A frase
“O homem é infeliz porque não sabe que é feliz; é só por isso” é de Fiódor
Dostoiévski e aparece em seu romance Os Demônios (Bésy, no original em russo),
publicado em 1871-1872.
A
citação é dita pelo personagem Alexei Nilych Kirillov, um engenheiro excêntrico
e filósofo que desempenha um papel central na trama, marcada por debates
existenciais e conflitos ideológicos.
A frase
encapsula uma das reflexões mais profundas de Dostoiévski sobre a condição
humana, a felicidade e a relação do homem com sua própria consciência.
No
contexto de Os Demônios, Kirillov é um personagem complexo, obcecado por ideias
metafísicas e pela questão da liberdade absoluta. Ele argumenta que a
infelicidade humana não decorre da ausência de condições externas para a
felicidade, mas da incapacidade de reconhecê-la no presente.
Para
Kirillov, a felicidade é uma questão de percepção: ela existe, mas o homem,
preso em sua busca incessante por um ideal inalcançável ou por validações
externas, não a enxerga.
Essa
ideia ressoa com os temas centrais do romance, que explora as tensões entre
niilismo, fé, política revolucionária e a busca por sentido em um mundo em
transformação.
Dostoiévski
escreveu Os Demônios em um período de intensa convulsão social e política na
Rússia do século XIX. Inspirado em eventos reais, como o assassinato de um
estudante por um grupo revolucionário liderado por Sergei Nechaev, o romance
critica os movimentos niilistas e socialistas radicais que ganhavam força na
época.
Kirillov,
com suas ideias radicais sobre a liberdade e a divindade do homem, representa
uma faceta dessas tensões ideológicas. Sua frase sobre a felicidade reflete não
apenas uma visão psicológica, mas também uma crítica filosófica à alienação
espiritual e à obsessão por utopias que desvalorizam o momento presente.
A
mensagem de Kirillov, e por extensão de Dostoiévski, vai além de uma simples
observação sobre a psicologia humana. Ela sugere que a infelicidade pode ser um
produto da própria consciência, que, ao se desconectar do imediato e do real,
projeta a felicidade em um futuro inalcançável ou em condições externas que
nunca se concretizam.
Essa
perspectiva dialoga com outras obras de Dostoiévski, como Crime e Castigo e O
Idiota, onde a luta interna dos personagens entre desejo, culpa e redenção
reflete a busca por um sentido maior para a existência.
Além
disso, a frase pode ser interpretada à luz do contexto espiritual do autor.
Dostoiévski, profundamente influenciado pela fé ortodoxa cristã, frequentemente
explorava a ideia de que a verdadeira felicidade está ligada à aceitação da
vida como ela é, com suas imperfeições, e à conexão com algo maior, seja Deus,
seja a humanidade.
Kirillov,
no entanto, representa uma visão trágica: sua incapacidade de encontrar essa
conexão o leva a um caminho de autodestruição, reforçando a ironia da frase -
ele reconhece a possibilidade da felicidade, mas não consegue vivê-la.
No
contexto histórico, Os Demônios foi recebido com controvérsia, sendo visto por
alguns como uma crítica reacionária aos movimentos revolucionários e por outros
como uma análise profética dos perigos do fanatismo ideológico.
A frase de Kirillov, embora aparentemente simples, carrega esse peso filosófico e social, convidando o leitor a refletir sobre suas próprias percepções de felicidade e sobre como a busca incessante por sentido pode, paradoxalmente, afastar o homem daquilo que ele já possui.
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