Despedida e Canto à Pátria
Eu
me despeço, mas não para sempre. Volto à minha casa, aos refúgios dos meus
sonhos, onde a alma descansa e se reconcilia. Volto à Patagônia, onde o vento
açoita os estábulos com sua fúria indomada e salpica de espuma fresca as ondas
rebeldes do Oceano Pacífico.
Ali,
o céu é um manto de estrelas cortado por nuvens velozes, e a terra respira sob
o peso de geleiras milenares. Sou nada mais que um poeta: um coração que pulsa
com o mundo, que ama a todos, que vagueia errante por estradas de poeira e
esperança.
Amo
o mundo em sua inteireza, com suas dores e alegrias, suas montanhas e seus
vales. Em minha pátria, porém, há sombras: prendem-se os mineiros nas entranhas
da terra, onde o cobre sangra para sustentar nações distantes.
Os
soldados, com suas botas pesadas, pisam sobre os sonhos, mandando mais que os
juízes, enquanto a justiça se curva sob o peso da opressão. Ainda assim, amo
até as raízes mais profundas do meu pequeno país frio.
Amo
o cheiro úmido da araucária selvagem, o rugido do vendaval que desce do Sul,
carregando ecos de antigas batalhas dos mapuches, que resistiram com lanças e
coragem contra o invasor.
Amo
as campanas recém-compradas, que tocam nas vilas perdidas, anunciando a vida
simples, o pão quente, a roda de mate compartilhada ao entardecer.
Se
mil vezes eu tivesse que morrer, que seja ali, entre as cordilheiras que cortam
o céu, onde o condor voa livre e o horizonte não tem fim. Se mil vezes eu
tivesse que nascer, que seja ali, sob o olhar vigilante do vulcão Villarrica,
entre os lagos que refletem o azul de um tempo sem mácula.
Que
ninguém pense em mim, poeta passageiro. Pensemos, isso sim, em toda a terra, em
suas gentes humildes que golpeiam a mesa com amor e exigem justiça.
Não
quero que o sangue volte a manchar o pão que sustenta, os feijões que nutrem, a
música que consola.
Quero
que venha comigo o mineiro, com sua pele marcada pela poeira do deserto; a
criança, com seus olhos cheios de futuro; o advogado, que luta com palavras
afiadas; o marinheiro, que enfrenta as tormentas do mar; e o fabricante de
bonecas, que tece sonhos com mãos calejadas.
Que
entremos juntos no cinema, onde as histórias nos unem, e que bebamos o vinho
mais tinto, aquele que aquece o peito e faz brotar canções. Eu não vim para
resolver o mundo, com suas feridas abertas. Vim para cantar, para erguer a voz
como o vento da Patagônia, e quero que cantes comigo. Que nossas vozes se unam,
cruzem montanhas e oceanos, e cheguem aos corações que ainda acreditam na
beleza de sermos um.
“O vínculo com a terra natal de Pablo Neruda. Menciona
o cobre, um elemento central na economia e na história chilena, e os conflitos
sociais, que ecoam as lutas descritas por Pablo Neruda em outros poemas, como
os de Canto General.”
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