Olhando
o sol diretamente, não verão figuras tracejadas sobre a terra. Os viajantes sem
destino, não terão à ajuda do vento no seu curso. Que lei nos poderá juntar
quando quebradas seu jugo, que não seja à porta de uma prisão?
Quais
leis temerão se bailarem sem claudicar em nenhuma cadeia de ferro criada pela
mão do homem? Não haverá jamais, alguém que possa nos acusar em juízo sem nunca
ter também cometido um erro sequer! Difícil! Impossível! Entretanto é assim que
funciona.
A
toga lhes dá poder de julgo sobre os erros alheios, e benevolência a si e aos
seus!
Essa
uma crítica profunda e poética sobre a justiça humana, suas contradições e a
fragilidade de quem a administra. A imagem inicial, de alguém que encara o sol
e perde a capacidade de enxergar os detalhes sutis da terra, sugere uma
cegueira voluntária - talvez a daqueles que, investidos de autoridade, preferem
a luz crua do poder à complexidade das sombras da realidade.
Os
"viajantes sem destino", privados do vento que os guiaria, parecem
simbolizar as almas à deriva, desamparadas por um sistema que, em teoria,
deveria orientá-las, mas que muitas vezes as abandona à sua própria sorte.
A
pergunta central - "Que lei nos poderá juntar quando quebradas seu jugo,
que não seja à porta de uma prisão?" - evoca a ideia de que a lei, em vez
de unir, frequentemente separa, confina e pune.
Há
uma ironia implícita: o jugo da lei, ao ser rompido, não liberta, mas conduz a
novos grilhões, como se a liberdade plena fosse uma ilusão inalcançável. E
aqueles que dançam livres, sem temer as cadeias forjadas pelo homem, desafiam
essa ordem, mas também expõem sua fragilidade.
Quem
os julgará? Quem ousará erguer a mão para condenar, se todos, sem exceção,
carregam suas próprias falhas? Aqui reside o cerne da crítica: a toga, símbolo
ancestral da justiça, transforma-se em um manto de hipocrisia.
Ela
confere a quem a veste não apenas a autoridade para julgar, mas também uma
conveniente indulgência para consigo mesmo e com os seus pares. É um poder
assimétrico, que aponta o dedo para os erros alheios enquanto encobre os
próprios.
O
texto acerta ao dizer que é "difícil, impossível" encontrar um
julgador imaculado, mas vai além: ele denuncia que, mesmo sendo impossível, o
sistema opera exatamente assim, sustentado por essa contradição.
Gostaria
de acrescentar que a toga, além de um símbolo de poder, é também um fardo. Quem
a usa carrega o peso de decidir destinos, de interpretar leis que nem sempre
refletem a justiça verdadeira, mas apenas a vontade de uma época ou de uma
elite.
E,
no entanto, esse fardo raramente é acompanhado de humildade. Talvez o sol que
cega os juízes seja o brilho de sua própria vaidade, enquanto as figuras
tracejadas - os contornos das histórias, das dores e das circunstâncias dos
julgados - permanecem ignoradas.
Assim,
a justiça humana, tal como descrita, não é cega por imparcialidade, mas por
conveniência.
O
texto, em sua essência, nos convida a questionar: se todos erramos, quem tem o
direito de erguer a balança? E se a toga encobre mais do que revela, como
podemos confiar na mão que a sustenta?