Milagres
que não se repetem: Reflexões sobre a narrativa bíblica e a realidade
contemporânea.
Segundo
o livro de Êxodo, o Deus descrito na Bíblia realizou feitos extraordinários,
como fazer chover maná - um alimento milagrosamente produzido - para sustentar
os israelitas durante sua jornada pelo deserto rumo à Terra Prometida.
Esse
relato, para muitos, é uma demonstração do poder divino e de sua providência.
No entanto, surge uma questão inevitável: por que esse mesmo Deus, que outrora
supriu as necessidades de um povo, não intervém hoje, fazendo chover pelo menos
farinha nas regiões mais necessitadas do mundo, onde milhões sofrem com a fome?
A
crença em narrativas como a do maná pode parecer ingênua para alguns, especialmente
quando confrontada com a dura realidade de um mundo onde a miséria persiste.
Em
países africanos, como Sudão do Sul e Somália, e em outras regiões devastadas
por conflitos, desastres naturais ou desigualdades estruturais, milhões de
pessoas, incluindo crianças, enfrentam a fome diariamente.
Dados
da ONU estimam que, em 2024, cerca de 258 milhões de pessoas em 58 países
sofreram insegurança alimentar aguda. Diante disso, a ausência de intervenção
divina levanta questionamentos: se milagres como o maná ocorreram no passado,
por que não se repetem agora?
Nem
Deus, nem seus supostos representantes na Terra, parecem oferecer soluções
concretas para aliviar esse sofrimento. A narrativa bíblica afirma que Deus
criou o homem à sua imagem e semelhança (Gênesis 1:26-27).
Se
isso é verdade, como explicar a existência de opressores que submetem povos
inteiros à violência, à fome e à exploração? Por que alguns são
"bons" e outros "maus"?
Os
habitantes de Sodoma e Gomorra, destruídos por Deus segundo Gênesis 19, ou as
vítimas do Dilúvio, narrado em Gênesis 6-8, foram criados por quem?
Se
Deus é o criador de tudo, seria Ele também o responsável por criar tanto os
justos quanto os pecadores, os que sofrem e os que causam sofrimento?
Essas
perguntas desafiam a lógica de uma divindade onipotente e benevolente. Muitos
crentes respondem com argumentos baseados na fé, como o
"livre-arbítrio" ou os "desígnios insondáveis de Deus".
No
entanto, essas explicações frequentemente soam insuficientes ou até evasivas
diante da escala do sofrimento humano. Por exemplo, o conceito de
livre-arbítrio pode justificar ações humanas, mas não esclarece por que
catástrofes naturais, como secas e inundações, agravam a fome em regiões já
vulneráveis.
Será
que a fé exige aceitar que o mesmo Deus que proveu maná no deserto agora
escolhe permanecer em silêncio? Além disso, a narrativa dos milagres bíblicos
muitas vezes é usada para reforçar a crença em uma intervenção divina que, na
prática, não se manifesta.
Enquanto
isso, a humanidade segue lidando com problemas concretos: guerras, como o
conflito no Sudão, que deslocou milhões de pessoas em 2024, ou crises
climáticas que destroem colheitas em regiões como o Chifre da África.
A
ausência de milagres modernos força a humanidade a buscar soluções práticas,
como a ajuda humanitária, que muitas vezes é insuficiente ou mal distribuída
devido a interesses políticos e econômicos.
Assim,
a insistência em narrativas milagrosas pode parecer não apenas desconexa da
realidade, mas também uma forma de perpetuar a passividade diante de problemas
que exigem ação humana.
Questionar
essas histórias não é apenas um exercício de ceticismo, mas uma tentativa de
compreender por que o mundo, criado por um suposto Deus perfeito, parece tão
cheio de contradições.
Enquanto
alguns defendem essas narrativas com fervor, outros veem nelas apenas mitos
que, embora culturalmente significativos, não oferecem respostas práticas para
os desafios do presente.
A
humanidade, portanto, segue dividida entre a fé cega em milagres que não se
repetem e a necessidade de enfrentar, com suas próprias mãos, as mazelas de um
mundo que parece abandonado por qualquer providência divina.
0 Comentários:
Postar um comentário