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segunda-feira, outubro 13, 2025

“A Janela do Trem” - Polônia, 1943


 

Em um vagão de gado fétido e superlotado, o ar era pesado, saturado de medo, suor e desespero. O trem, com suas tábuas mal encaixadas, rangia enquanto cruzava a paisagem desolada da Polônia ocupada pelos nazistas, em 1943.

Para onde ia, ninguém sabia ao certo, mas os rumores sobre campos de extermínio ecoavam como uma sentença de morte. Dentro daquele vagão, uma jovem mãe, com o rosto marcado pela exaustão e os olhos fundos de quem já havia perdido quase tudo, segurava seu bebê contra o peito.

A criança, uma menina de poucos meses, era a última chama de esperança em seu coração despedaçado. A mãe sabia que o tempo estava acabando. As histórias de Treblinka, Auschwitz e Sobibor chegavam como sussurros aterrorizantes entre os prisioneiros.

Ela não podia salvar a si mesma, mas talvez pudesse salvar sua filha. Com um esforço que parecia arrancar o último fragmento de sua alma, ela ergueu a menina até a pequena janela gradeada do vagão, uma fresta mínima por onde a luz pálida do dia se infiltrava.

Do lado de fora, na plataforma de uma estação qualquer, um homem desconhecido observava. Ele não era um soldado, não era um oficial. Era apenas um polonês comum, talvez um ferroviário, talvez um camponês, cujos olhos encontraram os da mãe por um instante fugaz.

Sem palavras, sem tempo para hesitações, ela passou a criança pelas grades. As mãos trêmulas do homem a receberam, e ele a escondeu rapidamente sob seu casaco puído, no momento exato em que o apito do trem anunciou a partida.

O vagão começou a se mover, levando a mãe para um destino que ela sabia ser quase certamente a morte. Seus olhos, fixos na silhueta do estranho que desaparecia na plataforma, carregavam uma mistura de agonia e esperança.

Ela nunca saberia se sua filha sobreviveria, mas naquele ato final, ela a lançou à vida com o último fôlego que lhe restava. O homem, cujo nome nunca foi registrado pela história, levou a menina para sua casa humilde em um vilarejo nos arredores.

Ele e sua esposa, que não tinham filhos, acolheram a criança como se fosse sua, dando-lhe um nome novo e uma vida que, embora marcada pela pobreza e pelo medo da guerra, era protegida pelo amor.

Eles nunca falaram sobre a origem da menina, temendo que a verdade pudesse colocá-la em perigo. A Polônia ocupada era um lugar de delações, e qualquer conexão com judeus deportados poderia custar a vida de todos.

Os anos passaram, e a guerra terminou, deixando cicatrizes profundas no mundo. A menina cresceu forte, com cabelos castanhos cacheados e olhos que, sem que ela soubesse, lembravam os de sua mãe biológica. Ela se tornou uma mulher gentil e curiosa, mas algo nela sempre sentiu um vazio, uma pergunta não respondida sobre suas raízes.

Foi somente na adolescência, quando a verdade já não podia mais ser escondida, que seu pai adotivo, com lágrimas nos olhos, revelou a história: - “Você veio de um trem. Sua mãe, que nunca conhecemos, a entregou a mim numa estação, em 1943. Ela a lançou à vida com o último fôlego que lhe restava. Não sei quem ela era, mas sei que ela amou você mais do que a própria vida.”

A jovem mulher, agora sabendo da verdade, sentiu o peso de sua história. Ela não tinha memórias de sua mãe, mas carregava o sacrifício dela em cada dia que vivia.

Nos anos seguintes, ela buscou pistas sobre sua origem, mas os registros da guerra eram caóticos, e milhões de histórias como a dela haviam sido engolidas pelo horror do Holocausto.

Ainda assim, ela decidiu honrar a memória de sua mãe vivendo plenamente, tornando-se professora e contando sua história para que o mundo nunca esquecesse os atos de coragem e amor que brilharam mesmo nas trevas.

Na Polônia do pós-guerra, histórias como a dela não eram incomuns. Muitas crianças judias foram salvas por estranhos que arriscaram suas vidas para protegê-las, desafiando a brutalidade nazista. Algumas dessas crianças jamais souberam de suas origens; outras, como ela, carregaram a verdade como um presente agridoce.

