Entre
as inúmeras histórias de horror e sobrevivência do Holocausto, poucas são tão
peculiares e intrigantes quanto a da família Ovitz, conhecida como os
"sete anões de Auschwitz".
Essa
família romena de origem judaica, composta por sete irmãos com nanismo,
sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz-Birkenau graças a uma
combinação improvável de fatores: sua condição física, que despertou o
interesse mórbido de Josef Mengele, o infame "Anjo da Morte", e sua
própria resiliência.
A frase
marcante de Perla Ovitz, uma das sobreviventes, resume a ironia dessa
trajetória: “Fomos salvos pela graça do diabo!”
A Origem da Família Ovitz
A
história começa no vilarejo de Rozavlea, na região da Transilvânia, na atual
Romênia, uma área conhecida por sua significativa população judaica no início
do século XX.
A
família Ovitz era composta por dez irmãos, sete dos quais nasceram com
pseudoacondroplasia, uma forma de nanismo que afeta o crescimento dos ossos
longos, resultando em estatura significativamente reduzida, mas preservando
proporções faciais típicas.
Essa
condição genética foi herdada do pai, Shimshon Eizik Ovitz, um rabino
respeitado na comunidade, ele próprio um anão. Shimshon casou-se duas vezes,
ambas com mulheres de estatura média, e teve dez filhos, dos quais sete
apresentavam nanismo: Rozika, Franzika, Avraham, Micki, Frieda, Elizabeth e
Perla.
Apesar
de sua condição, os Ovitz não se deixaram limitar. Eles formaram uma trupe teatral,
a Trupe Liliput, que se apresentava em vilarejos e cidades da Romênia, Hungria
e Tchecoslováquia.
Cantando,
dançando e tocando instrumentos musicais, os irmãos conquistaram fama local e
uma vida relativamente confortável para os padrões da época. Suas
apresentações, repletas de talento e carisma, encantavam o público, que via
neles não apenas artistas, mas símbolos de superação.
A Chegada a Auschwitz
Em
1944, com a intensificação da perseguição nazista aos judeus na Europa
Oriental, a família Ovitz foi deportada para Auschwitz-Birkenau. Ao chegarem ao
campo, a singularidade de sua condição chamou imediatamente a atenção dos
oficiais nazistas.
Em um
ambiente onde a maioria dos prisioneiros era enviada diretamente para as
câmaras de gás, os Ovitz escaparam da morte imediata por um motivo sombrio: o
interesse de Josef Mengele, o médico nazista conhecido por suas cruéis
experiências pseudocientíficas.
Mengele,
fascinado por anomalias genéticas e obcecado por estudos sobre hereditariedade,
viu na família Ovitz uma oportunidade única. Ele os separou dos demais
prisioneiros e os submeteu a um regime especial, que, embora os mantivesse
vivos, estava longe de ser humano.
A
família foi poupada das condições mais brutais do campo, como o trabalho
forçado extenuante, mas tornou-se objeto de experimentos médicos cruéis.
Mengele realizou exames invasivos, extraiu sangue em grandes quantidades,
arrancou cabelos e até dentes, e submeteu os irmãos a testes dolorosos para
estudar sua condição genética.
Além
disso, os Ovitz eram frequentemente exibidos para oficiais nazistas, como uma
espécie de curiosidade, o que aumentava sua humilhação.
A Sobrevivência e a Ironia do Destino
Apesar
dos horrores, a família Ovitz demonstrou uma resiliência extraordinária. Os
irmãos mantinham-se unidos, apoiando-se mutuamente para enfrentar o trauma
físico e psicológico.
Sua
experiência como artistas também desempenhou um papel crucial: eles
ocasionalmente se apresentavam para os guardas do campo, o que, de certa forma,
os ajudava a conquistar pequenos favores, como rações extras de comida.
Essa
habilidade de se adaptar às circunstâncias, mesmo nas mais desumanas, foi
essencial para sua sobrevivência. Quando Auschwitz foi libertado pelas forças
soviéticas em janeiro de 1945, os sete irmãos Ovitz estavam entre os
sobreviventes.
Eles
haviam enfrentado meses de tortura psicológica e experimentos médicos, mas
saíram vivos de um lugar onde milhões pereceram. A ironia de sua história
reside no fato de que a mesma condição que os tornou alvos do sadismo de
Mengele também foi o que os salvou da morte imediata.
Após a Libertação
Após a
guerra, os Ovitz tentaram reconstruir suas vidas. Eles emigraram para Israel em
1949, onde retomaram sua carreira artística por algum tempo. A Trupe Liliput
voltou a se apresentar, mas a experiência em Auschwitz deixou marcas profundas.
Perla
Ovitz, a mais jovem dos irmãos, foi uma das vozes que mais tarde compartilharam
a história da família, garantindo que o mundo conhecesse sua jornada de
sobrevivência. Ela faleceu em 2001, sendo a última sobrevivente da família.
Legado e Reflexão
A
história dos sete anões de Auschwitz é um testemunho da complexidade do
Holocausto, onde a sobrevivência muitas vezes dependia de circunstâncias
imprevisíveis e, em alguns casos, de ironias cruéis.
A família
Ovitz não apenas sobreviveu a um dos capítulos mais sombrios da história, mas
também transformou sua dor em um legado de coragem e resistência.
Sua
narrativa nos lembra que, mesmo em meio ao horror, a força do espírito humano
pode prevalecer. Hoje, a história dos Ovitz é contada em livros, documentários
e exposições, como uma forma de homenagear sua resiliência e alertar as
gerações futuras sobre os perigos do ódio e da intolerância.
A frase de Perla Ovitz, “Fomos salvos pela graça do diabo”, ecoa como um lembrete da ambiguidade moral de sua sobrevivência: salvos por um monstro, mas vivos para contar sua história.
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