Sempre
me questionei sobre os motivos que levam o UFC (Ultimate Fighting Championship)
a atrair tamanha audiência global. O que há de tão fascinante em transformar a
violência crua, a força bruta sem limites, em um espetáculo de entretenimento?
Multidões
se reúnem, seja em arenas lotadas ou diante de telas, para assistir a homens e
mulheres se destruindo mutuamente, como se estivéssemos revivendo os tempos do
Coliseu romano, agora em uma versão eletrônica e globalizada.
No
Brasil, muitos permanecem acordados até altas horas da madrugada, vibrando com
socos, chutes e golpes que frequentemente ultrapassam os limites do que
poderíamos chamar de esporte.
Do
outro lado da tela, assistimos a uma plateia de romanos contemporâneos,
sedentos por violência. Quanto mais hematomas, quanto mais sangue, maior o
êxtase.
O UFC
parece alimentar um instinto primal, um desejo quase voyeurístico de presenciar
a destruição do outro, onde a vitória é celebrada mesmo que venha à custa de um
adversário já inconsciente, sendo golpeado sem piedade.
É nesse
momento que a multidão entra em delírio, como se desejasse que o árbitro jamais
interrompesse a luta, prolongando o espetáculo da brutalidade.
Recordo-me
dos debates de décadas atrás sobre a violência no boxe, quando ele era visto
como o ápice da agressividade esportiva. Hoje, comparado ao UFC, o boxe parece
uma competição de cavalheiros, regida por regras estritas e limites claros.
Há,
inclusive, uma certa poesia nos movimentos dos boxeadores, uma arte nos golpes
precisos e na estratégia que, por mais violenta que seja, ainda respeita uma
ética esportiva.
O boxe,
com suas luvas acolchoadas e pausas para recuperação, parece quase delicado
diante da intensidade do UFC, onde a luta muitas vezes só termina quando um dos
competidores está completamente derrotado, física e mentalmente.
Penso
também na minha infância, quando programas como o Telequete, com sua violência
simulada, já me causavam desconforto. Aquela encenação, embora inofensiva,
apontava para um fascínio humano pela agressividade, mesmo que em tom de
brincadeira.
O UFC,
no entanto, eleva esse fascínio a outro patamar. Aqui, a força bruta é
travestida de “arte marcial”, mas o que vemos frequentemente é a ausência de
qualquer misericórdia.
Lutadores
já nocauteados, sem condições de se defender, continuam a receber golpes
violentos na cabeça, enquanto o público aplaude, como se a vitória justificasse
tamanha desumanização.
Um dos
momentos mais chocantes da história do UFC no Brasil foi a lesão de Anderson
Silva, em 2013, durante a revanche contra Chris Weidman. A imagem de sua perna
se partindo ao meio, capturada em detalhes por câmeras lentas, chocou o mundo.
Mais do
que o destino de um lutador talentoso, aquele episódio expôs a fragilidade do
corpo humano e a brutalidade do esporte. Não era apenas um osso quebrado em
jogo, mas a nossa própria humanidade, da qual parecemos nos distanciar a cada
dia.
Enquanto
o público assistia, hipnotizado, à repetição do momento em que a tíbia de Silva
se fraturava, eu me perguntava: o que nos leva a transformar o sofrimento
alheio em entretenimento?
O UFC,
hoje uma indústria bilionária, não é apenas um esporte, mas um fenômeno
cultural que reflete os valores de uma sociedade que glorifica a violência.
Eventos
como o UFC 300, em 2024, que quebrou recordes de audiência e arrecadação,
mostram como o esporte se consolidou como um dos maiores espetáculos do mundo.
Lutadores
como Conor McGregor, com sua habilidade de transformar provocações em
marketing, elevaram o UFC a um status de entretenimento mainstream, onde a
violência é apenas parte do pacote - o drama, as rivalidades fabricadas e a
narrativa de superação também cativam o público.
Mas a
que custo? Não é apenas a brutalidade física que preocupa, mas o impacto
psicológico e social.
Estudos
recentes, como os publicados pela Journal of Sports Medicine em 2023, apontam
que lutadores de MMA (artes marciais mistas) enfrentam riscos significativos de
lesões cerebrais traumáticas, como a encefalopatia traumática crônica (CTE),
devido aos golpes repetitivos na cabeça.
Além
disso, o UFC, ao normalizar a violência extrema, contribui para uma cultura em
que a agressividade é celebrada como sinônimo de força e sucesso. Crianças e
jovens, que formam uma parcela significativa do público, crescem expostos a
esses valores, onde a vitória a qualquer preço parece justificar a
desumanização do adversário.
Lembro-me
da célebre frase de Charles Chaplin, em O Grande Ditador, que ressoa com força
diante desse cenário: “Não sois máquinas! Homens é que sois! E com o amor da
humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar. Os
que não se fazem amar e os inumanos!”.
Essas
palavras, ditas em um contexto de guerra e intolerância, continuam atuais. O
UFC, com sua celebração da violência, nos desafia a refletir: estamos realmente
conectados com nossa humanidade, ou apenas alimentando um ciclo de
desumanização disfarçado de entretenimento?
Enquanto
as arenas vibram e as telas transmitem golpes brutais, talvez seja hora de
questionarmos o que realmente estamos aplaudindo.
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