A janela do trem, aquela fresta minúscula, tornou-se para ela um símbolo: uma passagem entre a morte e a vida, entre o desespero e a esperança, entre uma mãe que se foi e uma filha que sobreviveu.

domingo, outubro 12, 2025

Odette Hallowes: Coragem na Sombra da Guerra


 

Odette Hallowes, uma das mais notáveis agentes secretas da Segunda Guerra Mundial, demonstrou uma coragem extraordinária diante das adversidades impostas pelo regime nazista.

Nascida Odette Marie Céline Brailly em Amiens, na França, em 1912, ela perdeu o pai durante a Primeira Guerra Mundial, experiência que marcaria profundamente sua visão sobre sacrifício e dever. Mais tarde, casou-se com um britânico e mudou-se para a Inglaterra, onde se naturalizou.

Em 1942, quando o governo britânico começou a recrutar voluntários para missões especiais, Odette ingressou na Special Operations Executive (SOE), uma organização criada por Winston Churchill para conduzir espionagem, sabotagem e apoio à resistência nos territórios ocupados.

Sob o codinome “Lise”, foi enviada à França para atuar como mensageira e coordenadora de operações clandestinas. Seu trabalho exigia extrema cautela: transportar documentos, organizar rotas de fuga e estabelecer comunicações entre células da resistência.

No entanto, em 1943, foi traída por um agente duplo e capturada pela Gestapo. Levou uma vida de sofrimento que parecia destinada a destruí-la: inicialmente mantida na prisão de Fresnes, sofreu interrogatórios brutais e torturas indescritíveis - entre elas, a extração de unhas, queimaduras e longos períodos de confinamento em escuridão total.

Mesmo diante da dor física e da ameaça de execução, Odette permaneceu inquebrantável, recusando-se a entregar informações que comprometeriam seus companheiros.

Em um episódio crucial, para aumentar suas chances de sobrevivência, Odette deixou que seus captores acreditassem que tinha laços de parentesco com Winston Churchill.

Essa mentira engenhosa fez com que fosse mantida viva como possível moeda de troca, poupando-a de uma execução sumária. Em 1944, foi transferida para o campo de concentração de Ravensbrück, destinado principalmente a mulheres.

Ali, viveu condições ainda mais severas: fome, doenças, trabalhos forçados e isolamento. Mesmo assim, sua firmeza moral impressionava outros prisioneiros. Sobreviveu à guerra debilitada, mas com o espírito intacto.

Ao final do conflito, Odette foi libertada pelas tropas aliadas e, em reconhecimento à sua bravura, recebeu a George Cross, a mais alta condecoração civil britânica por coragem, sendo a primeira mulher a recebê-la em vida.

Também foi agraciada com a Légion d’honneur, a maior honraria da França. Sua história foi eternizada em livros e no filme Odette (1950), que retrata sua trajetória de sacrifício e resiliência.

No entanto, para além da fama, Odette carregou para sempre as cicatrizes físicas e emocionais de sua experiência. Apesar disso, permaneceu fiel aos valores de liberdade, justiça e solidariedade, sendo lembrada como símbolo de resistência ao totalitarismo.

Odette Hallowes faleceu em 1995, mas seu legado continua vivo como testemunho da força do espírito humano diante da opressão. Sua vida é a prova de que, mesmo nas condições mais sombrias, a coragem e a determinação podem prevalecer, inspirando gerações a nunca se curvarem diante da tirania.

O Martelo das Bruxas ou Malleus Maleficarum


 

O Malleus Maleficarum, ou O Martelo das Bruxas, foi o manual operacional da Inquisição durante o auge do Tribunal do Santo Ofício. Este livro tornou-se o principal instrumento ideológico e prático utilizado para identificar, julgar e condenar pessoas acusadas de bruxaria - especialmente mulheres - entre os séculos XV e XVIII.

Os processos inquisitoriais de bruxaria tiveram no Malleus Maleficarum o seu principal documento norteador. A obra foi escrita em 1486 pelos frades dominicanos Heinrich Kramer (também conhecido como Institoris) e James Sprenger, inspirando-se no Manual dos Inquisidores, elaborado cerca de cem anos antes por Nicolás Eymerich.

Mais do que um simples texto teológico, o Malleus Maleficarum representou o ápice da intolerância religiosa e do fanatismo que dominavam parte da Europa medieval.

É considerado, até hoje, uma das páginas mais sombrias da história do cristianismo, uma vez que foi utilizado por quase três séculos como a “Bíblia” dos inquisidores - uma espécie de guia para tortura, confissão e execução.

