A Noite
das Facas Longas: O Expurgo que Consolidou o Poder de Hitler na Alemanha
Nazista
A Noite
das Facas Longas, também conhecida como Noite dos Longos Punhais ou Röhm-Putsch
(termo usado pela propaganda nazista), foi um expurgo político orquestrado pelo
regime nazista na Alemanha entre 30 de junho e 2 de julho de 1934.
Esse
evento marcou um momento crucial na consolidação do poder de Adolf Hitler,
eliminando opositores internos e externos ao Partido Nazista e garantindo o
apoio do exército alemão (Reichswehr).
Durante
essa operação, codinomeada "Kolibri" (colibri), dezenas de pessoas
foram executadas extrajudicialmente, e milhares de opositores políticos foram
presos, consolidando a autoridade de Hitler como "juiz supremo do povo
alemão".
Contexto
Histórico e a Ascensão de Hitler
Após
ser nomeado chanceler da Alemanha em 30 de janeiro de 1933 pelo presidente Paul
von Hindenburg, Adolf Hitler deu início ao processo de Gleichschaltung
(coordenação), que transformou a Alemanha em um estado unipartidário sob o
controle do Partido Nazista.
Durante
esse período, todos os partidos políticos rivais foram dissolvidos, e
instituições democráticas, como sindicatos e a imprensa livre, foram
suprimidas. No entanto, mesmo com o fortalecimento de seu poder político,
Hitler enfrentava desafios significativos, tanto dentro quanto fora do partido.
A
Sturmabteilung (SA), conhecida como "camisas-pardas" devido aos seus
uniformes, era uma organização paramilitar do Partido Nazista que desempenhou
um papel fundamental na ascensão de Hitler.
Formada
a partir dos Freikorps, grupos nacionalistas de ex-combatentes da Primeira
Guerra Mundial descontentes com o Tratado de Versalhes, a SA era liderada por
Ernst Röhm, um aliado próximo de Hitler desde os primeiros dias do movimento
nazista.
Sob o
comando de Röhm, a SA cresceu exponencialmente durante a Grande Depressão,
alcançando cerca de três milhões de membros em 1934. A organização era
conhecida por sua violência nas ruas, frequentemente enfrentando comunistas e
sociais-democratas em conflitos que desestabilizavam a já frágil República de
Weimar.
Apesar
de sua lealdade ao nazismo, a SA representava uma ameaça ao controle de Hitler.
Röhm defendia uma "segunda revolução" que promoveria mudanças sociais
radicais, incluindo a redistribuição de riqueza e a substituição do Reichswehr
pela SA como o principal exército alemão.
Essa
visão colocava Röhm em conflito direto com a cúpula militar, que via a SA com
desprezo, considerando-a uma força desordeira e indisciplinada. Além disso, a
homossexualidade assumida de Röhm, amplamente conhecida, era usada por seus
inimigos como pretexto para desmoralizá-lo perante os setores conservadores da
sociedade alemã.
O
Conflito entre a SA e o Reichswehr
A
tensão entre a SA e o Reichswehr, o exército oficial alemão limitado a 100 mil
homens pelo Tratado de Versalhes, era um dos principais obstáculos à
consolidação do poder de Hitler.
A
cúpula militar, liderada por figuras como o general Werner von Blomberg,
ministro da Defesa, e o presidente Hindenburg, via a SA como uma ameaça à sua
autoridade. Röhm, por sua vez, sonhava em transformar a SA no núcleo de um novo
exército nacional, absorvendo o Reichswehr.
Em
janeiro de 1934, ele enviou um memorando a Blomberg propondo a fusão das duas
forças, o que foi categoricamente rejeitado. A hostilidade entre as duas
organizações era agravada pelas declarações públicas de Röhm.
Ele
criticava abertamente os oficiais do Reichswehr, chamando-os de "velhos
suínos" que deveriam ser substituídos por jovens leais ao nazismo. Em uma
reunião em fevereiro de 1934, Hitler, sob pressão do exército, forçou Röhm a
assinar um acordo reconhecendo a supremacia do Reichswehr.
No
entanto, Röhm, em particular, desdenhou do acordo, chamando Hitler de
"ridículo" e afirmando que não seguiria suas ordens. Além disso,
setores conservadores da sociedade alemã, incluindo industriais e a elite
política, estavam alarmados com a violência contínua da SA.
