Charles John Joughin: O Sobrevivente Improvável do Titanic
Charles
John Joughin, nascido em 3 de agosto de 1878, foi o pasteleiro-chefe a bordo do
RMS Titanic durante sua fatídica viagem inaugural em 1912.
Sua
história de sobrevivência no naufrágio do navio, um dos desastres marítimos
mais emblemáticos da história, é notável não apenas pela coragem demonstrada,
mas também pela sua capacidade de resistir por um período excepcionalmente
longo nas águas gélidas do Atlântico Norte, entre 1 e 2 horas, antes de ser
resgatado pelo bote salva-vidas desmontável B.
Juventude e Início da Carreira
Nascido
em Patten Street, West Float, Birkenhead, Cheshire, Inglaterra, Charles Joughin
teve uma infância humilde em uma cidade portuária. Aos 11 anos, em 1889,
embarcou pela primeira vez em um navio, iniciando uma carreira marítima que o
levaria a trabalhar em várias embarcações da prestigiada White Star Line.
Sua
habilidade como pasteleiro o destacou, e ele rapidamente ascendeu ao posto de
pasteleiro-chefe em navios como o RMS Olympic, irmão do Titanic, antes de ser
escalado para a viagem inaugural do maior e mais luxuoso transatlântico da
época.
A Bordo do Titanic
Joughin
integrou a tripulação do Titanic desde sua construção em Belfast, acompanhando
o navio até Southampton, onde a viagem transatlântica rumo a Nova York teve
início em 10 de abril de 1912.
Como
pasteleiro-chefe, ele comandava uma equipe de 13 subordinados, responsável pela
produção de pães, bolos e sobremesas que atendiam tanto os passageiros da
primeira classe quanto os da tripulação.
Seu
salário mensal de £12 (equivalente a cerca de £880 ou €1.047/R$2.413 em valores
ajustados para a inflação atual) refletia a importância de sua posição em um
navio que simbolizava o auge da engenharia naval e do luxo.
Na
noite de 14 de abril de 1912, às 23h40, o Titanic colidiu com um iceberg no
Atlântico Norte, a cerca de 600 km da costa da Terra Nova. Joughin, que estava
fora de serviço e dormindo em sua cabine, foi despertado pelo impacto.
Ele
relatou ter sentido a vibração do choque e imediatamente se levantou para
avaliar a situação. Informações dos conveses superiores indicavam que os
oficiais estavam preparando os botes salva-vidas, e Joughin agiu rapidamente,
ordenando que seus 13 subordinados levassem provisões alimentares para os
botes.
Cada
pasteleiro carregou quatro grandes pães, totalizando cerca de 18 kg de
suprimentos por pessoa, garantindo que os sobreviventes tivessem alimentos nos
botes.
O Papel de Joughin Durante o Naufrágio
Por
volta das 00h30, Joughin chegou ao convés superior, onde se juntou ao oficial
Henry Wilde próximo ao Bote 10. Ele desempenhou um papel crucial ao ajudar
mulheres e crianças a embarcarem nos botes salva-vidas, uma tarefa complicada
pelo pânico generalizado.
Algumas
mulheres, convencidas de que o Titanic era mais seguro que os botes, resistiam
em deixar o navio. Joughin, com determinação, foi até o Convés A e, em um ato
de coragem, forçou algumas delas a embarcarem, literalmente carregando-as para
os botes.
Embora
estivesse designado para tripular o Bote 10, Joughin abriu mão de seu lugar,
permitindo que mais mulheres fossem salvas, já que dois marujos e um criado já
estavam a bordo.
Ele
então retornou à sua cabine no navio, onde, segundo seu depoimento, bebeu meio
copo de licor - uma decisão que mais tarde seria especulada como um fator que
pode ter ajudado a mantê-lo aquecido nas águas geladas.
Ao
voltar aos conveses superiores, encontrou-se com o Dr. William O'Loughlin,
médico do navio, em um encontro que seria a última vez que o doutor foi visto
com vida.
Com
todos os botes já lançados ao mar, Joughin desceu ao Convés B, na promenade
coberta, e começou a jogar cerca de 50 espreguiçadeiras ao oceano, na esperança
de que servissem como flutuadores para os passageiros que ficassem na água.
À
medida que o navio afundava, ele se dirigiu à popa, que se elevava gradualmente
fora da água devido à inclinação do casco. Enquanto subia pelo convés
inclinado, o navio sofreu uma súbita guinada para bombordo, jogando a maioria
das pessoas ao chão.
Joughin,
com reflexos rápidos, conseguiu se segurar ao corrimão de estibordo,
posicionando-se do lado externo do navio. Quando o Titanic finalmente
submergiu, por volta das 2h20 de 15 de abril, Joughin descreveu sua descida à
água como se estivesse em um "elevador".
