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terça-feira, agosto 26, 2025

Álibi


Tudo se esquece, até mesmo os grandes amores. Essa é a melancolia intrínseca à vida, mas também sua estranha exaltação. O tempo, com sua corrente implacável, apaga as marcas mais profundas do coração, diluindo memórias que outrora pareciam eternas.

No entanto, há algo de sublime nesse esquecimento: ele nos liberta para novas perspectivas, para novos instantes de beleza e dor. Há, sim, uma certa maneira de enxergar as coisas - uma clareza fugaz que emerge em raros momentos, como um raio de luz cortando a névoa.

Essa visão, quando aparece, transforma o ordinário em extraordinário, ainda que por um breve instante. Por isso, apesar do peso da perda, é uma dádiva ter vivido um grande amor, mesmo que tenha sido uma paixão infeliz.

Ele se torna um marco, uma âncora na existência, um testemunho de que fomos capazes de sentir profundamente, de nos entregarmos ao caos e à beleza do humano.

Esse amor, mesmo que despedaçado, serve como um álibi para os desesperos sem razão que, de tempos em tempos, nos acometem. Quando a angústia sem nome nos invade, podemos olhar para trás e dizer: “Eu amei, eu sofri, eu vivi”.

E nisso há uma justificativa, uma narrativa que dá sentido ao absurdo da existência. Os grandes amores, felizes ou trágicos, são como estrelas que, mesmo extintas, continuam a brilhar em nossa memória.

Eles nos lembram que a vida, com toda sua impermanência, é feita de instantes que desafiam o vazio. Camus, com sua filosofia do absurdo, sugere que o sentido não está em evitar a dor ou o esquecimento, mas em abraçar a intensidade do momento, em encontrar beleza no efêmero.

Um grande amor, ainda que perdido, é uma rebelião contra a indiferença do universo - uma prova de que, por um instante, fomos maiores que o destino. Quando Camus escreveu sobre o amor e o absurdo, ele o fez em um contexto de pós-guerra, onde a Europa, devastada, buscava sentido em meio às ruínas.

Seus textos refletem a tensão entre o desejo humano de permanência e a realidade de um mundo que não oferece garantias. Um grande amor, nesse cenário, é tanto um refúgio quanto uma ferida: ele nos conecta à humanidade, mas também nos expõe à sua fragilidade.

Assim, a paixão infeliz não é apenas uma cicatriz; é um testemunho de coragem, de alguém que ousou enfrentar o absurdo e encontrar, mesmo que por um momento, algo que valesse a pena.

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