Durante esse período, milhares de mulheres foram perseguidas, torturadas e queimadas vivas, acusadas de bruxaria, heresia e pacto com o demônio. A mulher, vista como ser fraco, volúvel e ligado ao pecado original, tornou-se o principal alvo do medo e da repressão religiosa.

O celibato clerical e a repressão sexual da época também contribuíram para transformar a figura feminina em um símbolo de tentação e perigo espiritual. O Malleus Maleficarum baseava-se em sete teses centrais que sustentavam sua lógica cruel e misógina:

O demônio, com a permissão de Deus, busca causar o maior número possível de males aos homens, com o objetivo de conquistar suas almas. Esse mal se manifesta através do corpo, visto como o ponto mais vulnerável do ser humano. O corpo seria o único “território” onde o demônio poderia atuar.

O domínio demoníaco se expressa principalmente pela sexualidade - considerada o canal por onde o mal entra no mundo. As mulheres, por estarem mais próximas da sexualidade e da tentação, seriam as agentes privilegiadas do demônio.

A principal característica das feiticeiras seria a copulação com o demônio, tornando Satã o “senhor do prazer”. Após essa união profana, as bruxas passariam a causar desgraças: impotência masculina, abortos, pragas nas colheitas, doenças e até sacrifícios de crianças.

Esses pecados, segundo o manual, eram mais graves que os de Lúcifer, e, portanto, imperdoáveis, devendo ser punidos com tortura e morte.

A obra está dividida em três partes fundamentais:

Primeira parte: descreve o poder e as ações do demônio, ligando diretamente a bruxaria à influência satânica. Nessa seção, o autor reforça que as mulheres seriam naturalmente mais propensas à corrupção demoníaca.

Segunda parte: apresenta métodos para reconhecer a presença da bruxaria no cotidiano, transformando qualquer acontecimento - como doenças, tempestades, impotência ou desavenças - em possíveis sinais de pacto demoníaco.

Terceira parte: detalha os procedimentos dos julgamentos e punições, orientando os inquisidores sobre como conduzir interrogatórios, aplicar torturas e redigir sentenças, sem deixar margem à absolvição.

A influência do Malleus Maleficarum ultrapassou fronteiras. Sua aplicação foi intensa em países como Alemanha, França, Espanha e Inglaterra, onde as fogueiras consumiram inocentes sob o pretexto de “purificar o mal”.

Somente séculos depois, com o advento do Iluminismo e da valorização da razão sobre o dogma, a humanidade começou a reconhecer a brutalidade e o erro histórico daquelas perseguições.

Hoje, o Malleus Maleficarum é visto não apenas como um símbolo do obscurantismo medieval, mas também como um alerta atemporal sobre o perigo da intolerância, do fanatismo e da manipulação da fé.


sábado, outubro 11, 2025

E-mail de um estudante Árabe para seu pai.


Blog de fuxiqueiro : F U X I C O, E-mail de um estudante Árabe para seu pai. 


E-mail do Filho

Berlim, 17 de setembro de 2025 Querido Pai, Berlim é simplesmente incrível! A cidade é um espetáculo, com seus monumentos históricos, ruas vibrantes e uma energia cultural que me fascina a cada dia. As pessoas aqui são extremamente educadas e acolhedoras, sempre dispostas a ajudar, mesmo quando me perco tentando decifrar as placas em alemão.

Estou adorando a experiência de estudar na Universidade Humboldt, uma das mais prestigiadas da Europa, e os professores são brilhantes, com um conhecimento que me inspira constantemente.

No entanto, confesso que ando enfrentando um pequeno dilema. Todo dia, quando chego à universidade com minha Ferrari 599GTB folheada a ouro - aquela que você insistiu que era "perfeita para um jovem sofisticado" -, sinto olhares curiosos e, às vezes, até constrangedores.

Meus colegas, muitos deles vindos de backgrounds mais simples, chegam de bicicleta, trem ou até a pé. Até meus professores, que são referências mundiais em suas áreas, usam o transporte público!

Ontem, por exemplo, vi meu professor de Economia Política descendo de um trem lotado, com uma mochila surrada e um sorriso no rosto, enquanto eu tentava estacionar a Ferrari sem chamar ainda mais atenção.

