Gennkh Yagoda (direita) na companhia do escritor Máximo Gorki (esquerda). Enquanto vice-chefe da polícia política (O.G.P.U), Yagoda foi um dos principais responsáveis pela repressão dos camponeses, no âmbito da coletivização e da deskulakização
Holodomor e a Grande Viragem: Os Objetivos e Consequências da Coletivização na URSS
No
final da década de 1920, sob a liderança de Josef Stálin, a União Soviética
iniciou um ambicioso projeto de transformação econômica e social conhecido como
a "Grande Viragem". Essa política visava modernizar rapidamente o
país, consolidar o poder do Estado soviético e alinhar a sociedade aos ideais
do socialismo.
Seus
principais objetivos eram a coletivização da agricultura, a eliminação dos
kulaks (camponeses mais abastados) enquanto classe social e a industrialização
acelerada, financiada pela exportação de produtos agrícolas.
Contudo,
a implementação dessas medidas resultou em uma das maiores tragédias do século
XX, com destaque para o Holodomor, a fome devastadora que assolou a Ucrânia
entre 1932 e 1933.
Objetivos da Grande Viragem
Coletivização
da Agricultura: O Estado soviético buscava apropriar-se das terras, colheitas e
gado dos camponeses, substituindo a agricultura familiar por fazendas coletivas
(kolkhozes) e estatais (sovkhozes).
Esses
novos sistemas permitiriam ao governo estabelecer cotas de produção, garantindo
o abastecimento das cidades, das forças armadas e a exportação de grãos para
financiar a industrialização.
A
coletivização também visava aumentar o controle político sobre os camponeses,
que representavam cerca de 82% da população soviética, forçando-os a apoiar o
regime.
Deskulakização:
A eliminação dos kulaks, camponeses considerados mais prósperos e associados à
economia de mercado, era central para a política de Stálin. Acusados de serem
"inimigos de classe", os kulaks foram expropriados, deportados ou
executados, com o objetivo de destruir qualquer resistência à coletivização e
consolidar a hegemonia do Estado.
Industrialização
Acelerada: A receita obtida com a exportação de cereais e outros produtos
agrícolas seria usada para financiar a construção de indústrias pesadas, como
siderúrgicas, fábricas de máquinas e infraestrutura. A industrialização era
vista como essencial para transformar a URSS em uma potência econômica e
militar capaz de rivalizar com o Ocidente.
Implementação e Resistência
O
processo de coletivização, iniciado formalmente em dezembro de 1929 por decisão
do Comitê Central do Partido Comunista, foi conduzido de forma brutal.
Funcionários do Partido, apoiados por brigadas de operários urbanos e
ativistas, foram enviados ao campo para impor as novas políticas.
A
profunda divisão entre o mundo urbano, dominado pelo Estado, e o rural, marcado
pela tradição camponesa, transformou a coletivização em uma verdadeira guerra
contra o modo de vida rural.
Os
camponeses foram obrigados, muitas vezes sob violência extrema, a entregar seus
bens e aderir aos kolkhozes ou sovkhozes. Aqueles classificados como kulaks
enfrentaram repressão ainda mais severa: cerca de 2,8 milhões de pessoas foram
deportadas, principalmente para regiões remotas como o Cazaquistão e a Sibéria,
entre 1930 e 1933.
Dessas,
aproximadamente 2,4 milhões foram deslocadas no contexto da deskulakização, e
340 mil sofreram repressão por resistirem às requisições de grãos. As
deportações, frequentemente caóticas, resultaram na morte de cerca de 500 mil
pessoas devido à fome, frio e trabalho forçado.
Os
sobreviventes, empregados em atividades como extração de madeira, mineração ou
construção de infraestrutura, viviam em condições desumanas, tratados como
"colonos de trabalho" ou párias.
Além
disso, cerca de 400 mil camponeses foram enviados para os campos de trabalho
forçado do Gulag, administrados pela O.G.P.U. (precursora da NKVD), enquanto aproximadamente
30 mil foram executados.
A
resistência camponesa foi intensa, com mais de 14 mil revoltas e distúrbios
registrados entre 1930 e 1933, mobilizando cerca de três milhões de pessoas,
especialmente nas regiões do Don, Volga, Cáucaso Norte, Cazaquistão e Ucrânia.
