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terça-feira, julho 15, 2025

Os Demônios e a Mensagem de Kirillov


 

A frase “O homem é infeliz porque não sabe que é feliz; é só por isso” é de Fiódor Dostoiévski e aparece em seu romance Os Demônios (Bésy, no original em russo), publicado em 1871-1872.

A citação é dita pelo personagem Alexei Nilych Kirillov, um engenheiro excêntrico e filósofo que desempenha um papel central na trama, marcada por debates existenciais e conflitos ideológicos.

A frase encapsula uma das reflexões mais profundas de Dostoiévski sobre a condição humana, a felicidade e a relação do homem com sua própria consciência.

No contexto de Os Demônios, Kirillov é um personagem complexo, obcecado por ideias metafísicas e pela questão da liberdade absoluta. Ele argumenta que a infelicidade humana não decorre da ausência de condições externas para a felicidade, mas da incapacidade de reconhecê-la no presente.

Para Kirillov, a felicidade é uma questão de percepção: ela existe, mas o homem, preso em sua busca incessante por um ideal inalcançável ou por validações externas, não a enxerga.

Essa ideia ressoa com os temas centrais do romance, que explora as tensões entre niilismo, fé, política revolucionária e a busca por sentido em um mundo em transformação.

Dostoiévski escreveu Os Demônios em um período de intensa convulsão social e política na Rússia do século XIX. Inspirado em eventos reais, como o assassinato de um estudante por um grupo revolucionário liderado por Sergei Nechaev, o romance critica os movimentos niilistas e socialistas radicais que ganhavam força na época.

Kirillov, com suas ideias radicais sobre a liberdade e a divindade do homem, representa uma faceta dessas tensões ideológicas. Sua frase sobre a felicidade reflete não apenas uma visão psicológica, mas também uma crítica filosófica à alienação espiritual e à obsessão por utopias que desvalorizam o momento presente.

A mensagem de Kirillov, e por extensão de Dostoiévski, vai além de uma simples observação sobre a psicologia humana. Ela sugere que a infelicidade pode ser um produto da própria consciência, que, ao se desconectar do imediato e do real, projeta a felicidade em um futuro inalcançável ou em condições externas que nunca se concretizam.

Essa perspectiva dialoga com outras obras de Dostoiévski, como Crime e Castigo e O Idiota, onde a luta interna dos personagens entre desejo, culpa e redenção reflete a busca por um sentido maior para a existência.

Além disso, a frase pode ser interpretada à luz do contexto espiritual do autor. Dostoiévski, profundamente influenciado pela fé ortodoxa cristã, frequentemente explorava a ideia de que a verdadeira felicidade está ligada à aceitação da vida como ela é, com suas imperfeições, e à conexão com algo maior, seja Deus, seja a humanidade.

Kirillov, no entanto, representa uma visão trágica: sua incapacidade de encontrar essa conexão o leva a um caminho de autodestruição, reforçando a ironia da frase - ele reconhece a possibilidade da felicidade, mas não consegue vivê-la.

No contexto histórico, Os Demônios foi recebido com controvérsia, sendo visto por alguns como uma crítica reacionária aos movimentos revolucionários e por outros como uma análise profética dos perigos do fanatismo ideológico.

A frase de Kirillov, embora aparentemente simples, carrega esse peso filosófico e social, convidando o leitor a refletir sobre suas próprias percepções de felicidade e sobre como a busca incessante por sentido pode, paradoxalmente, afastar o homem daquilo que ele já possui.

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