Já
gastamos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos sobrou não basta para
aquecer o frio que se instala entre quatro paredes. Gastamos tudo, exceto o
silêncio - esse silêncio pesado, que agora fala mais alto que qualquer palavra
outrora trocada.
Gastamos
os olhos com o sal das lágrimas, gastamos as mãos de tanto as apertarmos em
busca de um conforto que já não responde. Gastamos o relógio, contando os
minutos em esperas inúteis, e as pedras das esquinas, que testemunharam nossos
passos incertos, também se cansaram de nós.
Meto as
mãos nos bolsos e encontro apenas o vazio. Outrora, tínhamos tanto para
oferecer um ao outro. Era como se o mundo inteiro me pertencesse: quanto mais
eu te dava, mais eu tinha para dar.
Havia
uma abundância que não explicava, uma riqueza que nascia do simples ato de te
amar. Às vezes, tu dizias: “Os teus olhos são peixes verdes.” E eu acreditava.
Acreditava porque, ao teu lado, tudo parecia possível.
O mundo
se transformava, e teus olhos faziam dos meus um aquário de sonhos, onde
nadavam promessas e futuros. Era o tempo dos segredos, quando teu corpo era um
mistério que eu desejava desvendar, quando meus olhos, de fato, brilhavam como
peixes verdes, cheios de vida e cor.
Hoje,
são apenas olhos. Comuns, opacos, como tantos outros. O encanto se desfez, e
com ele a magia que nos unia. As palavras, que antes faziam o coração tremer,
agora são ecos vazios.
Quando
digo “meu amor”, já não há resposta, nem tremor, nem calor. É apenas som,
perdido no ar. E, no entanto, lembro-me de como tudo estremecia antes, quando o
simples murmúrio do teu nome no silêncio do meu coração bastava para incendiar
o mundo.
Cada
palavra era um universo, cada olhar uma promessa. Mas gastamos tudo. O que resta
é um vazio que não pede nada, nem água, nem consolo. O passado, agora, é inútil
como um trapo velho, desbotado pelo tempo.
Já te
disse: as palavras estão gastas. E com elas, parece que nós também nos
gastamos. Adeus.
Reflexão sobre o contexto e os acontecimentos
Este
poema, de Eugénio de Andrade, é um lamento delicado e profundo sobre o
esgotamento de um amor que já foi vibrante. Ele reflete a universalidade da
experiência humana de perder a conexão com alguém que, um dia, foi tudo.
A
metáfora das palavras gastas evoca a erosão do diálogo, do afeto e da
intimidade, um tema que ressoa em muitas relações contemporâneas, onde a
rotina, os mal-entendidos ou o peso do tempo podem transformar o que era mágico
em algo ordinário.
Nos
dias atuais, o poema ganha ainda mais força em um mundo onde as relações muitas
vezes são mediadas por telas e mensagens rápidas, que podem acelerar o desgaste
das palavras.
A
superficialidade das interações digitais, por vezes, substitui a profundidade
dos encontros reais, e o silêncio - como descrito no texto - torna-se não
apenas uma ausência de palavras, mas um abismo entre duas pessoas.
Movimentos culturais recentes, como aqueles
que incentivam a reconexão emocional e a comunicação autêntica, reforçam a
relevância do poema.
Por exemplo,
terapias de casal e campanhas de saúde mental, como as promovidas por
organizações que abordam a importância de expressar sentimentos, ecoam a
necessidade de resgatar as palavras antes que se tornem “gastas”.
Além
disso, o poema toca em uma melancolia que transcende o amor romântico. Ele fala
da finitude das coisas, da efemeridade dos sentimentos e da dificuldade de
manter viva a chama do que um dia foi intenso.
É um convite à reflexão sobre como preservamos o que é valioso em nossas vidas, sejam relações, sonhos ou memórias. O “adeus” final não é apenas uma despedida, mas um reconhecimento doloroso de que, às vezes, o que resta é deixar ir.
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