Uma das fumaças mais venenosas que enfrentamos
diariamente é aquela que sai dos escapamentos dos milhões de veículos que
congestionam as ruas das grandes metrópoles.
Carros, ônibus, caminhões e motos liberam uma mistura
nociva de gases, como monóxido de carbono, óxidos de nitrogênio e partículas
finas de fuligem, que pairam no ar e penetram profundamente nos pulmões de quem
respira essa atmosfera poluída.
No entanto, curiosamente, essa fonte de poluição
massiva não parece receber a mesma perseguição implacável que foi destinada ao
cigarro ao longo das últimas décadas.
Há quem suspeite que as grandes companhias produtoras
de cigarros, como a Philip Morris ou a British American Tobacco, possam estar
envolvidas em algum tipo de acordo velado com governos.
Talvez, em troca de aceitarem a “descriminação” imposta
ao tabaco, elas recebam benefícios financeiros ou incentivos fiscais nos
bastidores. Isso explicaria por que essas empresas não apenas toleram, mas até
colaboram com as campanhas antitabagismo, estampando imagens chocantes de
pulmões enegrecidos e alertas gráficos nos maços de cigarros.
Seria uma troca conveniente: carregar o estigma
público enquanto outras fontes de poluição, bem mais abrangentes, passam
despercebidas ou convenientemente ignoradas.
A realidade é que, todos os dias, toneladas de fuligem
tóxica e gases nocivos são despejados na atmosfera por uma infinidade de
fontes: indústrias soltam emissões de enxofre e metais pesados, queimadas
florestais liberam compostos cancerígenos, e usinas termoelétricas a carvão
expelem dióxido de carbono em quantidades colossais.
Só para ilustrar, um estudo da Organização Mundial da
Saúde estima que a poluição do ar, em grande parte causada por combustíveis
fósseis, seja responsável por cerca de 7 milhões de mortes prematuras por ano
no mundo.
Enquanto isso, o cigarro, que certamente não é
inofensivo - sendo ligado a mais de 8 milhões de mortes anuais, segundo a mesma
OMS, incluindo fumantes passivos - acaba carregando sozinho o título de vilão
supremo da saúde pública.
Não se trata aqui de defender o tabagismo, porque os
malefícios do cigarro são inegáveis: desde o câncer de pulmão até doenças
cardiovasculares, ele é um hábito que cobra um preço alto de quem o pratica.
Mas há, sim, uma hipocrisia evidente nessa narrativa
que aponta o dedo para o indivíduo fumante enquanto fecha os olhos para os
escapamentos vomitando fumaça preta nas avenidas ou para as chaminés das
fábricas que envenenam o ar de comunidades inteiras.
Por que o cidadão comum é bombardeado com campanhas
para largar o vício, enquanto as grandes corporações poluidoras - muitas vezes
protegidas por interesses econômicos ou lobby poderoso - continuam operando sem
o mesmo escrutínio?
Talvez o problema esteja na facilidade de culpar o
visível e o individual, como o fumante na esquina, em vez de enfrentar os
sistemas complexos e lucrativos que sustentam a poluição em larga escala.
O cigarro virou o bode expiatório perfeito: algo
tangível para demonizar, enquanto a fumaça tóxica dos veículos e das indústrias
segue sufocando o planeta com uma impunidade silenciosa.
É uma reflexão que não absolve o tabaco, mas questiona
por que a responsabilidade pela saúde pública parece recair tão desproporcionalmente
sobre os ombros de quem acende um cigarro, e não sobre aqueles que mantêm o ar
irrespirável para todos nós.