missão de reconhecimento na fronteira entre Brasil e Peru, no Alto Purus,
conheceu Ana Emília Ribeiro, esposa de Euclides da Cunha.
Ana,
então com 33 anos e mãe de três filhos, envolveu-se romanticamente com o jovem
cadete, iniciando um relacionamento que duraria anos e desencadearia eventos
trágicos.
O Caso Amoroso com Ana Emília
O
relacionamento entre Dilermando e Ana começou em 1905, em um contexto em que
Euclides da Cunha, frequentemente ausente devido a compromissos profissionais,
deixava Ana sozinha por longos períodos.
A
relação evoluiu rapidamente: Ana conseguiu um quarto para Dilermando na Pensão
Monat, no Rio de Janeiro, e, posteriormente, alugaram uma casa na rua Humaitá,
onde passaram a conviver intensamente.
Dessa
união nasceram dois filhos: Mauro, que faleceu poucos dias após o nascimento em
1906, e Luís, nascido em 1907. Mesmo após ser transferido para Porto Alegre em
1906, Dilermando manteve contato com Ana por correspondência.
Formado
pela Escola Militar em 1908, no posto de tenente, ele retornou ao Rio de
Janeiro e passou a residir com seu irmão Dinorah no bairro da Piedade, cenário
do fatídico confronto que marcaria sua vida.
Carreira Militar e Civil
Dilermando
teve uma carreira militar distinta, servindo em diversas cidades do Brasil e
sendo promovido até alcançar o posto de general. Durante a Revolta Paulista de
1924, comandou uma força de "provisórios" paranaenses na região de
Guaíra, no oeste do Paraná, com o objetivo de conter o avanço das tropas
rebeldes paulistas.
Apesar
das limitações de sua tropa, improvisada e mal equipada, Dilermando conseguiu
retardar a progressão do inimigo, cumprindo um papel estratégico no conflito.
Durante
a Segunda Guerra Mundial, comandou por seis meses o 7º Grupo Móvel de
Artilharia de Costa (GMAC) em Rio Grande, no Rio Grande do Sul, participando
ativamente da defesa da costa brasileira.
Por sua
atuação, recebeu o título de ex-combatente. Como engenheiro civil, Dilermando
deixou um legado significativo no estado de São Paulo. Na década de 1930, foi
responsável pela elaboração do plano rodoviário estadual, um marco no
desenvolvimento da infraestrutura de transportes.
Posteriormente,
ocupou o cargo de diretor do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e do
Instituto Geográfico e Cartográfico de São Paulo, onde também contribuiu para
projetos de construção de escolas públicas, demonstrando sua versatilidade e
compromisso com o progresso.
A Tragédia da Piedade
A vida
de Dilermando mudou irreversivelmente em 15 de agosto de 1909, um domingo,
quando ocorreu a chamada Tragédia da Piedade. Euclides da Cunha, ciente do
adultério de sua esposa, descobriu que Ana e Dilermando estavam juntos em uma
casa na Estrada Real de Santa Cruz, no bairro da Piedade.
Armado,
Euclides invadiu o local aos gritos, declarando que estava disposto a
"matar ou morrer". No confronto, ele disparou contra Dinorah, irmão
de Dilermando, ferindo-o, e atingiu Dilermando com três tiros. Contudo,
Dilermando, com treinamento militar, reagiu rapidamente, sacou sua arma e
disparou dois tiros contra Euclides, que morreu no local.
Dinorah,
apesar de ferido, sobreviveu inicialmente. Atleta do Botafogo e campeão
estadual em 1910, ele sofreu sequelas graves, incluindo hemiplegia, que
debilitaram sua saúde. Incapaz de lidar com sua condição, Dinorah cometeu
suicídio em 1921, aos 32 anos, em mais um desdobramento trágico do caso.
Julgamento e Repercussão
O
assassinato de Euclides da Cunha, um dos maiores escritores brasileiros e
imortal da Academia Brasileira de Letras, gerou comoção nacional. A imprensa da
época retratou Dilermando como o vilão, ignorando as circunstâncias do
confronto.
Apesar
de o inquérito policial concluir que ele agiu em legítima defesa, a opinião
pública permaneceu implacável. O jornalista Orestes Barbosa foi uma das poucas
vozes a defendê-lo, denunciando a parcialidade da imprensa.
