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sexta-feira, julho 04, 2025

Holodomor, A Grande Viagem



 Gennkh Yagoda (direita) na companhia do escritor Máximo Gorki (esquerda). Enquanto vice-chefe da polícia política (O.G.P.U), Yagoda foi um dos principais responsáveis pela repressão dos camponeses, no âmbito da coletivização e da deskulakização


Holodomor e a Grande Viragem: Os Objetivos e Consequências da Coletivização na URSS

No final da década de 1920, sob a liderança de Josef Stálin, a União Soviética iniciou um ambicioso projeto de transformação econômica e social conhecido como a "Grande Viragem". Essa política visava modernizar rapidamente o país, consolidar o poder do Estado soviético e alinhar a sociedade aos ideais do socialismo.

Seus principais objetivos eram a coletivização da agricultura, a eliminação dos kulaks (camponeses mais abastados) enquanto classe social e a industrialização acelerada, financiada pela exportação de produtos agrícolas.

Contudo, a implementação dessas medidas resultou em uma das maiores tragédias do século XX, com destaque para o Holodomor, a fome devastadora que assolou a Ucrânia entre 1932 e 1933.

Objetivos da Grande Viragem

Coletivização da Agricultura: O Estado soviético buscava apropriar-se das terras, colheitas e gado dos camponeses, substituindo a agricultura familiar por fazendas coletivas (kolkhozes) e estatais (sovkhozes).

Esses novos sistemas permitiriam ao governo estabelecer cotas de produção, garantindo o abastecimento das cidades, das forças armadas e a exportação de grãos para financiar a industrialização.

A coletivização também visava aumentar o controle político sobre os camponeses, que representavam cerca de 82% da população soviética, forçando-os a apoiar o regime.

Deskulakização: A eliminação dos kulaks, camponeses considerados mais prósperos e associados à economia de mercado, era central para a política de Stálin. Acusados de serem "inimigos de classe", os kulaks foram expropriados, deportados ou executados, com o objetivo de destruir qualquer resistência à coletivização e consolidar a hegemonia do Estado.

Industrialização Acelerada: A receita obtida com a exportação de cereais e outros produtos agrícolas seria usada para financiar a construção de indústrias pesadas, como siderúrgicas, fábricas de máquinas e infraestrutura. A industrialização era vista como essencial para transformar a URSS em uma potência econômica e militar capaz de rivalizar com o Ocidente.

Implementação e Resistência

O processo de coletivização, iniciado formalmente em dezembro de 1929 por decisão do Comitê Central do Partido Comunista, foi conduzido de forma brutal. Funcionários do Partido, apoiados por brigadas de operários urbanos e ativistas, foram enviados ao campo para impor as novas políticas.

A profunda divisão entre o mundo urbano, dominado pelo Estado, e o rural, marcado pela tradição camponesa, transformou a coletivização em uma verdadeira guerra contra o modo de vida rural.

Os camponeses foram obrigados, muitas vezes sob violência extrema, a entregar seus bens e aderir aos kolkhozes ou sovkhozes. Aqueles classificados como kulaks enfrentaram repressão ainda mais severa: cerca de 2,8 milhões de pessoas foram deportadas, principalmente para regiões remotas como o Cazaquistão e a Sibéria, entre 1930 e 1933.

Dessas, aproximadamente 2,4 milhões foram deslocadas no contexto da deskulakização, e 340 mil sofreram repressão por resistirem às requisições de grãos. As deportações, frequentemente caóticas, resultaram na morte de cerca de 500 mil pessoas devido à fome, frio e trabalho forçado.

Os sobreviventes, empregados em atividades como extração de madeira, mineração ou construção de infraestrutura, viviam em condições desumanas, tratados como "colonos de trabalho" ou párias.

Além disso, cerca de 400 mil camponeses foram enviados para os campos de trabalho forçado do Gulag, administrados pela O.G.P.U. (precursora da NKVD), enquanto aproximadamente 30 mil foram executados.

