A imagem
acima focalizam o trecho da Serra de Carajás, no sul do Pará, que ganhou fama
mundial como "Serra Pelada" na década de 1980 e sua aparência
hodierna, transformada em um imenso lago artificial contaminado. (Imagem
abaixo)
A Serra
dos Carajás é um acidente geográfico de grande relevância mineral, concentrando
uma das maiores reservas de minério de ferro do planeta, além de ouro, manganês
e outros metais preciosos. Localizada na região sudeste do Pará, próxima a
Marabá, essa formação montanhosa faz parte do escudo cristalino da Amazônia e
atraiu atenção global a partir do final dos anos 1970.
Tudo
começou em dezembro de 1979, quando o agricultor Genésio Ferreira da Silva, morador
local, encontrou uma pepita de ouro de cerca de 6 quilos enquanto cavava um
riacho próximo à sua propriedade, no igarapé Bahia. Ao escavar mais
profundamente, ele e seus filhos descobriram pepitas ainda maiores, algumas
chegando a pesar até 10 quilos.
A
notícia se espalhou rapidamente como um "boca a boca" irresistível,
impulsionada pela crise econômica do Brasil na época - com inflação galopante e
desemprego em alta -, atraindo milhares de aventureiros, principalmente do
Norte e Nordeste, em busca de riqueza rápida.
Em
poucas semanas, o local virou um formigueiro humano. Pepitas de 1 kg, 5 kg e
até 10 kg eram extraídas manualmente, sem qualquer equipamento moderno.
A
escavação era completamente desordenada: garimpeiros independentes, sem
regulamentação ou organização central, removiam a vegetação nativa e cavavam
barrancos improvisados com pás, picaretas e cordas.
Em
março de 1980, os próprios trabalhadores dividiram a serra em lotes iguais,
chamados de "barrancos", e, ao desmatar toda a cobertura vegetal,
revelaram a rocha nua - daí o nome "Serra Pelada".
O
garimpo era ilegal, mas o fluxo incessante de pessoas - estimado em até 5 mil
garimpeiros nos primeiros meses - tornava impossível qualquer repressão efetiva
pelo governo federal.
Moradores
de todo o Brasil, inclusive do Rio Grande do Sul e de São Paulo, investiam suas
economias em passagens de ônibus ou aviões para tentar a sorte. Em julho de
1980, a população local já ultrapassava 30 mil pessoas, vivendo em barracos de
lona e madeira em condições precárias.
Diante
do caos, o governo de João Figueiredo interveio. Em março de 1980, a Docegeo -
subsidiária da Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale S.A.) - foi designada
para administrar o garimpo, comprando e vendendo o ouro extraído, o que trouxe
alguma formalidade.
No
mesmo ano, o major Sebastião Rodrigues de Moura, conhecido como Major Curió
(veterano da Guerrilha do Araguaia), foi nomeado interventor federal. Ele
organizou o local como uma "república garimpeira", fundando a cidade
de Curionópolis em 1981 para abrigar os trabalhadores.
A nova
município ganhou uma paróquia católica, um hospital improvisado, agência dos
Correios e até uma pista de pouso, mas faltavam infraestrutura básica: não
havia energia elétrica regular, saneamento ou água potável.
Os
barrancos foram padronizados em lotes de 2x3 metros, distribuídos por sorteio,
e Curió impôs regras rígidas, como proibição de armas e divisão equitativa.
O auge
veio entre 1983 e 1985, quando Serra Pelada abrigava cerca de 100 mil pessoas -
equivalente a uma cidade média brasileira na época. Fotografias icônicas de
Sebastião Salgado capturaram o cenário apocalíptico: milhares de homens subindo
e descendo escadas precárias como formigas, carregando sacos de terra sob chuva
torrencial.
No
entanto, o ouro superficial se esgotava rapidamente. Conflitos armados
eclodiram: disputas por lotes, invasões de barrancos alheios e rebeliões contra
a administração.
Em
1984, uma greve geral paralisou o garimpo por semanas, exigindo melhores
condições. O governo respondeu com presença militar, mas a violência resultou
em dezenas de mortes.
A
elevação original de cerca de 150 metros de altura foi transformada em uma
cratera gigantesca de 200 metros de profundidade e 1,5 km de diâmetro. A partir
de 1990, o lençol freático foi atingido, inundando o fundo com água ácida e
dificultando a extração manual.
O
garimpo foi oficialmente encerrado em 1992 pela Vale, que assumiu a mineração
industrial. Ao todo, entre 1980 e 1992, cerca de 115 mil garimpeiros extraíram
aproximadamente 100 toneladas de ouro - valor estimado em bilhões de dólares
atuais -, mas a maioria saiu de mãos vazias, endividada com atravessadores.
A
população de Curionópolis despencou de 100 mil para cerca de 20 mil habitantes
em poucos anos, marcando um êxodo em massa. Muitos retornaram às origens na
miséria; outros se estabeleceram na região, dependendo de agricultura de
subsistência ou garimpo clandestino.
Hoje, 45
anos após o boom, o antigo garimpo é um lago tóxico de 100 metros de
profundidade, contaminado por mercúrio - usado no processo de amálgama para
separar o ouro da terra.
Estudos
da Fiocruz e do Ministério da Saúde revelam altos níveis de mercúrio no solo,
água e peixes, causando problemas neurológicos, renais e tremores em
ex-garimpeiros e moradores.
Apesar
da proibição, o garimpo ilegal persiste em áreas periféricas, impulsionado pela
alta do ouro no mercado internacional e pela pobreza local. Em 2008, a
Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp) foi criada
para explorar reservas remanescentes de forma legal, mas disputas judiciais com
a Vale travam o progresso.
Curionópolis,
com cerca de 18 mil habitantes (IBGE 2022), sobrevive de pecuária, agricultura
familiar e remanescentes do minério. O lago, agora um símbolo de ambição
desmedida, atrai turistas e documentaristas, mas serve de alerta ambiental: a
contaminação afeta comunidades indígenas próximas, como os Xikrin, e o
ecossistema da Floresta Amazônica.
Serra
Pelada representa o lado sombrio do "eldorado brasileiro": um frenesi
que enriqueceu poucos, destruiu o meio ambiente e deixou legados de saúde
pública.
Suas
cicatrizes visíveis nas imagens contrastam com a memória de um Brasil em
transformação, onde sonhos de riqueza rápida colidiram com a realidade da
exploração descontrolada.










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