Durante
a Guerra dos Cem Anos, quando a morte ceifava os campos da França e as aldeias
ardiam em chamas, sem lei, sem ordem, nem conforto, o caos abriu espaço para
algo além dos exércitos em confronto.
Enquanto
ingleses e franceses se digladiavam em batalhas intermináveis, manchando a
terra com sangue e cinzas, uma força mais antiga e selvagem prosperava nas
sombras.
Os
lobos. Com os homens ocupados em suas guerras, as matilhas cresceram,
silenciosas e implacáveis. Primeiro, foram as ovelhas, desaparecendo dos pastos
desprotegidos. Depois, o gado, arrancado dos estábulos precários. E, por fim,
quando a fome dos lobos não conheceu mais limites, as pessoas.
Crianças
que se aventuravam além das paliçadas, viajantes solitários nas estradas
desertas, até mesmo soldados feridos, abandonados nos campos após as batalhas,
tornavam-se presas para as presas afiadas que espreitavam na escuridão.
No Vale
do Loire, as noites se tornaram um reino de terror. Os uivos cortavam o
silêncio como lâminas, ecoando pelas florestas densas e pelas colinas
devastadas.
Ninguém
ousava sair sem uma tocha crepitante ou uma arma em punho. Nas aldeias, os
camponeses reforçavam suas defesas com desespero: trancavam os animais em
celeiros de pedra, barricavam portas e janelas com tábuas, e rezavam para que o
amanhecer chegasse rápido.
Mas,
mesmo atrás das frágeis proteções, eles ouviam. Os uivos. O arranhar de garras
contra a madeira. O silêncio súbito que precedia o ataque. E sabiam que algo -
ou alguma coisa - estava à espreita, esperando o menor descuido.
A
Guerra dos Cem Anos, com suas batalhas brutais como Crécy e Azincourt, não
apenas dizimava exércitos, mas também devastava a estrutura das vilas e campos.
As
colheitas eram queimadas para impedir o avanço inimigo, os aldeões fugiam ou
eram mortos, e as estradas, outrora seguras, tornaram-se território de ninguém.
Nesse vácuo de civilização, os lobos encontraram seu paraíso.
Alimentados
pela abundância de carcaças - humanas e animais - deixadas pelas batalhas, as
matilhas se multiplicavam. Histórias começaram a circular, sussurradas à luz de
fogueiras: lobos que não temiam o fogo, que caçavam em grupos organizados, como
se liderados por uma inteligência quase sobrenatural.
Alguns
camponeses juravam ter visto bestas maiores que o comum, com olhos que
brilhavam como brasas na noite. O medo dos lobos não era apenas físico. Em uma
era onde a religião moldava cada aspecto da vida, muitos viam nas matilhas um
sinal divino - ou demoníaco.
Pregadores
nas igrejas alertavam que os lobos eram um castigo de Deus pela guerra, pela
ganância e pelos pecados dos homens. Outros, mais supersticiosos, falavam de
lobisomens, criaturas meio humanas, meio bestiais, que vagavam pelas florestas,
aproveitando o caos para saciar sua fome.
Essas
histórias, verdadeiras ou não, alimentavam o pavor coletivo, transformando os
lobos em algo maior que animais: eles eram espectros da destruição, sombras da
guerra que engoliam o pouco que restava de esperança.
Nas
regiões mais afetadas, como o Vale do Loire e a Normandia, caçadas foram
organizadas. Nobres e cavaleiros, quando não estavam em batalha, lideravam
grupos armados para rastrear as matilhas.
Mas os
lobos eram astutos. Conheciam as florestas melhor que qualquer homem e
desapareciam como fumaça quando perseguidos. Algumas vilas tentaram pagar
caçadores especializados, conhecidos como loup-garous, para enfrentar as
bestas.
Outras
recorriam a armadilhas, venenos ou oferendas de carne para apaziguar os
predadores. Nada parecia suficiente. Assim, enquanto a Guerra dos Cem Anos
seguia seu curso implacável, os lobos reinavam nas sombras, um lembrete cruel
de que, na ausência da ordem humana, a natureza reclamava seu domínio.
Para os camponeses do Vale do Loire, a verdadeira batalha não era apenas contra os exércitos invasores, mas contra o terror que uivava na escuridão, esperando a próxima vítima.
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