A resistência camponesa foi intensa, com mais de 14 mil revoltas e distúrbios registrados entre 1930 e 1933, mobilizando cerca de três milhões de pessoas, especialmente nas regiões do Don, Volga, Cáucaso Norte, Cazaquistão e Ucrânia.

As revoltas eram motivadas por fatores como a recusa em aderir aos kolkhozes, a oposição à política antirreligiosa (que incluía o fechamento de igrejas e confisco de bens religiosos), a solidariedade com os kulaks perseguidos e a resistência às requisições de grãos, que deixavam as comunidades rurais à beira da fome.

O Holodomor: A Tragédia Ucraniana

Entre 1932 e 1933, a Ucrânia, uma das principais regiões agrícolas da URSS, foi devastada pelo Holodomor, uma fome artificial que matou milhões de pessoas. Embora a coletivização tenha causado dificuldades em várias regiões soviéticas, a Ucrânia sofreu de maneira desproporcional devido a políticas específicas impostas pelo regime.

O governo elevou as cotas de requisição de grãos a níveis impossíveis, mesmo diante de colheitas reduzidas, confiscando não apenas cereais, mas também sementes e alimentos armazenados pelas famílias.

Aldeias inteiras foram isoladas, e a mobilidade dos camponeses foi restringida, impedindo-os de buscar ajuda. As estimativas sobre o número de vítimas variam, mas estudos recentes apontam entre 3,5 e 7 milhões de mortes na Ucrânia, com impactos demográficos profundos.

O Holodomor não foi apenas uma consequência da má gestão econômica, mas uma política deliberada para quebrar a resistência ucraniana, que incluía movimentos nacionalistas e oposição à coletivização.

O regime soviético negou a existência da fome e proibiu qualquer menção pública ao tema, enquanto continuava a exportar grãos para o exterior. A fome também teve consequências culturais e sociais duradouras.

A destruição da elite rural ucraniana, a repressão de intelectuais e a imposição do idioma russo em instituições públicas enfraqueceram a identidade nacional ucraniana.

O Holodomor é reconhecido hoje por muitos países, incluindo o Canadá, Austrália e Ucrânia, como um genocídio, embora a Rússia e alguns outros Estados contestem essa classificação.

Contexto Internacional e Impacto Global

Enquanto a URSS enfrentava essa crise interna, o mundo passava pela Grande Depressão, o que aumentava a demanda por grãos soviéticos no mercado internacional. Apesar da fome generalizada, o governo de Stálin priorizou as exportações para financiar a industrialização, agravando a escassez interna.

A comunidade internacional teve conhecimento limitado do Holodomor na época, devido à censura soviética e à relutância de alguns governos ocidentais em confrontar a URSS, que começava a se posicionar como uma potência global.

Jornalistas como Gareth Jones tentaram expor a fome, mas enfrentaram descrédito, enquanto outros, como Walter Duranty, do The New York Times, minimizaram a crise, influenciados pela propaganda soviética.

Apenas décadas mais tarde, com a abertura de arquivos soviéticos e o trabalho de historiadores como Robert Conquest, o Holodomor ganhou maior visibilidade no Ocidente.

Legado e Percepção Contemporânea

A Grande Viragem e o Holodomor deixaram marcas profundas na história da URSS e, em particular, da Ucrânia. A coletivização alcançou alguns de seus objetivos econômicos, como o aumento da produção industrial e a consolidação do controle estatal, mas a um custo humano incalculável.

A agricultura soviética permaneceu ineficiente por décadas, e as cicatrizes sociais das deportações e da fome persistem até hoje. Na Ucrânia, o Holodomor é um símbolo de sofrimento e resistência, central para a identidade nacional moderna.

No Brasil e em outros países, o debate sobre o comunismo muitas vezes ignora ou simplifica esses eventos históricos, com visões polarizadas que variam entre a idealização do socialismo e a condenação absoluta de suas práticas.

Para compreender o impacto do Holodomor e da Grande Viragem, é essencial recorrer a fontes históricas confiáveis e reconhecer a complexidade das políticas stalinistas, que combinaram ambição modernizadora com repressão brutal.

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