Quando
o cachorro adoeceu, ele soube que era apenas uma questão de tempo. Não havia
sinais claros de recuperação, apenas o olhar cansado e o corpo frágil que já
não respondia como antes.
O homem
observava o amigo de tantos anos, um vira-lata de pelo amarelado e olhos
gentis, que outrora corria pelo quintal atrás de uma bola murcha ou latia para
as sombras da noite.
Agora,
o cão apenas descansava, aninhado em um canto da sala, sobre uma manta velha
que guardava o cheiro dos dias melhores. Ele quis levar o companheiro ao
veterinário, mas a realidade pesava mais que a vontade.
O
dinheiro, que nunca sobrava, mal dava para as contas do mês. Consultas, exames,
remédios - tudo isso era um luxo distante. Ele pensou em pedir ajuda, mas o
orgulho, ou talvez a vergonha, o fez hesitar.
No
fundo, sabia que o tempo do amigo estava se esgotando, e nenhuma clínica
poderia mudar o inevitável. Então, ele decidiu ficar. Não havia muito que
pudesse fazer, mas podia estar lá, inteiramente presente.
Pegou
uma colher da cozinha e, com paciência, dava água ao cão, gota a gota, quando
ele já não conseguia se levantar para beber do pote. Deitou no chão ao lado, o
assoalho frio sob as costas, sentindo o calor fraco que ainda emanava do corpo
do amigo.
Ligou o
rádio bem baixinho, sintonizando a estação de músicas antigas que sempre tocava
nos fins de semana, quando eles dividiam o quintal, o cão correndo em círculos
e ele rindo da energia inesgotável.
Eram
canções simples, de letras que falavam de amor e saudade, que preenchiam o
silêncio da casa humilde. O cão parecia gostar, ou pelo menos era o que ele
imaginava, vendo o rabo balançar levemente em dias melhores.
Agora,
o som era apenas um conforto, um fio de familiaridade em meio à despedida que
se aproximava. Naquela última noite, quando o cão respirava com dificuldade,
ele segurou a pata calejada, sentindo o peso de cada momento compartilhado - as
caminhadas sem destino, as noites em que o cão dormia aos pés da cama, o latido
rouco que anunciava a chegada de alguém.
"Tô
aqui, pode ir", ele murmurou, a voz embargada, mas firme o suficiente para
transmitir paz. O cão virou o focinho, como se quisesse olhar uma última vez, e
então, com um suspiro leve, partiu.
Ele não
chorou logo de imediato. Em vez disso, cobriu o corpo com um lençol limpo,
dobrado com cuidado, como se fosse um ritual. Ao lado, colocou a coleira
vermelha, já desgastada pelo tempo, que o cão usava com orgulho nas poucas
vezes que saíam para passear. Desligou o rádio, e o silêncio que veio depois
parecia pesado, mas necessário.
Não
havia flores, nem caixão, nem palavras bonitas para marcar o momento. A
despedida não precisava disso. Tinha sido feita de presença, de lealdade, de um
amor que não pedia nada além de estar ali.
Nos
dias seguintes, a casa parecia maior, mais vazia. Ele guardou o pote de água,
mas deixou a manta no canto da sala por mais tempo do que precisava. Às vezes,
olhava para o quintal e quase podia ver o cão correndo, a bola murcha entre os
dentes.
Não era
só a perda de um animal; era a ausência de um companheiro que conhecia seus
silêncios, que nunca julgava, que simplesmente existia ao seu lado.
E, no fim, ele percebeu que a presença que ofereceu ao cão naqueles últimos dias não era pouco. Era tudo. Porque, às vezes, o maior gesto de amor é simplesmente estar lá, até o último instante, sem promessas de mudar o destino, mas com a certeza de que nenhum dos dois enfrentou aquele momento sozinho.
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