A
Inquisição, uma das instituições mais controversas da história da Igreja
Católica, teve suas raízes no século XIII, sob o pontificado do Papa Gregório
IX (1227-1241).
Durante
seu governo, ele promulgou duas bulas fundamentais que marcaram o reinício formal
da Inquisição: Excommunicamus et anathematizamus (1231), que estabelecia a pena
de morte para hereges obstinados, e Licet ad Capiendos (20 de abril de 1233),
que organizava a estrutura dos tribunais inquisitoriais.
Essas
bulas consolidaram a Inquisição como um instrumento da Igreja para combater
heresias, delegando sua execução, em grande parte, à recém-fundada Ordem dos
Pregadores, os Dominicanos, conhecidos por sua formação teológica e rigor
doutrinário.
Nos
séculos seguintes, a Inquisição atuou julgando, absolvendo ou condenando
indivíduos acusados de propagar ideias contrárias à ortodoxia católica.
As
penas, que variavam de penitências espirituais a castigos físicos, eram
frequentemente executadas pelo poder secular, uma vez que a Igreja não aplicava
diretamente punições corporais.
A
excomunhão era uma das sanções mais graves, privando os hereges de sacramentos
e declarando-os anátema - um reconhecimento oficial de sua exclusão da
comunidade cristã. Em casos de resistência persistente, a entrega ao braço
secular podia resultar em prisão perpétua ou morte na fogueira.
Tortura e Regulação
A
prática da tortura, embora controversa, foi regulamentada pelo Concílio de
Vienne (1311-1312), que determinava que seu uso deveria ser aprovado pelo bispo
diocesano e por uma comissão julgadora em cada caso.
A
tortura era vista como um recurso extremo no interrogatório, destinada a
extrair confissões de suspeitos de heresia. Apesar das restrições formais, a
aplicação da tortura variava amplamente, dependendo da região e dos
inquisidores, o que contribuiu para a reputação de crueldade da Inquisição.
Perseguição aos Valdenses e a Cruzada Albigense
Um dos
alvos iniciais da Inquisição foi a heresia cátara, combatida durante a Cruzada
Albigense (1209-1229), no sul da França. Os cátaros, que rejeitavam a
autoridade da Igreja e defendiam uma visão dualista do mundo, foram perseguidos
com violência, culminando na destruição de suas comunidades.
Paralelamente,
os valdenses, um movimento cristão que pregava a simplicidade e a pobreza
evangélica, também sofreram repressão, embora em menor escala.
Diferentemente
dos cátaros, os valdenses evitavam o confronto armado, preferindo fugir para
regiões remotas, como os Alpes, onde conseguiram sobreviver por décadas.
O
primeiro julgamento conhecido de um valdense por um tribunal inquisitorial
ocorreu em 1316, mais de um século após o surgimento do movimento.
Nesse
ano, um valdense foi condenado à prisão perpétua, enquanto outro foi queimado
na fogueira. Em 1319, 26 valdenses foram presos, e três receberam a pena de
morte.
A
perseguição se intensificou em 1487, quando o Papa Inocêncio VIII declarou uma
cruzada contra os valdenses, mobilizando um exército de 18 mil homens para
erradicá-los.
Forçados
a se refugiar nos Alpes, os valdenses enfrentaram condições extremas, mas
conseguiram preservar sua identidade religiosa por gerações.
A Inquisição Espanhola
No
final do século XV, a Inquisição assumiu uma nova forma na Península Ibérica,
sob os Reis Católicos, Isabel de Castela e Fernando de Aragão. Após o casamento
que unificou os reinos de Castela e Aragão, formando a base da Espanha moderna,
os monarcas solicitaram ao Papa Sisto IV, em 1478, a autorização para
estabelecer a Inquisição Espanhola.
O
objetivo era consolidar a unidade religiosa e política do reino, especialmente
após a conquista de territórios muçulmanos em Granada (1492).
A
Inquisição espanhola visava principalmente os cristãos-novos - judeus e
muçulmanos convertidos ao cristianismo, suspeitos de praticar secretamente suas
antigas religiões (criptojudaísmo e criptoislamismo).
Muitos
cristãos-novos foram obrigados a abandonar suas crenças ou deixar o país.
Aqueles que permaneciam e continuavam a praticar suas religiões em segredo
enfrentavam denúncias populares e julgamentos severos.
A Inquisição
Espanhola, liderada por figuras como Tomás de Torquemada, tornou-se notória por
sua eficiência e rigor, com autos de fé - cerimônias públicas de julgamento e
punição - que marcaram profundamente a memória coletiva.
A Inquisição em Portugal
Em Portugal,
a introdução da Inquisição, formalizada em 1536, foi influenciada por pressões
espanholas. O rei D. João III, enfrentando a relutância inicial do Papa,
ameaçou criar uma inquisição régia caso a autorização papal fosse negada.
A
Inquisição Portuguesa, embora semelhante a espanhola, teve particularidades,
como um foco intenso nos cristãos-novos de origem judaica, muitos dos quais
haviam fugido da Espanha após as expulsões de 1492.
A
instituição também foi usada para reforçar o controle político e religioso em
um reino que buscava afirmar sua identidade frente à influência espanhola.
Impacto Cultural e Histórico
A
Inquisição deixou um legado complexo e controverso. Como observa o historiador
Oliver Tosseri, a memória coletiva ocidental foi profundamente marcada por
episódios como a Cruzada Albigense e o fanatismo de inquisidores como
Torquemada.
A
Reforma Protestante no século XVI, o antipapismo anglicano, as críticas
iluministas de Voltaire contra o obscurantismo religioso e o anticlericalismo
dos séculos XIX e XX contribuíram para pintar a Inquisição como um símbolo de
intolerância e repressão.
Além
disso, a Inquisição esteve associada à destruição de livros e à censura de
ideias, um fenômeno que o historiador Roger Chartier descreve como a
"apropriação penal" dos discursos.
A
queima de livros, frequentemente realizada em espetáculos públicos, era o
reverso das práticas de patronagem cultural, como as dedicatórias oferecidas
aos príncipes e eclesiásticos.
Esses
atos de repressão não apenas silenciavam vozes dissidentes, mas também
reforçavam o controle da Igreja e do Estado sobre o conhecimento e a cultura
escrita.
Legado e Reflexão
A
Inquisição, em suas várias formas, reflete as tensões de uma Europa medieval e
moderna marcada por conflitos religiosos, políticos e culturais. Embora tenha
sido justificada como uma defesa da ortodoxia cristã, suas práticas de
perseguição, tortura e censura deixaram cicatrizes profundas na história.
O
estudo da Inquisição hoje convida à reflexão sobre os limites da intolerância e
o impacto duradouro da repressão cultural, bem como sobre os esforços
contemporâneos para promover a liberdade de expressão e a diversidade
religiosa.
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