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quarta-feira, julho 31, 2024

Histórico da Inquisição


A Inquisição, uma das instituições mais controversas da história da Igreja Católica, teve suas raízes no século XIII, sob o pontificado do Papa Gregório IX (1227-1241).

Durante seu governo, ele promulgou duas bulas fundamentais que marcaram o reinício formal da Inquisição: Excommunicamus et anathematizamus (1231), que estabelecia a pena de morte para hereges obstinados, e Licet ad Capiendos (20 de abril de 1233), que organizava a estrutura dos tribunais inquisitoriais.

Essas bulas consolidaram a Inquisição como um instrumento da Igreja para combater heresias, delegando sua execução, em grande parte, à recém-fundada Ordem dos Pregadores, os Dominicanos, conhecidos por sua formação teológica e rigor doutrinário.

Nos séculos seguintes, a Inquisição atuou julgando, absolvendo ou condenando indivíduos acusados de propagar ideias contrárias à ortodoxia católica.

As penas, que variavam de penitências espirituais a castigos físicos, eram frequentemente executadas pelo poder secular, uma vez que a Igreja não aplicava diretamente punições corporais.

A excomunhão era uma das sanções mais graves, privando os hereges de sacramentos e declarando-os anátema - um reconhecimento oficial de sua exclusão da comunidade cristã. Em casos de resistência persistente, a entrega ao braço secular podia resultar em prisão perpétua ou morte na fogueira.

Tortura e Regulação

A prática da tortura, embora controversa, foi regulamentada pelo Concílio de Vienne (1311-1312), que determinava que seu uso deveria ser aprovado pelo bispo diocesano e por uma comissão julgadora em cada caso.

A tortura era vista como um recurso extremo no interrogatório, destinada a extrair confissões de suspeitos de heresia. Apesar das restrições formais, a aplicação da tortura variava amplamente, dependendo da região e dos inquisidores, o que contribuiu para a reputação de crueldade da Inquisição.

Perseguição aos Valdenses e a Cruzada Albigense

Um dos alvos iniciais da Inquisição foi a heresia cátara, combatida durante a Cruzada Albigense (1209-1229), no sul da França. Os cátaros, que rejeitavam a autoridade da Igreja e defendiam uma visão dualista do mundo, foram perseguidos com violência, culminando na destruição de suas comunidades.

Paralelamente, os valdenses, um movimento cristão que pregava a simplicidade e a pobreza evangélica, também sofreram repressão, embora em menor escala.

Diferentemente dos cátaros, os valdenses evitavam o confronto armado, preferindo fugir para regiões remotas, como os Alpes, onde conseguiram sobreviver por décadas.

O primeiro julgamento conhecido de um valdense por um tribunal inquisitorial ocorreu em 1316, mais de um século após o surgimento do movimento.

Nesse ano, um valdense foi condenado à prisão perpétua, enquanto outro foi queimado na fogueira. Em 1319, 26 valdenses foram presos, e três receberam a pena de morte.

A perseguição se intensificou em 1487, quando o Papa Inocêncio VIII declarou uma cruzada contra os valdenses, mobilizando um exército de 18 mil homens para erradicá-los.

Forçados a se refugiar nos Alpes, os valdenses enfrentaram condições extremas, mas conseguiram preservar sua identidade religiosa por gerações.

A Inquisição Espanhola

No final do século XV, a Inquisição assumiu uma nova forma na Península Ibérica, sob os Reis Católicos, Isabel de Castela e Fernando de Aragão. Após o casamento que unificou os reinos de Castela e Aragão, formando a base da Espanha moderna, os monarcas solicitaram ao Papa Sisto IV, em 1478, a autorização para estabelecer a Inquisição Espanhola.

O objetivo era consolidar a unidade religiosa e política do reino, especialmente após a conquista de territórios muçulmanos em Granada (1492).

A Inquisição espanhola visava principalmente os cristãos-novos - judeus e muçulmanos convertidos ao cristianismo, suspeitos de praticar secretamente suas antigas religiões (criptojudaísmo e criptoislamismo).

Muitos cristãos-novos foram obrigados a abandonar suas crenças ou deixar o país. Aqueles que permaneciam e continuavam a praticar suas religiões em segredo enfrentavam denúncias populares e julgamentos severos.

A Inquisição Espanhola, liderada por figuras como Tomás de Torquemada, tornou-se notória por sua eficiência e rigor, com autos de fé - cerimônias públicas de julgamento e punição - que marcaram profundamente a memória coletiva.

A Inquisição em Portugal

Em Portugal, a introdução da Inquisição, formalizada em 1536, foi influenciada por pressões espanholas. O rei D. João III, enfrentando a relutância inicial do Papa, ameaçou criar uma inquisição régia caso a autorização papal fosse negada.

A Inquisição Portuguesa, embora semelhante a espanhola, teve particularidades, como um foco intenso nos cristãos-novos de origem judaica, muitos dos quais haviam fugido da Espanha após as expulsões de 1492.

A instituição também foi usada para reforçar o controle político e religioso em um reino que buscava afirmar sua identidade frente à influência espanhola.

Impacto Cultural e Histórico

A Inquisição deixou um legado complexo e controverso. Como observa o historiador Oliver Tosseri, a memória coletiva ocidental foi profundamente marcada por episódios como a Cruzada Albigense e o fanatismo de inquisidores como Torquemada.

A Reforma Protestante no século XVI, o antipapismo anglicano, as críticas iluministas de Voltaire contra o obscurantismo religioso e o anticlericalismo dos séculos XIX e XX contribuíram para pintar a Inquisição como um símbolo de intolerância e repressão.

Além disso, a Inquisição esteve associada à destruição de livros e à censura de ideias, um fenômeno que o historiador Roger Chartier descreve como a "apropriação penal" dos discursos.

A queima de livros, frequentemente realizada em espetáculos públicos, era o reverso das práticas de patronagem cultural, como as dedicatórias oferecidas aos príncipes e eclesiásticos.

Esses atos de repressão não apenas silenciavam vozes dissidentes, mas também reforçavam o controle da Igreja e do Estado sobre o conhecimento e a cultura escrita.

Legado e Reflexão

A Inquisição, em suas várias formas, reflete as tensões de uma Europa medieval e moderna marcada por conflitos religiosos, políticos e culturais. Embora tenha sido justificada como uma defesa da ortodoxia cristã, suas práticas de perseguição, tortura e censura deixaram cicatrizes profundas na história.

O estudo da Inquisição hoje convida à reflexão sobre os limites da intolerância e o impacto duradouro da repressão cultural, bem como sobre os esforços contemporâneos para promover a liberdade de expressão e a diversidade religiosa.

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