Não me entenda mal, pai, eu adoro o carro, mas às vezes sinto que ele grita "exagero" numa cidade onde a simplicidade parece ser tão valorizada. O que acha que devo fazer para me enturmar melhor?

Com carinho,

Seu filho,

Nasser

***

Resposta do Pai

Dubai, 18 de setembro de 2025

Meu querido e amado Nasser,

Fiquei imensamente feliz ao ler sua carta e saber que você está encantado com Berlim! Essa cidade é mesmo uma joia, com sua história rica e aquele charme europeu que mistura o clássico com o moderno.

Fico orgulhoso de saber que você está aproveitando a universidade e se inspirando com seus professores. Continue absorvendo cada pedacinho desse conhecimento - isso é o que vai te tornar um homem ainda mais excepcional.

Agora, sobre esse seu "dilema" com a Ferrari... Meu filho, você me fez rir alto aqui no meu escritório com vista para o Burj Khalifa! Como assim você está envergonhado por dirigir uma obra-prima folheada a ouro?

Mas, entendo seu ponto. Berlim tem essa vibe mais... digamos, "despojada", e você quer se sentir parte do grupo. Não se preocupe, meu caro, seu pai sempre tem uma solução!

Acabei de transferir seis bilhões de dólares americanos para sua conta. Isso mesmo, seis bilhões! Pare de nos envergonhar andando por aí como se fosse apenas mais um estudante comum.

Que tal comprar um trem particular para você? Um daqueles trens de alta velocidade, com vagões personalizados, talvez com detalhes em ouro para combinar com a Ferrari.

Assim, você chega à universidade com estilo, sem se preocupar com os olhares, e ainda pode oferecer carona aos seus amigos e professores. Quem sabe até impressionar aquele colega que você mencionou na última carta, aquele que adora cafés hipsters?

Brincadeiras à parte, Nasser, adapte-se ao seu jeito. Se quiser manter a Ferrari, use-a com orgulho - ela é um símbolo do seu esforço (e, bem, do meu também). Mas, se achar que um transporte mais discreto faz sentido, alugue um apartamento mais perto da universidade e vá a pé, como seus amigos.

O importante é que você esteja feliz e aproveitando essa fase. E, por favor, me conte como foi a reação dos seus colegas quando virem o "trem dos sonhos" (se você decidir comprá-lo, claro)!

Com todo o amor e algumas risadas,

Seu babai.

P.S.: Mandei também um cartão de crédito extra para cobrir eventuais gastos com "cafés hipsters" ou ingressos para aqueles museus que você tanto gosta. Aproveite!



Entre a Vingança e a Paz


 

Eu já me peguei planejando uma vingança. Era um fogo que ardia no peito, uma sede de equilibrar as contas com alguém que me feriu profundamente. Imaginava cada passo, cada palavra afiada que devolveria a dor multiplicada.

A ideia de justiça com as próprias mãos parecia, por um instante, reconfortante, como se pudesse apagar a mágoa que carregava. Mas então, uma voz serena, de alguém muito mais sábio que eu, interrompeu esse turbilhão:

“Não tire nada de quem não tem nada”. Aquelas palavras, simples e cortantes, ecoaram como um trovão em minha alma, desmontando a estrutura frágil da vingança que eu começava a erguer.

Essa frase não era apenas um conselho; era um convite à reflexão. Quem me machucou já carregava sua própria desgraça, um vazio que nenhuma retaliação minha poderia preencher.

A pessoa que me fez mal, com suas ações mesquinhas e intenções cruéis, não agiu por força, mas por fraqueza. Foi movida por inveja, por medo, ou talvez por uma dor que eu jamais compreenderia.

E, ao tentar me vingar, eu estaria apenas me igualando a esse vazio, descendo ao mesmo abismo que ela própria cavou. Percebi, então, que o verdadeiro castigo de alguns não vem de fora, mas de dentro: é a vida que eles escolheram, a solidão que cultivaram, os arrependimentos que os perseguirão como sombras.

O peso das escolhas erradas é, para muitos, uma punição mais severa do que qualquer golpe que eu pudesse desferir. O que me levou a esse ponto foi uma traição.

Alguém em quem confiei, alguém que esteve ao meu lado em momentos de vulnerabilidade, usou essa proximidade para ferir. Não foi apenas uma ofensa qualquer, mas um golpe calculado, que abalou minha confiança e me fez questionar até que ponto eu poderia seguir carregando essa mágoa.