Ele
afirmou que sua cabeça mal ficou molhada, um testemunho impressionante que reflete
a calma com que enfrentou o momento final do navio. Como último tripulante a
deixar o Titanic, Joughin tornou-se uma figura singular na tragédia.
Sobrevivência nas Águas Gélidas
Nas
águas geladas do Atlântico Norte, com temperaturas próximas de -2°C, a
expectativa de sobrevivência era de poucos minutos. No entanto, Joughin
conseguiu boiar por cerca de duas horas, um feito extraordinário que desafia
explicações médicas.
Ele
atribuiu sua resistência ao licor que havia consumido, que poderia ter ajudado
a manter a circulação sanguínea, embora historiadores e cientistas especulem
que sua calma e condicionamento físico também foram fatores decisivos.
Com os
primeiros raios de sol da manhã, Joughin avistou o Bote Desmontável B, que
estava virado de cabeça para baixo devido a um lançamento inadequado.
Comandado
pelo segundo-oficial Charles Lightoller e ocupado por cerca de 25 homens, o
bote não tinha espaço para mais pessoas. Joughin nadou até ele e foi
reconhecido pelo cozinheiro Isaac Maynard, que o segurou pela mão enquanto ele
permanecia parcialmente submerso, com pernas e pés na água.
Mais
tarde, outro bote salva-vidas apareceu, e Joughin conseguiu nadar até ele,
sendo finalmente resgatado e levado a bordo do RMS Carpathia, o navio que
socorreu os sobreviventes do Titanic e os transportou até Nova York.
Após o Desastre
De
volta à Inglaterra, Joughin foi um dos tripulantes convocados para depor no
Inquérito Britânico sobre o naufrágio, presidido por Lord Mersey. Suas
descrições detalhadas dos eventos a bordo do Titanic forneceram informações
valiosas sobre o caos e a organização durante a evacuação.
Em
1920, ele se mudou permanentemente para os Estados Unidos, estabelecendo-se em
Paterson, Nova Jersey. Durante sua vida nos EUA, continuou a trabalhar em
navios, incluindo os da American Export Lines e embarcações que transportavam
tropas durante a Segunda Guerra Mundial.
Notavelmente,
ele sobreviveu a outro naufrágio, o do SS Oregon, que afundou no porto de
Boston, reforçando sua reputação como um sobrevivente improvável.
Vida Pessoal e Legado
Joughin
casou-se duas vezes. De seu primeiro casamento, teve uma filha, Agnes. Após se
mudar para os EUA, casou-se com Annie E. Ripley, com quem criou a enteada,
Rose.
A morte
de Annie em 1943 foi um golpe devastador, do qual ele nunca se recuperou
completamente. Em 1955, Joughin foi entrevistado por Walter Lord para o livro A
Tragédia do Titanic (A Night to Remember), que ajudou a imortalizar sua
história.
Sua
saúde, no entanto, deteriorou-se rapidamente, e ele faleceu em 9 de dezembro de
1956, aos 78 anos, após duas semanas internado com pneumonia em um hospital em
Paterson. Foi sepultado ao lado de Annie no Cemitério de Cedar Lawn.
Representações na Cultura Popular
A
história de Joughin ganhou destaque em produções sobre o Titanic. Ele foi
interpretado por George Rose no filme A Night to Remember (1958), baseado no
livro de Walter Lord, e por Liam Tuohy no blockbuster Titanic (1997), de James
Cameron.
Embora
sua participação nesses filmes seja secundária, sua figura como o pasteleiro
que sobreviveu às águas geladas tornou-se um símbolo de resiliência e coragem.
Contexto e Reflexões
A
sobrevivência de Joughin é um testemunho não apenas de sua força física, mas
também de sua compostura em meio ao caos. O naufrágio do Titanic, que resultou
na morte de mais de 1.500 pessoas, expôs falhas na segurança marítima da época,
como a insuficiência de botes salva-vidas e a confiança excessiva na
invulnerabilidade do navio.
Joughin,
com suas ações para garantir suprimentos nos botes e sua decisão de ceder seu
lugar, exemplifica o heroísmo anônimo de muitos tripulantes que colocaram a
segurança dos passageiros em primeiro lugar.
Sua
resistência nas águas geladas permanece um mistério fascinante. A ciência
moderna sugere que o consumo moderado de álcool pode ter ajudado a retardar a
hipotermia, mas a determinação de Joughin e sua habilidade em manter a calma
foram igualmente cruciais.
Sua
história, embora menos conhecida que a de figuras como o capitão Edward Smith
ou o oficial Lightoller, é um lembrete da força do espírito humano em momentos
de crise.
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