As
revoltas eram motivadas por fatores como a recusa em aderir aos kolkhozes, a
oposição à política antirreligiosa (que incluía o fechamento de igrejas e
confisco de bens religiosos), a solidariedade com os kulaks perseguidos e a
resistência às requisições de grãos, que deixavam as comunidades rurais à beira
da fome.
O Holodomor: A Tragédia Ucraniana
Entre
1932 e 1933, a Ucrânia, uma das principais regiões agrícolas da URSS, foi
devastada pelo Holodomor, uma fome artificial que matou milhões de pessoas.
Embora a coletivização tenha causado dificuldades em várias regiões soviéticas,
a Ucrânia sofreu de maneira desproporcional devido a políticas específicas
impostas pelo regime.
O
governo elevou as cotas de requisição de grãos a níveis impossíveis, mesmo
diante de colheitas reduzidas, confiscando não apenas cereais, mas também
sementes e alimentos armazenados pelas famílias.
Aldeias
inteiras foram isoladas, e a mobilidade dos camponeses foi restringida,
impedindo-os de buscar ajuda. As estimativas sobre o número de vítimas variam,
mas estudos recentes apontam entre 3,5 e 7 milhões de mortes na Ucrânia, com
impactos demográficos profundos.
O
Holodomor não foi apenas uma consequência da má gestão econômica, mas uma
política deliberada para quebrar a resistência ucraniana, que incluía
movimentos nacionalistas e oposição à coletivização.
O
regime soviético negou a existência da fome e proibiu qualquer menção pública
ao tema, enquanto continuava a exportar grãos para o exterior. A fome também
teve consequências culturais e sociais duradouras.
A
destruição da elite rural ucraniana, a repressão de intelectuais e a imposição
do idioma russo em instituições públicas enfraqueceram a identidade nacional
ucraniana.
O
Holodomor é reconhecido hoje por muitos países, incluindo o Canadá, Austrália e
Ucrânia, como um genocídio, embora a Rússia e alguns outros Estados contestem
essa classificação.
Contexto Internacional e Impacto Global
Enquanto
a URSS enfrentava essa crise interna, o mundo passava pela Grande Depressão, o
que aumentava a demanda por grãos soviéticos no mercado internacional. Apesar
da fome generalizada, o governo de Stálin priorizou as exportações para
financiar a industrialização, agravando a escassez interna.
A
comunidade internacional teve conhecimento limitado do Holodomor na época,
devido à censura soviética e à relutância de alguns governos ocidentais em
confrontar a URSS, que começava a se posicionar como uma potência global.
Jornalistas
como Gareth Jones tentaram expor a fome, mas enfrentaram descrédito, enquanto
outros, como Walter Duranty, do The New York Times, minimizaram a crise,
influenciados pela propaganda soviética.
Apenas
décadas mais tarde, com a abertura de arquivos soviéticos e o trabalho de
historiadores como Robert Conquest, o Holodomor ganhou maior visibilidade no
Ocidente.
Legado e Percepção Contemporânea
A
Grande Viragem e o Holodomor deixaram marcas profundas na história da URSS e,
em particular, da Ucrânia. A coletivização alcançou alguns de seus objetivos
econômicos, como o aumento da produção industrial e a consolidação do controle
estatal, mas a um custo humano incalculável.
A
agricultura soviética permaneceu ineficiente por décadas, e as cicatrizes
sociais das deportações e da fome persistem até hoje. Na Ucrânia, o Holodomor é
um símbolo de sofrimento e resistência, central para a identidade nacional
moderna.
No
Brasil e em outros países, o debate sobre o comunismo muitas vezes ignora ou
simplifica esses eventos históricos, com visões polarizadas que variam entre a
idealização do socialismo e a condenação absoluta de suas práticas.
Para
compreender o impacto do Holodomor e da Grande Viragem, é essencial recorrer a
fontes históricas confiáveis e reconhecer a complexidade das políticas
stalinistas, que combinaram ambição modernizadora com repressão brutal.
0 Comentários:
Postar um comentário