A Linguagem dos Primatas: Avanços, Limites e o Mistério das Perguntas Não Feitas
Desde a década de 1960,
cientistas têm explorado a capacidade de grandes primatas de utilizar formas de
comunicação complexas, como a linguagem de sinais.
Um marco histórico
ocorreu em 1966, quando a chimpanzé Washoe se tornou o primeiro primata não
humano a aprender a Língua de Sinais Americana (ASL, na sigla em inglês).
Sob a tutela dos
pesquisadores Allen e Beatrix Gardner, Washoe adquiriu um vocabulário de
aproximadamente 350 sinais, usando-os para expressar necessidades, emoções e
até conceitos abstratos, como "amor" e "tempo".
Esse feito revolucionou
as percepções sobre a inteligência animal e abriu caminho para estudos
subsequentes. Em 1972, a gorila Koko, treinada pela psicóloga Penny Patterson,
alcançou fama mundial ao dominar mais de 1.000 sinais da ASL e demonstrar
compreensão de cerca de 2.000 palavras faladas em inglês.
Koko não apenas se
comunicava de forma funcional, mas também expressava emoções complexas, como
tristeza pela perda de seu filhote, o gatinho All Ball, em 1984. Sua habilidade
de combinar sinais para criar novas expressões, como "anjo de água"
para descrever um peixe, sugeriu um nível de criatividade linguística antes
considerado exclusivo dos humanos.
Outro caso notável é o do
bonobo Kanzi, que, a partir de 1980, sob a orientação da pesquisadora Sue
Savage-Rumbaugh, demonstrou habilidades ainda mais impressionantes.
Kanzi aprendeu a usar um
painel de lexigramas - um conjunto de 400 símbolos gráficos que representam
palavras ou conceitos - para se comunicar.
Ele reconhecia cerca de
3.000 palavras em inglês e era capaz de formar frases simples, respondendo a
comandos complexos, como "pegue a bola que está na geladeira".
Diferentemente de Washoe
e Koko, Kanzi adquiriu grande parte de seu vocabulário de maneira espontânea,
observando as interações de sua mãe adotiva, Matata, durante os experimentos.
Apesar desses avanços
notáveis, um aspecto intrigante emergiu ao longo das décadas de pesquisa, entre
1966 e 2000: nenhum desses primatas demonstrou a capacidade de fazer perguntas
espontâneas.
Em milhares de interações
registradas, os pesquisadores observaram pedidos (como "dá comida"),
respostas a comandos e até expressões de sentimentos, mas nunca questionamentos
claros, como “quem?”, “onde?” ou “por quê?”.
Essa ausência de perguntas
espontâneas destacou uma possível barreira cognitiva fundamental entre a
comunicação primata e a linguagem humana. Esse fenômeno desencadeou debates
intensos na comunidade científica sobre os limites da cognição animal.
Enquanto humanos usam a
linguagem para explorar o desconhecido, formular hipóteses e questionar a
realidade, os grandes primatas parecem limitar-se a comunicações voltadas para
o presente imediato ou para expressar necessidades e emoções.
Alguns estudiosos, como o
linguista Noam Chomsky, argumentam que a capacidade de fazer perguntas reflete
uma habilidade exclusivamente humana, ligada à sintaxe recursiva - a capacidade
de construir frases complexas com estruturas hierárquicas.
Outros, como
Savage-Rumbaugh, sugerem que os primatas podem estar mais próximos dessa
habilidade do que se imagina, mas que os métodos de ensino ou as limitações dos
experimentos podem não ter permitido a expressão plena desse potencial.
Além disso, os estudos
com Washoe, Koko e Kanzi também levantaram questões éticas. Críticos apontaram
que manter primatas em cativeiro para experimentos, mesmo que
bem-intencionados, levanta dilemas sobre o bem-estar animal.
Por outro lado,
defensores argumentam que esses estudos não apenas ampliaram o conhecimento
sobre a cognição animal, mas também reforçaram a necessidade de proteger essas
espécies ameaçadas, destacando sua proximidade com os humanos.
Os avanços na pesquisa
com primatas continuam a inspirar novas abordagens, incluindo o uso de
tecnologias modernas, como interfaces cérebro-computador, para explorar a
comunicação animal.
Esses estudos reforçam a
ideia de que, embora os grandes primatas compartilhem muitas capacidades
cognitivas com os humanos, a linguagem humana permanece uma fronteira única,
marcada pela curiosidade insaciável expressa em perguntas que moldam nossa
compreensão do mundo.
0 Comentários:
Postar um comentário