Em uma
entrevista à revista Diretrizes, de Samuel Wainer, Dilermando lamentou não
conseguir expor sua versão dos fatos, mesmo que pagasse por isso.
Levado
a júri popular, presidido pelo juiz Manuel da Costa Ribeiro, Dilermando foi
absolvido por legítima defesa. Contudo, o veredicto não mudou a percepção
pública, e ele continuou estigmatizado como o responsável pela morte de um
ícone literário.
Nova Tragédia
Em 4 de
julho de 1916, Dilermando enfrentou um novo atentado, desta vez perpetrado por
Euclides da Cunha Filho, conhecido como "Quidinho", então com 22
anos.
O
jovem, movido por um desejo de vingar a morte do pai, disparou contra Dilermando
pelas costas em um cartório no Rio de Janeiro. Mesmo ferido, Dilermando reagiu
e matou Quidinho.
O
incidente reacendeu o escândalo, mas Dilermando foi novamente absolvido por
legítima defesa. Apesar disso, sua reputação permaneceu manchada, e as duas mortes
marcaram sua biografia de forma indelével.
Casamento e Vida Pessoal
Após
sua primeira absolvição, em 5 de maio de 1911, Dilermando casou-se com Ana
Emília, viúva de Euclides, em 12 de maio do mesmo ano. O casal fixou residência
em Bagé, no Rio Grande do Sul, onde sua casa se tornou um ponto de encontro
cultural, frequentado por intelectuais e artistas.
Juntos,
tiveram cinco filhos, mas o relacionamento acabou em 1926, quando se separaram.
Posteriormente, Dilermando envolveu-se com Maria Antonieta de Araújo Jorge, com
quem teve uma filha, Dirce de Assis Cavalcanti, escritora que dedicou parte de
sua vida a tentar resgatar a imagem do pai.
Em seu
livro O Pai, publicado pela Ateliê Editorial, Dirce oferece uma perspectiva
mais humana e contextualizada sobre Dilermando, buscando desconstruir o estigma
que o acompanhou.
Maçonaria e Engajamento
Dilermando
foi um ativo defensor da Maçonaria tradicional no Brasil, posicionando-se como
crítico ferrenho do Grão-Mestre Joaquim Rodrigues Neves, cuja gestão, na década
de 1940, provocou uma cisão na instituição.
Em seu
livro A Tragédia da Piedade, Dilermando detalha sua visão sobre o episódio,
além de narrar aspectos de sua vida e do caso que o tornou famoso. Sua
participação na Maçonaria reflete seu compromisso com valores de fraternidade e
justiça, apesar das controvérsias que marcaram sua trajetória.
Morte e Legado
Dilermando
de Assis faleceu em São Paulo, em 13 de novembro de 1951, aos 63 anos, vítima
de um infarto. Sua morte ocorreu apenas seis meses após o falecimento de Ana
Emília, que sucumbiu a um câncer.
Inicialmente,
seu sepultamento foi negado no Cemitério do Santíssimo Sacramento, em São
Paulo, devido ao peso de sua reputação ligada às mortes de Euclides da Cunha e
seu filho.
Anos
depois, seu corpo foi trasladado para o mesmo cemitério, onde foi sepultado ao
lado dos pais e do irmão Dinorah, cujos restos mortais ele havia transferido de
Porto Alegre.
Impacto Cultural e Histórico
A
Tragédia da Piedade permanece como um dos episódios mais marcantes da história
brasileira do início do século XX, não apenas pelo impacto na vida de figuras
públicas como Euclides da Cunha, mas também por expor as tensões sociais e
morais da época.
O caso
revelou a hipocrisia de uma sociedade que, ao mesmo tempo em que condenava
Dilermando, fascinava-se pelo escândalo. A imprensa da época, ao demonizá-lo,
contribuiu para consolidar uma narrativa unilateral, que ignorava as
complexidades do triângulo amoroso e do confronto.
Dilermando,
embora estigmatizado, foi mais do que o "vilão" pintado pela mídia.
Sua carreira como militar e engenheiro demonstra um homem dedicado ao serviço
público, cujas contribuições ao desenvolvimento de São Paulo são inegáveis. O
esforço de sua filha Dirce para reabilitar sua imagem reflete a luta por uma
visão mais equilibrada de sua história.
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