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sábado, dezembro 07, 2024

Nosso erro


O tempo que pertence à morte

Nisto erramos: em imaginar a morte como um evento distante, um marco que nos aguarda no horizonte do futuro, quando, na verdade, grande parte dela já se infiltrou em nossas vidas.

Cada hora que deixamos para trás, cada dia que se esvai, já pertence ao domínio da morte. O passado, que julgamos nosso, é, em silêncio, reclamado por ela.

Enganamo-nos ao crer que a morte é apenas o último suspiro, o instante final. Ela caminha conosco desde o primeiro choro, tecendo sua presença em cada escolha, em cada despedida, em cada momento que desliza de nossas mãos.

Quando olhamos para trás, vemos não apenas a vida que vivemos, mas também o que já entregamos à eternidade: os dias de juventude que se foram, as palavras não ditas, os sonhos que adiamos. Tudo isso, a morte já guarda.

Lembro-me de uma tarde, anos atrás, em que o sol dourava os campos e o riso de um amigo ecoava como se o tempo fosse infinito. Hoje, aquele amigo não está mais aqui, e aquela tarde, tão vívida em minha memória, pertence agora ao reino da morte.

Não porque foi triste, mas porque é passado - e o passado é o território onde a morte reina soberana. Quantas vezes, sem perceber, entregamos à morte nossos instantes de descuido, nossas horas gastas em rancores ou em temores do que ainda não veio?

E, no entanto, está verdade não deve nos paralisar. Compreender que a morte reivindica cada hora passada é também um convite para viver com mais plenitude o presente.

Cada momento que temos é uma oportunidade de subtrair algo ao domínio da morte, enchendo-o de sentido, de amor, de coragem. Pois, se o passado é dela, o agora é nosso - e é no agora que podemos construir algo que resista, mesmo que apenas na memória dos que ficam.

Caminho por uma cidade antiga, onde as pedras gastas das ruas contam histórias de gerações que vieram e se foram. Cada passo meu é ao mesmo tempo um ato de vida e uma entrega ao tempo que passa.

Vejo uma criança correndo, alheia à finitude, e um ancião que observa o mundo com olhos que já viram muito. Ambos, sem saber, compartilham o mesmo destino: o de verem suas horas, uma a uma, serem acolhidas pela morte.

E, ainda assim, há beleza nisso - na impermanência que nos faz humanos, na urgência que nos empurra a criar, a amar, a ser.

Se erramos ao ver a morte apenas à frente, podemos corrigir nosso olhar. Que vejamos a morte não como inimiga, mas como companheira silenciosa, que nos lembra de não desperdiçar o tempo que nos resta.

Que cada dia seja uma pequena vitória contra o esquecimento, um instante roubado à eternidade para ser vivido com verdade. 

Pois, embora a morte reivindique o passado, é no presente que escrevemos o que ela um dia levará - e é nossa tarefa fazer com que esse legado valha a pena. 

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