Por dias, talvez semanas, alimentei a fantasia de uma revanche perfeita, algo que restaurasse minha dignidade e mostrasse a essa pessoa o tamanho do erro que cometeu. Mas, enquanto planejava, percebia que cada pensamento vingativo me afastava de quem eu realmente sou.

Eu não queria ser alguém que se define pela raiva. Ainda assim, confesso que o dilema persiste. Há uma parte de mim que clama por justiça, que deseja ver o equilíbrio restaurado, mesmo que à força.

E há outra, mais serena, que sussurra sobre compaixão, sobre deixar ir. Escolher a misericórdia não é fraqueza, como já pensei. É, na verdade, uma força que exige coragem: coragem para não ceder ao ódio, para não permitir que a dor alheia contamine a minha alma.

Perdoar não significa apagar o que foi feito, nem fingir que a ferida não existe. Perdoar é decidir que o veneno do outro não vai envenenar minha vida. É quebrar o ciclo da dor, recusando-me a perpetuá-lo.

Hoje, ao olhar para trás, vejo que o que aconteceu não foi apenas uma traição, mas uma lição. Aquela pessoa, com suas ações, me mostrou o que eu não quero ser.

E, ao escolher não me vingar, eu preservei algo muito mais valioso: minha humanidade. Fecho a porta para a vingança não por piedade cega, mas por um desejo consciente de proteger a paz que venho construindo.

A verdadeira cura não está na destruição do outro, mas na reconstrução de mim mesmo. Minhas feridas ainda estão aqui, algumas ainda doem, mas sei que, com o tempo, elas se transformarão em cicatrizes - marcas de uma batalha que escolhi vencer com dignidade.

sexta-feira, outubro 10, 2025

Distante


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Parece um longo caminho a ser percorrido, uma estrada tortuosa que se estende além do horizonte, onde cada passo parece me afastar ainda mais do destino.

É como se o próprio tempo conspirasse contra mim, tornando impossível chegar a algum lugar, como se o fim fosse apenas uma ilusão que se desfaz ao toque.

Como veredas sem fim, a jornada é exaustiva, e persistir se torna um fardo quase insuportável. Não parece ser para mim, eu que carrego o peso da dúvida e a sombra da desistência.

Quantas vezes me vi paralisado, incapaz de lutar, rendido antes mesmo de erguer a voz? A covardia, ou talvez o cansaço, sempre falou mais alto, sussurrando que o esforço não vale a pena, que o fracasso é inevitável.

E ainda assim, não me parece justo. Como pode algo tão pequeno, tão aparentemente insignificante, carregar um valor tão imenso? Um gesto, uma palavra, um instante roubado pelo vento - como podem pesar tanto no coração?

Eu, como qualquer outro, talvez fizesse mais por promessas grandiosas, por milhões que brilham como estrelas intocáveis. Mas aqui estou, preso a esse vazio, onde o que é pequeno me consome e o que é grande me escapa.

Não é justo, repito a mim mesmo, enquanto o impossível se ergue como uma muralha diante de mim. Cada tentativa parece vã, cada sonho, uma miragem que tremula e desaparece.

Seria mais fácil, penso, abandonar tudo, deixar o corpo tombar e a alma se dissolver, como se morrer fosse apenas um intervalo antes de renascer. Mas renascer para quê?

Para enfrentar novamente o mesmo abismo, a mesma distância que separa meu coração do seu? Tão perto, e ao mesmo tempo tão distante, está o seu coração do meu.

Vejo você como uma chama que aquece e queima, próxima o bastante para me fazer sentir viva, mas distante o suficiente para que eu nunca possa tocá-la.

Lembro-me dos momentos em que nossos caminhos se cruzaram - um olhar furtivo, uma palavra trocada, um silêncio que dizia mais do que qualquer promessa.

Naquele instante, acreditei que o impossível poderia se curvar, que a muralha poderia ruir. Mas o tempo, cruel como sempre, trouxe de volta a verdade: você segue adiante, enquanto eu permaneço aqui, perdido entre o desejo e a resignação.

Houve um dia em que pensei que poderia lutar, que poderia atravessar o deserto que nos separa. Caminhei, tropecei, sangrei. Mas cada passo parecia me levar a lugar nenhum, e o eco da sua ausência ressoava mais alto que qualquer esperança.

