Os Deuses Devem Estar Loucos - A História de
Nǃxau ǂToma
Nǃxau
ǂToma, também conhecido como N!xau, nasceu em
Tsumkwe, no norte da Namíbia, em 16 de dezembro de 1944. De origem san (bosquímano),
era camponês e caçador antes de se tornar, quase por acaso, uma figura
mundialmente conhecida do cinema.
Nǃxau
ganhou notoriedade internacional ao interpretar Xixo, um bosquímano do deserto
do Kalahari, no filme The Gods Must Be Crazy (1980), lançado no Brasil como Os
Deuses Devem Estar Loucos.
A produção alcançou um impacto global
inesperado, tornando-se um dos filmes estrangeiros mais bem-sucedidos da
história do cinema, com bilheteria superior a 200 milhões de dólares.
O nome de Nǃxau
contém sinais gráficos incomuns para falantes de línguas indo-europeias. O
ponto de exclamação representa um clique consonantal, típico de sua língua
nativa, o !Kung (Juǀʼhoan), em que os sons dentais e palatais têm
função fonética essencial.
A pronúncia de seu nome verdadeiro, Gǃkau, envolve um clique dental vocalizado, o
que explica as inúmeras variações e erros de grafia ao longo de sua carreira.
Após o sucesso do primeiro filme, Nǃxau participou de diversas sequências e produções
derivadas, entre elas: The Gods Must Be Crazy II. Crazy Safari, Crazy Hong Kong
e The Gods Must Be Funny in China
Apesar de sua imagem icônica e da enorme
rentabilidade dos filmes, a trajetória financeira de Nǃxau revela um lado obscuro da indústria
cinematográfica e das relações de poder entre o Norte global e povos
tradicionais africanos.
Segundo o Internet Movie Database (IMDb), Nǃxau recebeu apenas algumas centenas de dólares
por sua atuação no primeiro filme. Há relatos de que o valor pago teria sido
cerca de 300 dólares, uma quantia irrisória diante do sucesso comercial da
obra.
O jornal The Namibian, em seu obituário,
mencionou que, “segundo a lenda”, Nǃxau
teria deixado o dinheiro “ser levado pelo vento”, pois não compreendia
plenamente o conceito monetário nem o valor simbólico do dinheiro dentro da
economia capitalista.
No entanto, com o passar do tempo e após
novas experiências cinematográficas, Nǃxau
passou a compreender melhor os mecanismos de negociação. Na época da primeira
sequência, já possuía maior consciência de seu valor como ator, chegando a
negociar sua participação por mais de meio milhão de rands sul-africanos, o
equivalente a cerca de 80 mil dólares à época. Ainda assim, esse montante
permanecia desproporcional frente aos lucros gerados.
Encerrada sua carreira no cinema, Nǃxau retornou à vida simples em Tsumkwe. Dedicou-se
ao cultivo de milho, banana e feijão, além de criar algumas cabeças de gado,
mantendo-se fiel ao modo de vida tradicional de seu povo.
Nǃxau
faleceu em 5 de julho de 2003, aos 59 anos, vítima de tuberculose
multirresistente, enquanto caçava pintadas. Foi sepultado em 12 de julho de
2003, em uma cerimônia fúnebre semi-tradicional, em Tsumkwe, ao lado de sua
segunda esposa.
De acordo com seu agente, o nome correto do
ator seria G!xau, mas um erro tipográfico durante a produção do filme original
acabou consagrando internacionalmente a forma N!xau, que permaneceu nos
registros oficiais e na mídia.
Exploração e Contradições
A história de Nǃxau
Toma é frequentemente citada como um exemplo emblemático de exploração cultural
e econômica. O ator principal de um filme que arrecadou mais de 200 milhões de
dólares morreu pobre, sem acesso a cuidados de saúde adequados e distante da
riqueza que ajudou a gerar.
Ele foi claramente prejudicado nas
negociações iniciais. Não participou das decisões contratuais e apenas aceitou
o que lhe foi apresentado, sem plena compreensão do alcance comercial de seu
trabalho.
Essa situação reflete uma prática histórica
recorrente: a exploração de povos africanos e indígenas, muitas vezes tratados
como recursos exóticos, e não como sujeitos de direitos.
O próprio enredo de Os Deuses Devem Estar
Loucos simboliza o choque entre dois mundos: o da sociedade moderna e o das
culturas tradicionais. No filme, um grupo de bosquímanos vive em harmonia no
deserto até que sua rotina é interrompida pela queda de uma garrafa de
Coca-Cola lançada de um avião - um objeto estranho que desencadeia conflito,
disputa e desordem. Ironicamente, essa metáfora se concretizou na vida real do
protagonista.
Nǃxau
morreu pobre não apenas porque foi explorado, mas porque lhe foram negadas as
ferramentas necessárias para compreender plenamente o sistema que lucrava com
sua imagem e talento.
Sua história ecoa a de muitos africanos ao
longo dos séculos: explorados como escravizados, utilizados como cobaias,
marginalizados economicamente e culturalmente silenciados.
Mesmo em um filme que se valeu da
autenticidade, carisma e presença de um homem simples - que desempenhou seu
papel com perfeição - o reconhecimento justo não veio. Nǃxau Toma tornou-se um símbolo involuntário
das desigualdades globais e da persistente exploração dos povos originários,
cuja contribuição ao mundo muitas vezes é celebrada, mas raramente recompensada
com justiça.

























