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quarta-feira, julho 16, 2025

Velho, não.




Velho, não. Entardecido, talvez. Antigo, sim. Carregado de um tempo que não se mede em anos, mas em instantes que se alongam, em silêncios que pesam.

Tornei-me antigo porque a vida, tantas vezes, se demorou, hesitante, como se quisesse me ensinar a paciência. E eu a esperei, como um rio que aguarda a cheia, sabendo que as águas, quando vêm, transborda tudo - o coração, a memória, os sonhos.

A vida de Mia Couto, escritor moçambicano nascido em 1955, é entremeada por essa espera poética. Suas palavras, extraídas de sua vasta obra literária, refletem não apenas a experiência pessoal, mas também a alma de um povo que viveu a guerra civil em Moçambique (1977-1992), a luta pela independência contra o colonialismo português e a reconstrução de uma nação marcada por cicatrizes.

O "entardecer" de que fala não é apenas o envelhecimento do corpo, mas o amadurecimento de uma consciência que observa o tempo com reverência, como quem aprende com cada pausa, cada demora.

Ser "antigo", nesse contexto, é carregar a sabedoria de quem viu o mundo mudar - das ruas empoeiradas da Beira, onde Couto cresceu, às transformações de um Moçambique independente.

É carregar as histórias de um povo que, como o rio, enfrenta secas e cheias, mas segue fluindo. A espera, para Couto, não é passiva; é um ato de resistência, de quem sabe que a vida, com seus atrasos e silêncios, sempre traz algo novo para ensinar.

Suas obras, como Terra Sonâmbula e O Fio das Missangas, são testemunhos dessa espera, misturando realismo mágico com a oralidade africana, onde o tempo não é linear, mas cíclico, como as estações de um rio.

O trecho reflete também o contexto mais amplo da condição humana: a espera pela realização, pela mudança, pela cura. Em Moçambique, essa espera pode ser lida nas gerações que sonharam com a paz após décadas de conflito, ou nas comunidades que, ainda hoje, aguardam o progresso em um país rico em cultura, mas desafiado por desigualdades.

A metáfora do rio, tão recorrente na obra de Couto, evoca a paciência dos ciclos naturais, mas também a força inevitável da transformação. Assim como o rio transborda, a vida, mesmo demorada, traz suas cheias - momentos de plenitude, revelação ou renovação.

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