Agora, olhando para o horizonte, vejo apenas a poeira dos meus próprios sonhos desfeitos. E ainda assim, algo em mim se recusa a apagar você, como se, mesmo tão longe, seu coração ainda pulsasse em sintonia com o meu, em algum lugar que eu não sei alcançar.

Incógnita


Todo jovem guarda na memória a primeira mulher que cruza seu caminho, uma presença que rompe a monotonia da juventude e a transforma num despertar ao mesmo tempo aterrador e repleto de suavidade.

É como se, de repente, o coração, até então adormecido, descobrisse uma melodia secreta, uma canção que ecoa nos recantos mais profundos da alma.

Na vida de todo jovem, haverá um amor que florescerá inesperadamente, como uma semente lançada ao vento no amanhecer de seus dias. Esse amor trará ao seu retraimento uma tonalidade poética, preenchendo o vazio de sua solidão com harmonias sutis.

Ele o dotará de asas, permitindo que voe acima das nuvens, contemplando um mundo mágico que só os olhos apaixonados conseguem enxergar. Juntos, o jovem e seu amor percorrerão paisagens invisíveis aos outros, entrelaçados numa dança que transcende o tempo e o espaço.

Todo homem nasce livre, mas logo se vê preso às correntes das leis brutais herdadas de seus antepassados. A sina, que imaginamos ser um desígnio superior, não passa de uma incoerência que submete o presente às regras de ontem e projeta ao futuro as amarras de hoje.

No entanto, o amor é a única força que nos liberta. Ele nos eleva a altitudes onde as brutalidades das convenções, os costumes arcaicos e as religiosidades cegas, ainda seguidas por mentes deformadas pela ignorância, perdem seu poder.

O amor é a rebelião silenciosa contra as algemas do mundo. Alguns homens conquistam fama, poder ou riqueza, mas é a mulher quem carrega o fardo mais pesado.

Ela, muitas vezes, é a guardiã silenciosa das emoções, aquela que suporta o peso das escolhas e dos sacrifícios. Quando o amor é limitado, ele se torna uma busca ansiosa por respostas no outro.

Mas o amor verdadeiro, aquele que é ilimitado, não busca nada além de sua própria realização. Ele é pleno em si mesmo, um fim e um começo. A mulher, ao contrário do homem, raramente altera seus sentimentos com o passar do tempo.

Seu coração não se curva às pressões do efêmero. Ele pulsa pacientemente, resistente, como uma chama que estertora, mas nunca se apaga. O amor, em sua essência, é como uma semente que brota e cresce sem depender dos temporais.

Ele não precisa de tormentas para se fortalecer; sua força reside na constância, na delicadeza de sua própria existência. Quando uma mulher nos olha, seu olhar carrega o poder de nos erguer ao ápice da felicidade ou de nos lançar ao abismo da infelicidade.

Seus olhos são espelhos de um mistério ancestral, capazes de revelar verdades que nem mesmo nós conhecemos. O olhar dela em mim não foi diferente. Foi um instante que parou o tempo, um momento em que o universo pareceu conspirar para que nossos caminhos se cruzassem.

Mas o que veio depois permanece envolto em névoa. Aquele encontro, tão breve quanto eterno, mudou algo em mim. Foi numa tarde de outono, quando as folhas douradas caíam como confetes silenciosos, que nossos olhares se encontraram pela primeira vez.

Ela estava sentada num banco da praça, com um livro aberto que parecia mais um pretexto para observar o mundo. Havia uma serenidade em seu rosto, mas também uma inquietação, como se ela carregasse um segredo que nem mesmo ela compreendia.

Eu, um jovem perdido em meus próprios pensamentos, fui atraído por aquela presença como uma mariposa à luz. Tropecei em palavras que nunca disse, e ela sorriu - um sorriso que guardava promessas e perguntas.

Dias se passaram, e o que era um encontro casual tornou-se uma sequência de momentos roubados: conversas furtivas sob o céu estrelado, silêncios que diziam mais do que palavras, e a sensação de que algo maior nos unia.

Mas, como toda história de amor, havia um véu de incerteza. O mundo, com suas leis e suas brutalidades, parecia conspirar para nos separar. Ela falava de sonhos que a levariam para longe, de um destino que não podia evitar.

Eu, preso às minhas próprias dúvidas, não sabia como segurá-la. E agora, aqui estou, carregando a memória daquele olhar, daquela promessa não dita. Não sei se o efeito será a felicidade que eleva ou a dor que consome.

