Maurício
do Valle, nascido no Rio de Janeiro em 1º de março de 1928 e falecido na mesma
cidade em 7 de outubro de 1994, foi um dos atores brasileiros mais versáteis e
marcantes de sua geração.
Com uma
carreira que abrangeu cinema, teatro e televisão, ele deixou um legado
inesquecível, especialmente por sua presença carismática e pela capacidade de
transitar entre papéis dramáticos, cômicos e até mesmo vilanescos.
Início no Cinema e na Televisão
A
trajetória de Maurício do Valle no mundo artístico começou de forma quase
casual, no início da década de 1950, quando respondeu a um anúncio de jornal
que buscava extras para o filme Tudo Azul (1951), dirigido por Moacyr Fenelon.
Essa
oportunidade abriu as portas do cinema, onde ele rapidamente se destacou pela
expressividade e pelo porte físico imponente, características que o tornaram
uma figura recorrente nas telas brasileiras.
Na
televisão, seu primeiro papel de destaque veio no final dos anos 1950, em um
teleteatro da TV Tupi, onde contracenou com Fernanda Montenegro na adaptação de
A Dama das Camélias.
No
papel do galã Armand Duval, Maurício demonstrou sua versatilidade, conquistando
o público com uma atuação sensível e marcante. Esse trabalho inicial na TV foi
apenas o começo de uma carreira prolífica no meio.
Consagração no Cinema com Glauber Rocha
Maurício
do Valle alcançou reconhecimento internacional ao interpretar o icônico Antônio
das Mortes, o caçador de cangaceiros, nos filmes Deus e o Diabo na Terra do Sol
(1964) e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), ambos dirigidos
por Glauber Rocha.
Essas
obras-primas do Cinema Novo brasileiro destacaram seu tipo rústico, com gestos
dramáticos e uma presença magnética que capturava a essência do sertão
brasileiro.
O
personagem Antônio das Mortes se tornou um marco na história do cinema
nacional, simbolizando a complexidade de um Brasil dividido entre tradição e
modernidade.
A
crítica elogiou sua interpretação, que misturava força bruta e uma inesperada
profundidade emocional. Apesar de ser reconhecido por papéis de homens durões,
Maurício do Valle se descrevia como um "grande romântico".
Essa
dualidade entre sua imagem pública e sua personalidade introspectiva adicionava
camadas aos personagens que interpretava, tornando suas atuações ainda mais
ricas.
Carreira na Televisão: Novelas e Minisséries
Na
televisão, Maurício consolidou sua carreira com papéis memoráveis em novelas e
minisséries. Um de seus primeiros grandes sucessos foi na novela Meu Pedacinho
de Chão (1971), escrita por Benedito Ruy Barbosa, com quem ele desenvolveria
uma parceria duradoura.
Outros
trabalhos com o autor incluíram Cabocla (1979) e Pé de Vento (1980), exibida
pela Rede Bandeirantes. Sua habilidade em dar vida a personagens rurais e
autênticos o tornou uma escolha natural para produções que exploravam o
universo do interior brasileiro.
Além
disso, Maurício participou de clássicos da TV brasileira, como O Tempo e o
Vento (1967) na TV Excelsior, A Última Testemunha (1968) na TV Record, Jerônimo
(1972) na TV Tupi e Rosa Baiana (1981) na Rede Bandeirantes.
Na Rede
Globo, ele brilhou como o Gigante no infantil Sítio do Pica-Pau Amarelo,
encantando gerações de espectadores, e como o Delegado Feijó na icônica novela
Roque Santeiro (1985), de Dias Gomes, onde sua atuação trouxe humor e
autoridade ao personagem.
Também
participou de seriados como Carga Pesada e de episódios do programa interativo
Você Decide, além de especiais como Alice e O Segredo da Arte da Palavra.
Na Rede
Manchete, Maurício do Valle marcou presença em produções de grande impacto,
como as minisséries A Rainha da Vida (1987) e Escrava Anastácia (1990), além
das novelas Kananga do Japão (1989), Pantanal (1990) e A História de Ana Raio e
Zé Trovão (1990), onde interpretou o carismático Cabeção.
Esta
última novela foi reprisada pelo SBT em 2010, permitindo que novas gerações
descobrissem seu talento.
Presença nos Trapalhões e Outros Trabalhos
Maurício
também se destacou como coadjuvante em produções cômicas, especialmente no
programa Os Trapalhões, onde frequentemente interpretava vilões com um toque de
humor exagerado.
Nos
filmes do grupo, como Os Trapalhões e o Mágico de Oróz (1984), ele viveu o
Coronel Ferreira, um antagonista que se tornou memorável pela química com os
humoristas.
Sua
participação no Chico Anysio Show na década de 1980 reforçou sua versatilidade,
mostrando que ele podia transitar com facilidade entre o drama e a comédia.
Premiações e Reconhecimento no Cinema
Nas
décadas de 1960 e 1970, Maurício do Valle viveu o auge de sua carreira no
cinema, participando de dezenas de filmes e se tornando um dos atores mais
prolíficos da época.
Sua
presença constante nas telas lhe rendeu diversos prêmios, especialmente por
papéis em produções do Cinema Novo e em filmes populares que exploravam
temáticas regionais e históricas.
Trabalhos
como O Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte, e A Grande Feira (1961),
de Roberto Pires, consolidaram sua reputação como um ator de peso, capaz de
roubar a cena mesmo em papéis coadjuvantes.
Últimos Anos e Legado
O
último trabalho de Maurício do Valle em novelas foi uma participação especial
em Deus nos Acuda (1992), da Rede Globo, onde interpretou um delegado de
polícia contracenando com a inesquecível Dona Armênia, vivida por Aracy
Balabanian.
Mesmo
com a saúde fragilizada, ele ainda participou de um episódio de Você Decide e
do especial O Segredo da Arte da Palavra em 1994, demonstrando sua dedicação à
arte até o fim.
Maurício
faleceu em 7 de outubro de 1994, aos 66 anos, vítima de complicações
decorrentes de diabetes e problemas cardíacos. Três meses antes de sua morte,
ele passou por uma amputação de uma perna devido a problemas vasculares, e, na
madrugada do dia de seu falecimento, teve a outra perna amputada.
Segundo
seu irmão, o também ator Sérgio Valle, essas cirurgias abalaram profundamente
Maurício, que "perdeu a vontade de viver". Ele foi sepultado no
Cemitério do Catumbi, no Rio de Janeiro, deixando para trás uma carreira
brilhante e um vazio no cenário artístico brasileiro.
Legado e Memória
Maurício
do Valle foi muito mais do que um ator de papéis marcantes; ele foi um símbolo
da riqueza cultural do Brasil, transitando entre o cinema de vanguarda, a
televisão popular e o humor escrachado dos Trapalhões.
Sua
habilidade de dar vida a personagens tão diversos - do introspectivo Antônio
das Mortes ao cômico Cabeção - reflete a amplitude de seu talento.
Até hoje, suas atuações continuam a inspirar atores e diretores, e sua presença em reprises e retrospectivas mantém viva a memória de um dos grandes nomes da dramaturgia brasileira.