Mesmo
após a consolidação do poder nazista, os "camisas-pardas" continuavam
a aterrorizar as ruas, atacando opositores, bêbados e qualquer um que
considerassem uma ameaça. Essas ações alienavam a classe média e os setores
conservadores, que viam a SA como uma força desestabilizadora.
A
Preparação para o Expurgo
A
decisão de eliminar a SA e seus líderes foi impulsionada por uma coalizão de
forças dentro do Partido Nazista, incluindo Heinrich Himmler (chefe da SS),
Hermann Göring (premiê da Prússia e figura influente no partido) e Joseph
Goebbels (ministro da Propaganda).
Esses
líderes viam Röhm como uma ameaça à estabilidade do regime e ao controle
absoluto de Hitler. Himmler, em particular, invejava o poder da SA e trabalhava
para fortalecer a Schutzstaffel (SS), uma organização paramilitar de elite
diretamente subordinada a Hitler.
Em
abril de 1934, Göring transferiu o controle da polícia política da Prússia para
Himmler, enfraquecendo ainda mais a influência de Röhm. Enquanto isso, a SS,
sob a liderança de Reinhard Heydrich, começou a fabricar provas falsas de que
Röhm planejava um golpe contra Hitler, supostamente financiado pela França com
12 milhões de marcos.
Essas
acusações, embora infundadas, serviram como justificativa para o expurgo. A
pressão para agir contra Röhm aumentou em junho de 1934, quando o
vice-chanceler Franz von Papen, um conservador aliado de Hindenburg, fez um
discurso na Universidade de Marburg criticando o regime nazista e alertando
sobre o risco de uma "segunda revolução" liderada pela SA.
Esse
discurso enfureceu Hitler e intensificou a percepção de que a SA representava
uma ameaça iminente. Hindenburg, por sua vez, ameaçou impor a lei marcial caso
Hitler não controlasse a situação, o que poderia enfraquecer o regime nazista.
Em 26
de junho, Hitler, Himmler e Göring finalizaram a lista de alvos do expurgo, que
incluía não apenas líderes da SA, mas também opositores políticos, como
ex-nazistas, conservadores e figuras ligadas à antiga elite de Weimar.
No dia
seguinte, Hitler colocou suas forças em alerta e planejou a operação, que
deveria ser rápida e discreta. O codinome "Kolibri" foi escolhido
aleatoriamente para designar a missão.
A
Execução do Expurgo
Na
madrugada de 30 de junho de 1934, Hitler liderou pessoalmente a operação em
Munique. Acompanhado por tropas da SS e da polícia, ele dirigiu-se ao hotel em
Bad Wiessee, onde Röhm e outros líderes da SA estavam reunidos.
Chegando
ao local, Hitler invadiu o quarto de Röhm, acordando-o e declarando sua prisão.
Outros líderes da SA, como Edmund Heines, foram detidos, alguns em
circunstâncias humilhantes, como no caso de Heines, encontrado na cama com um
jovem subordinado.
Em
Munique, Hitler destituiu líderes da SA de seus cargos e confiscou suas
insígnias. Enquanto isso, em Berlim, Göring e Himmler coordenavam a operação,
com a Gestapo (polícia secreta nazista) e a SS executando prisões e
assassinatos.
Entre
as vítimas estavam Kurt von Schleicher, ex-chanceler, e sua esposa, mortos em
sua casa; Gregor Strasser, líder da ala strasserista do Partido Nazista, que
defendia um nazismo mais "socialista"; e Gustav Ritter von Kahr, que
havia frustrado o Putsch da Cervejaria em 1923.
Até
mesmo figuras menos relevantes, como o crítico musical Willi Schmid, foram
mortos por engano, confundidos com alvos políticos. Em Berlim, a Gestapo
invadiu o gabinete do vice-chanceler Franz von Papen, executando seu
secretário, Herbert von Bose, e o autor de seu discurso, Edgar Jung. Papen foi
preso, mas liberado dias depois sob a condição de não criticar o regime.
Outros
alvos incluíam líderes católicos, como Erich Klausener, e opositores de longa
data do nazismo. O destino de Ernst Röhm foi selado em 2 de julho. Preso na
prisão de Stadelheim, em Munique, ele recebeu a visita de Theodor Eicke (futuro
comandante do campo de concentração de Dachau) e outro oficial da SS, que lhe
ofereceram uma pistola para cometer suicídio.
Röhm
recusou, desafiando-os a dizer que, se deveria morrer, Hitler deveria fazê-lo
pessoalmente. Após dez minutos sem resposta, Eicke retornou e atirou em Röhm à
queima-roupa.
