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terça-feira, outubro 14, 2025

Categorizações sociais




Vivemos uma era em que a necessidade de autodefinição se tornou quase uma obsessão. Tudo parece exigir um nome, um rótulo, uma categoria que nos encaixes em caixas pré-determinadas.

As pessoas sentem a pressão de escolher lados, de definir o que são - ou o que deveriam ser - como se a ausência de uma identidade fixa fosse um vazio inaceitável.

Mas, paradoxalmente, quanto mais buscamos essas definições, mais parecemos nos afastar de compreender quem realmente somos. O sistema econômico, por exemplo, reforça essa lógica ao exigir definições profissionais claras, com títulos e registros em órgãos reguladores como OAB, CRC, CRM, CRP, entre outros.

Essa formalização é compreensível: ela garante segurança jurídica, organiza as relações de trabalho e estabelece padrões de responsabilidade.

No entanto, quando essa mentalidade classificatória se estende a esferas mais íntimas, como a personalidade, a identidade e as preferências individuais, o resultado é uma simplificação reducionista que banaliza a complexidade humana.

A necessidade de rotular a sexualidade é um exemplo particularmente inquietante. Termos como heterossexual, homossexual, bissexual, transgênero ou outros são usados como se fossem obrigatórios para definir a experiência humana.

Não basta vivenciar o desejo, o prazer ou a conexão com outra pessoa; é preciso enquadrar-se em um grupo, exibir um rótulo que, muitas vezes, não reflete a fluidez ou a particularidade de cada indivíduo.

Essa exigência de categorização, que deveria ser uma questão íntima e pessoal, tem sido exposta publicamente, gerando polarizações e conflitos sociais.

Movimentos que buscam inclusão e diversidade, embora bem-intencionados, às vezes caem na armadilha de reforçar essas divisões ao exigir que todos se declarem parte de uma "tribo" específica.

O resultado é uma sociedade fragmentada, onde a busca por aceitação muitas vezes se transforma em novas formas de exclusão. As ideologias políticas, por sua vez, tornaram-se prateleiras onde depositamos nossas insatisfações pessoais e nossas visões de mundo.

Direita, esquerda, liberal, conservador, progressista - esses rótulos não apenas simplificam debates complexos, mas também alimentam uma cultura de torcidas organizadas.

As redes sociais amplificam esse fenômeno: discussões políticas viram espetáculos de likes, compartilhamentos e ataques pessoais, onde a racionalidade é frequentemente substituída por slogans e narrativas prontas.

A polarização, que ganhou força em eventos como as eleições presidenciais nos Estados Unidos (2020 e 2024), o Brexit no Reino Unido (2016-2020) ou mesmo as tensões políticas no Brasil nos últimos anos, mostra como a necessidade de "escolher um lado" transforma o diálogo em uma guerra de narrativas.

A verdade, nesse contexto, torna-se secundária; o que importa é afirmar a própria identidade ideológica. A religião, por sua vez, é um terreno onde essas tensões se misturam e se intensificam. Em nome de crenças espirituais ou seres divinos, pessoas justificam desde atos de solidariedade até conflitos devastadores.

As guerras culturais em torno de questões morais - como o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou os direitos de minorias - frequentemente têm raízes em interpretações religiosas que se chocam com visões seculares ou progressistas.

Embora a liberdade de crença seja um direito fundamental, a pergunta persiste: qual é o limite ético quando essas crenças interferem nas liberdades alheias?

Episódios recentes, como a ascensão de movimentos fundamentalistas em diversas partes do mundo ou os debates sobre laicidade em países como a França, evidenciam como a religião pode tanto unir quanto dividir.

Esse impulso de categorizar tudo - da profissão à sexualidade, da política à espiritualidade - reflete, talvez, uma insegurança existencial mais profunda. Em um mundo hiper conectado, onde informações e opiniões nos bombardeiam constantemente, a busca por rótulos pode ser uma tentativa de encontrar estabilidade, um ponto fixo em meio ao caos.

Contudo, essa mecanização da identidade humana também tem consequências. A superficialidade das discussões nas redes sociais, a intolerância crescente entre grupos opostos e a perda de empatia em debates públicos são sintomas de uma sociedade que valoriza mais a aparência de certeza do que a complexidade da dúvida.

Este texto, que começou como um esboço de reflexões à beira da cama, talvez seja apenas um convite à introspecção. Será que essa necessidade de definição é uma etapa inevitável da nossa evolução social?

Ou será que, ao insistirmos em rotular tudo, estamos nos aproximando não de uma maior compreensão, mas de uma fragmentação que pode levar à nossa própria extinção?

Talvez o caminho esteja em abraçar a incerteza, em aceitar que nem tudo precisa de um nome para ser válido, e que a verdadeira liberdade reside em sermos, simplesmente, sem a necessidade de nos explicarmos.

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