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domingo, setembro 28, 2025

UFC onde foi parar nossa humanidade?



Sempre me questionei sobre os motivos que levam o UFC (Ultimate Fighting Championship) a atrair tamanha audiência global. O que há de tão fascinante em transformar a violência crua, a força bruta sem limites, em um espetáculo de entretenimento?

Multidões se reúnem, seja em arenas lotadas ou diante de telas, para assistir a homens e mulheres se destruindo mutuamente, como se estivéssemos revivendo os tempos do Coliseu romano, agora em uma versão eletrônica e globalizada.

No Brasil, muitos permanecem acordados até altas horas da madrugada, vibrando com socos, chutes e golpes que frequentemente ultrapassam os limites do que poderíamos chamar de esporte.

Do outro lado da tela, assistimos a uma plateia de romanos contemporâneos, sedentos por violência. Quanto mais hematomas, quanto mais sangue, maior o êxtase.

O UFC parece alimentar um instinto primal, um desejo quase voyeurístico de presenciar a destruição do outro, onde a vitória é celebrada mesmo que venha à custa de um adversário já inconsciente, sendo golpeado sem piedade.

É nesse momento que a multidão entra em delírio, como se desejasse que o árbitro jamais interrompesse a luta, prolongando o espetáculo da brutalidade.

Recordo-me dos debates de décadas atrás sobre a violência no boxe, quando ele era visto como o ápice da agressividade esportiva. Hoje, comparado ao UFC, o boxe parece uma competição de cavalheiros, regida por regras estritas e limites claros.

Há, inclusive, uma certa poesia nos movimentos dos boxeadores, uma arte nos golpes precisos e na estratégia que, por mais violenta que seja, ainda respeita uma ética esportiva.

O boxe, com suas luvas acolchoadas e pausas para recuperação, parece quase delicado diante da intensidade do UFC, onde a luta muitas vezes só termina quando um dos competidores está completamente derrotado, física e mentalmente.

Penso também na minha infância, quando programas como o Telequete, com sua violência simulada, já me causavam desconforto. Aquela encenação, embora inofensiva, apontava para um fascínio humano pela agressividade, mesmo que em tom de brincadeira.

O UFC, no entanto, eleva esse fascínio a outro patamar. Aqui, a força bruta é travestida de “arte marcial”, mas o que vemos frequentemente é a ausência de qualquer misericórdia.

Lutadores já nocauteados, sem condições de se defender, continuam a receber golpes violentos na cabeça, enquanto o público aplaude, como se a vitória justificasse tamanha desumanização.

Um dos momentos mais chocantes da história do UFC no Brasil foi a lesão de Anderson Silva, em 2013, durante a revanche contra Chris Weidman. A imagem de sua perna se partindo ao meio, capturada em detalhes por câmeras lentas, chocou o mundo.

Mais do que o destino de um lutador talentoso, aquele episódio expôs a fragilidade do corpo humano e a brutalidade do esporte. Não era apenas um osso quebrado em jogo, mas a nossa própria humanidade, da qual parecemos nos distanciar a cada dia.

Enquanto o público assistia, hipnotizado, à repetição do momento em que a tíbia de Silva se fraturava, eu me perguntava: o que nos leva a transformar o sofrimento alheio em entretenimento?

O UFC, hoje uma indústria bilionária, não é apenas um esporte, mas um fenômeno cultural que reflete os valores de uma sociedade que glorifica a violência.

Eventos como o UFC 300, em 2024, que quebrou recordes de audiência e arrecadação, mostram como o esporte se consolidou como um dos maiores espetáculos do mundo.

Lutadores como Conor McGregor, com sua habilidade de transformar provocações em marketing, elevaram o UFC a um status de entretenimento mainstream, onde a violência é apenas parte do pacote - o drama, as rivalidades fabricadas e a narrativa de superação também cativam o público.

Mas a que custo? Não é apenas a brutalidade física que preocupa, mas o impacto psicológico e social.

Estudos recentes, como os publicados pela Journal of Sports Medicine em 2023, apontam que lutadores de MMA (artes marciais mistas) enfrentam riscos significativos de lesões cerebrais traumáticas, como a encefalopatia traumática crônica (CTE), devido aos golpes repetitivos na cabeça.

Além disso, o UFC, ao normalizar a violência extrema, contribui para uma cultura em que a agressividade é celebrada como sinônimo de força e sucesso. Crianças e jovens, que formam uma parcela significativa do público, crescem expostos a esses valores, onde a vitória a qualquer preço parece justificar a desumanização do adversário.

Lembro-me da célebre frase de Charles Chaplin, em O Grande Ditador, que ressoa com força diante desse cenário: “Não sois máquinas! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar. Os que não se fazem amar e os inumanos!”.

Essas palavras, ditas em um contexto de guerra e intolerância, continuam atuais. O UFC, com sua celebração da violência, nos desafia a refletir: estamos realmente conectados com nossa humanidade, ou apenas alimentando um ciclo de desumanização disfarçado de entretenimento?

Enquanto as arenas vibram e as telas transmitem golpes brutais, talvez seja hora de questionarmos o que realmente estamos aplaudindo.

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