Consequências
e Reações
Oficialmente,
o regime nazista relatou 85 mortes durante a Noite das Facas Longas, mas
historiadores estimam que o número real pode ter chegado a centenas, com
milhares de prisões.
A
operação foi conduzida com brutal eficiência pela SS e pela Gestapo,
consolidando o poder dessas organizações dentro do regime. A eliminação da SA
como força política independente marcou o fim de sua influência e a ascensão da
SS como o principal instrumento de repressão do nazismo.
O
expurgo garantiu o apoio irrestrito do Reichswehr a Hitler. Em 13 de julho de
1934, em um discurso no Reichstag, Hitler justificou as execuções como uma
medida de "autodefesa do Estado" contra uma suposta conspiração
liderada por Röhm.
Ele
declarou-se o "juiz supremo do povo alemão", consolidando sua
autoridade absoluta. A propaganda nazista, liderada por Goebbels, apresentou o
expurgo como uma ação necessária para salvar a Alemanha do caos, enquanto
tentava suprimir informações detalhadas sobre as mortes.
A
reação pública foi mista. O exército, aliviado pela eliminação da SA, aplaudiu
a operação, apesar da morte de dois generais, Kurt von Schleicher e Ferdinand
von Bredow.
Hindenburg
enviou um telegrama a Hitler expressando sua "profunda gratidão". No
entanto, muitos alemães, especialmente a classe média, ficaram horrorizados com
a brutalidade das execuções, embora alguns admirassem a "coragem" de
Hitler em agir decisivamente.
A
imprensa, controlada pelo regime, limitou-se a divulgar a narrativa oficial,
mas rumores sobre a violência se espalharam rapidamente. A SA foi reorganizada
sob o comando de Viktor Lutze, um líder fraco que seguiu ordens estritas de
Hitler para reduzir a influência da organização.
A SA
foi proibida de realizar atos de violência e extravagâncias, como banquetes e
uso de limusines. Seu efetivo caiu de três milhões em 1934 para 1,2 milhão em
1938, e seu papel foi reduzido a atividades cerimoniais. Todas as referências a
Röhm foram apagadas, com a substituição de seu nome por lemas como "Blut
und Ehre" (sangue e honra).
Impacto
de Longo Prazo
A Noite
das Facas Longas foi um divisor de águas na história da Alemanha Nazista. Ela
eliminou qualquer possibilidade de oposição interna significativa ao regime e
consolidou a lealdade do Reichswehr, pavimentando o caminho para a
militarização agressiva da Alemanha nos anos seguintes.
Além
disso, o expurgo marcou o abandono definitivo de qualquer pretensão
"socialista" dentro do nazismo, alinhando o regime aos interesses das
elites industriais e militares.
O
evento também teve implicações jurídicas profundas. O ministro da Justiça,
Franz Gürtner, promulgou uma lei retroativa legalizando os assassinatos como
"atos de autodefesa do Estado", legitimando a suspensão do estado de
direito.
Essa
medida abriu precedentes para a erosão completa das garantias legais na
Alemanha, permitindo que o regime nazista operasse sem restrições judiciais.
A Noite
das Facas Longas também serviu como um aviso à população alemã e aos opositores
do regime. Qualquer resistência, mesmo que moderada, seria punida com violência
extrema.
Esse
clima de medo sufocou a formação de uma oposição organizada nos anos seguintes,
enquanto a SS e a Gestapo consolidavam seu papel como instrumentos de
repressão.
Legado
A Noite
das Facas Longas permanece como um dos episódios mais sombrios da ascensão do
nazismo, ilustrando a brutalidade e a determinação de Hitler em eliminar
qualquer obstáculo ao seu poder.
O
evento não apenas consolidou sua ditadura, mas também revelou a natureza do
regime nazista: um sistema baseado na violência, na manipulação e na eliminação
sistemática de dissidências. A expressão "Noite das Facas Longas"
deriva de uma canção da SA que celebrava a violência, mas tornou-se sinônimo de
traição e repressão política.
O
impacto do expurgo reverberou além das fronteiras da Alemanha, sinalizando ao
mundo a natureza implacável do regime nazista. Para os historiadores, a Noite
das Facas Longas é um marco na transição da Alemanha de uma democracia frágil
para uma ditadura totalitária, consolidando o caminho para os horrores que
culminariam na Segunda Guerra Mundial e no Holocausto.