O
sistema de pedágios no Brasil é, para muitos, uma cobrança em cascata que
penaliza duplamente os contribuintes. Tomemos como exemplo uma rodovia federal
construída com recursos públicos, oriundos dos impostos pagos pela população.
Após a
conclusão da obra, o governo realiza uma licitação, e uma construtora ganha a
concessão para operar e manter a rodovia. Durante a construção, são gastos
recursos com materiais, equipamentos, mão de obra e, não raro, valores
desviados em esquemas de corrupção, como propinas.
Pouco
tempo depois, a rodovia é entregue a uma concessionária privada, que passa a
gerenciá-la por décadas, cobrando pedágios muitas vezes exorbitantes.
A
justificativa oficial é que a concessionária será responsável pela manutenção e
melhorias da rodovia. No entanto, o governo, que já arrecada impostos para esse
fim, poderia assumir essa responsabilidade.
O que
frequentemente observamos é o Estado permitindo a deterioração das vias para,
posteriormente, justificar novas obras ou concessões, reiniciando o ciclo de
gastos. Essa prática levanta questionamentos: por que o contribuinte deve pagar
duas vezes - primeiro com impostos para construir a rodovia e depois com
pedágios para usá-la? Não é justo.
A
história dos pedágios no Brasil remonta ao período colonial. No século XVIII, a
Coroa Portuguesa autorizava a circulação de tropeiros apenas mediante o
pagamento de uma “recompensa” em pontos de arrecadação, os chamados
“registros”.
Esse
era o embrião do pedágio moderno. Mais grave ainda era o destino dessas
arrecadações: grande parte era enviada a Portugal para financiar a reconstrução
de Lisboa, devastada por um terremoto em 1755.
Assim,
os recursos extraídos do Brasil não beneficiavam a colônia, mas a metrópole,
numa prática que, de certa forma, ecoa no sentimento atual de que os pedágios
enriquecem concessionárias em detrimento do bem público.
Hoje, o
Brasil possui uma das maiores malhas rodoviárias concessionadas do mundo, com
destaque para o estado de São Paulo, que concentra o maior número de praças de
pedágio.
Desde
junho de 2000, São Paulo implementou o sistema “Sem Parar”, uma tecnologia que
utiliza um transmissor de radiofrequência (Tag ou Sticker TAG) fixado no
para-brisa do veículo, permitindo que motoristas passem pelas praças de pedágio
sem parar.
Esse
sistema, inicialmente pioneiro, foi expandido para estados como Minas Gerais,
Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul e Bahia, além de ser aceito em estacionamentos de shoppings e
aeroportos, eliminando a necessidade de tíquetes físicos.
Apesar
da praticidade, o sistema não reduz os custos elevados, que continuam a pesar
no bolso de motoristas, especialmente caminhoneiros, que dependem das rodovias
para trabalhar.
Embora
os pedágios sejam apresentados como uma taxa de serviço para a conservação das
vias públicas, a realidade muitas vezes contradiz essa narrativa.
Caminhoneiros
frequentemente relatam que percorrem longos trechos de rodovias concessionadas
em condições precárias, com buracos, sinalização deficiente e falta de
manutenção adequada.
Um
exemplo notório é a BR-381, conhecida como “Rodovia da Morte”, em Minas Gerais,
onde, apesar da cobrança de pedágios, os acidentes são frequentes devido às más
condições da pista.
Relatórios
da Confederação Nacional do Transporte (CNT) de 2024 apontam que cerca de 57%
das rodovias brasileiras apresentam algum tipo de problema, como pavimentação
irregular ou falta de sinalização, mesmo em trechos pedagiadas.
Além
disso, a privatização das rodovias trouxe à tona outros problemas. Escândalos
de corrupção, como os investigados na Operação Lava Jato, revelaram que algumas
concessões foram marcadas por superfaturamento e pagamento de propinas,
aumentando os custos das obras e, consequentemente, os valores dos pedágios.
Em
2023, a Controladoria-Geral da União (CGU) apontou irregularidades em contratos
de concessão em rodovias federais, incluindo a manipulação de licitações para
favorecer certas empresas. Esses casos reforçam a percepção de que o sistema de
pedágios, em muitos casos, prioriza interesses privados em vez do bem-estar
coletivo.
Por
outro lado, defensores das concessões argumentam que as rodovias pedagiadas
oferecem melhores condições de tráfego, segurança e serviços, como socorro
médico e mecânico, em comparação com vias mantidas exclusivamente pelo poder
público.
Contudo,
a disparidade entre o valor cobrado e a qualidade do serviço prestado gera
insatisfação generalizada. Em 2025, protestos de caminhoneiros em estados como
São Paulo e Paraná contra os altos custos dos pedágios evidenciaram a pressão
econômica sobre a categoria, que enfrenta também o aumento do preço do diesel e
a inflação.
A
questão dos pedágios no Brasil é, portanto, um reflexo de problemas mais
amplos: má gestão pública, corrupção sistêmica e a transferência de
responsabilidades do Estado para o setor privado, muitas vezes em detrimento do
cidadão.
Enquanto o contribuinte continua “pagando em dobro”, a sensação de injustiça persiste. A solução para esse impasse exige transparência nos contratos de concessão, fiscalização rigorosa das concessionárias e um debate honesto sobre o papel do Estado na manutenção da infraestrutura. Sem essas mudanças, o pedágio permanecerá como um símbolo de desigualdade e desconfiança.
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