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segunda-feira, setembro 29, 2025

Toca-me


Ainda escrevo o que me resta. Os nomes das ruas tortuosas que se perdem em curvas antigas, os pássaros que atravessam o céu em voos inseguros, as árvores que conversam baixinho com o vento, como confidentes eternas.

Carrego essas pequenas certezas como quem segura fósforos acesos em meio à noite: frágeis, mas suficientes para iluminar o instante.

Nas calçadas molhadas, ouço vozes que ressoam. Às vezes penso que são as minhas; outras vezes, tenho a impressão de que são as tuas, devolvidas pela cidade como ecos de uma memória que não se deixa apagar.

As palavras, embaralhadas, parecem reflexos em vidro embaçado - fragmentos de histórias que não sei se vivi ou se apenas herdei de quem passou por aqui antes.

A vida, nesse ritmo, é uma sucessão de camadas: uma pele visível que todos enxergam, outra oculta, feita de silêncios, e tantas outras que se revelam apenas quando o coração, cansado, se deixa escavar pelo tempo.

A chuva cai em fios delicados, costurando o vazio com sua paciência. Escorre pelos muros, confunde-se com os gestos inacabados: mãos que não se tocaram, palavras que ficaram suspensas, olhares que desviaram no último instante.

Falamos, quando muito, do tempo - esse fio tão frágil que une silêncio e ausência, enquanto o relógio insiste em marcar não o que passa, mas o que se perde.

Ontem, na esquina, havia um homem. Um cigarro apagado entre os dedos, os olhos fixos num horizonte que não cabia ali. Parecia esperar uma resposta que nunca viria, um sinal discreto que pudesse salvar-lhe o dia.

Hoje, a esquina amanheceu vazia, mas o eco dele ficou. O espaço guardou sua espera, como se as pedras da rua tivessem aprendido a registrar o que os homens esquecem.

Também ficam os pequenos instantes que quase ninguém nota: a criança que deixou o guarda-chuva escapar e riu de sua própria distração, o cão que se lançou livre sob a tempestade como quem celebra, a mulher que cantava baixinho enquanto esperava o ônibus, afinando sua solidão em melodia.

A cidade, às vezes, guarda mais vida do que seus habitantes. E penso: quando as palavras falharem, quando o silêncio pesar como pedra, basta o toque.

Que ele seja a linguagem derradeira - um mapa desenhado na pele, uma promessa de que ainda estamos aqui, apesar do vazio, apesar da chuva.

Porque sempre há algo que pulsa. Talvez um pássaro. Talvez uma voz. Talvez nós.

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