Velho,
não. Entardecido, talvez. Antigo, sim. Carregado de um tempo que não se mede em
anos, mas em instantes que se alongam, em silêncios que pesam.
Tornei-me
antigo porque a vida, tantas vezes, se demorou, hesitante, como se quisesse me
ensinar a paciência. E eu a esperei, como um rio que aguarda a cheia, sabendo
que as águas, quando vêm, transborda tudo - o coração, a memória, os sonhos.
A vida
de Mia Couto, escritor moçambicano nascido em 1955, é entremeada por essa espera
poética. Suas palavras, extraídas de sua vasta obra literária, refletem não
apenas a experiência pessoal, mas também a alma de um povo que viveu a guerra
civil em Moçambique (1977-1992), a luta pela independência contra o
colonialismo português e a reconstrução de uma nação marcada por cicatrizes.
O
"entardecer" de que fala não é apenas o envelhecimento do corpo, mas
o amadurecimento de uma consciência que observa o tempo com reverência, como
quem aprende com cada pausa, cada demora.
Ser
"antigo", nesse contexto, é carregar a sabedoria de quem viu o mundo
mudar - das ruas empoeiradas da Beira, onde Couto cresceu, às transformações de
um Moçambique independente.
É
carregar as histórias de um povo que, como o rio, enfrenta secas e cheias, mas
segue fluindo. A espera, para Couto, não é passiva; é um ato de resistência, de
quem sabe que a vida, com seus atrasos e silêncios, sempre traz algo novo para
ensinar.
Suas
obras, como Terra Sonâmbula e O Fio das Missangas, são testemunhos dessa
espera, misturando realismo mágico com a oralidade africana, onde o tempo não é
linear, mas cíclico, como as estações de um rio.
O
trecho reflete também o contexto mais amplo da condição humana: a espera pela
realização, pela mudança, pela cura. Em Moçambique, essa espera pode ser lida
nas gerações que sonharam com a paz após décadas de conflito, ou nas
comunidades que, ainda hoje, aguardam o progresso em um país rico em cultura,
mas desafiado por desigualdades.
A metáfora do rio, tão recorrente na obra de Couto, evoca a paciência dos ciclos naturais, mas também a força inevitável da transformação. Assim como o rio transborda, a vida, mesmo demorada, traz suas cheias - momentos de plenitude, revelação ou renovação.
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