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terça-feira, setembro 10, 2024

Eu me despeço


 

Despedida e Canto à Pátria

Eu me despeço, mas não para sempre. Volto à minha casa, aos refúgios dos meus sonhos, onde a alma descansa e se reconcilia. Volto à Patagônia, onde o vento açoita os estábulos com sua fúria indomada e salpica de espuma fresca as ondas rebeldes do Oceano Pacífico.

Ali, o céu é um manto de estrelas cortado por nuvens velozes, e a terra respira sob o peso de geleiras milenares. Sou nada mais que um poeta: um coração que pulsa com o mundo, que ama a todos, que vagueia errante por estradas de poeira e esperança.

Amo o mundo em sua inteireza, com suas dores e alegrias, suas montanhas e seus vales. Em minha pátria, porém, há sombras: prendem-se os mineiros nas entranhas da terra, onde o cobre sangra para sustentar nações distantes.

Os soldados, com suas botas pesadas, pisam sobre os sonhos, mandando mais que os juízes, enquanto a justiça se curva sob o peso da opressão. Ainda assim, amo até as raízes mais profundas do meu pequeno país frio.

Amo o cheiro úmido da araucária selvagem, o rugido do vendaval que desce do Sul, carregando ecos de antigas batalhas dos mapuches, que resistiram com lanças e coragem contra o invasor.

Amo as campanas recém-compradas, que tocam nas vilas perdidas, anunciando a vida simples, o pão quente, a roda de mate compartilhada ao entardecer.

Se mil vezes eu tivesse que morrer, que seja ali, entre as cordilheiras que cortam o céu, onde o condor voa livre e o horizonte não tem fim. Se mil vezes eu tivesse que nascer, que seja ali, sob o olhar vigilante do vulcão Villarrica, entre os lagos que refletem o azul de um tempo sem mácula.

Que ninguém pense em mim, poeta passageiro. Pensemos, isso sim, em toda a terra, em suas gentes humildes que golpeiam a mesa com amor e exigem justiça.

Não quero que o sangue volte a manchar o pão que sustenta, os feijões que nutrem, a música que consola.

Quero que venha comigo o mineiro, com sua pele marcada pela poeira do deserto; a criança, com seus olhos cheios de futuro; o advogado, que luta com palavras afiadas; o marinheiro, que enfrenta as tormentas do mar; e o fabricante de bonecas, que tece sonhos com mãos calejadas.

Que entremos juntos no cinema, onde as histórias nos unem, e que bebamos o vinho mais tinto, aquele que aquece o peito e faz brotar canções. Eu não vim para resolver o mundo, com suas feridas abertas. Vim para cantar, para erguer a voz como o vento da Patagônia, e quero que cantes comigo. Que nossas vozes se unam, cruzem montanhas e oceanos, e cheguem aos corações que ainda acreditam na beleza de sermos um.

“O vínculo com a terra natal de Pablo Neruda. Menciona o cobre, um elemento central na economia e na história chilena, e os conflitos sociais, que ecoam as lutas descritas por Pablo Neruda em outros poemas, como os de Canto General.”

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