O amor, essa força indizível, permanece uma incógnita. Talvez seja essa a sua beleza: ele não se explica, apenas se vive. E, enquanto o futuro não desvenda seus segredos, eu sigo, com asas frágeis, voando em direção ao desconhecido, guiado pela lembrança daquele olhar que mudou tudo.

Francisco Silva Sousa - Foto: Pixabay.

quinta-feira, outubro 09, 2025

Indiferença da Natureza Perante a Morte


 

E se existisse um homem incapaz de morrer? Se a lenda do Judeu Errante, condenado a vagar eternamente pela Terra sem encontrar repouso na morte, fosse verdadeira, poderíamos declará-lo o mais infeliz dos seres?

Essa é a provocação que Soren Kierkegaard nos lança, ao sugerir que a impossibilidade de morrer seria não um dom, mas uma maldição. O vazio de uma tumba, nesse caso, não seria um mistério a ser decifrado, mas a evidência de uma tragédia: a existência de alguém que não pode se libertar do peso da vida, nem encontrar refúgio na finitude.

A natureza, em sua indiferença implacável, não distingue os que vivem dos que morrem. Ela segue seu curso, alheia às angústias humanas, aos desejos de permanência ou ao anseio por descanso.

Para o homem imortal, essa indiferença se torna uma sentença cruel. Enquanto os mortais encontram na morte uma conclusão - seja ela temida ou acolhida -, aquele que não pode morrer é privado até mesmo dessa certeza.

Ele carrega o fardo de testemunhar o passar incessante do tempo, a deterioração de tudo que o cerca, enquanto permanece preso a uma existência que não escolheu perpetuar.

Kierkegaard, com sua visão existencialista, nos convida a refletir sobre o paradoxo da imortalidade. A lenda do Judeu Errante, frequentemente associada a Ahasverus, um homem amaldiçoado por zombar de Cristo e condenado a vagar até o fim dos tempos, simboliza essa angústia.

Não é apenas a eternidade que pesa, mas a solidão de uma vida que não encontra propósito ou resolução. O que seria da felicidade, do amor ou da esperança, quando todos ao redor envelhecem e desaparecem, enquanto o imortal permanece?

Ele se torna um estrangeiro no mundo, um observador eterno, incapaz de pertencer. Além disso, a indiferença da natureza amplifica essa solidão. As estações mudam, os rios seguem seu curso, as montanhas erguem-se e desmoronam, sem jamais se importar com o drama humano.

Para o Judeu Errante, cada amanhecer é uma lembrança de sua condição, cada pôr do sol uma promessa não cumprida de descanso. A natureza, em sua constância, reflete a eternidade que o condena, mas não lhe oferece consolo.

Não há diálogo entre o homem e o cosmos; há apenas o silêncio de um universo que não responde. Essa reflexão também nos leva a pensar sobre os acontecimentos históricos e culturais que moldaram a lenda do Judeu Errante.

Surgida na Europa medieval, a história reflete os medos e as ansiedades de uma época marcada por crises religiosas, perseguições e questionamentos sobre a fé.

O Judeu Errante tornou-se um símbolo não apenas da punição divina, mas também da alienação humana em um mundo que parece indiferente ao sofrimento individual.

Em tempos modernos, essa figura ressoa em narrativas literárias e filosóficas, como nas obras de Goethe, Shelley e até em contos contemporâneos, onde a imortalidade é retratada como um fardo psicológico e existencial.

Kierkegaard, ao abordar essa ideia, nos confronta com a finitude como um elemento essencial da condição humana. A morte, embora temida, dá sentido à vida ao delimitá-la.

Sem ela, o tempo perde sua urgência, e os momentos que valorizamos - o amor, a conquista, o luto - dissolvem-se em uma eternidade vazia. Assim, o túmulo vazio do imortal não é um sinal de vitória sobre a morte, mas um lembrete de sua tragédia: a incapacidade de encontrar repouso, de se reconciliar com a indiferença do mundo.

Talvez, então, a verdadeira infelicidade não esteja apenas na impossibilidade de morrer, mas na incapacidade de encontrar significado em uma existência que se estende indefinidamente.

Kierkegaard nos desafia a olhar para nossa própria mortalidade não como um fim, mas como uma oportunidade de viver com autenticidade, de abraçar o efêmero e de buscar sentido em um mundo que, em sua essência, permanece indiferente.