O
Projeto MKULTRA, frequentemente estilizado como MK-ULTRA, foi um programa
secreto e ilegal da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA)
voltado para experimentos em humanos, com foco no desenvolvimento de técnicas
de controle mental e lavagem cerebral.
Idealizado
durante o auge da Guerra Fria, sob a liderança do agente químico Sidney
Gottlieb, o programa buscava criar métodos para manipular a mente humana,
debilitar indivíduos e extrair confissões em interrogatórios e situações de
tortura.
Essas
técnicas incluíam o uso de drogas psicoativas, como LSD, mescalina e
barbitúricos, além de privação sensorial, eletrochoques e outras formas de
manipulação psicológica.
Origens
e Objetivos
Iniciado
no início dos anos 1950, o MKULTRA foi autorizado pelo então diretor da CIA,
Allen Dulles, em abril de 1953, e conduzido pela Diretoria de Ciência e
Tecnologia da CIA, especificamente pelo Escritório de Inteligência Científica.
O
programa foi motivado pelo clima de paranoia da Guerra Fria, com os Estados Unidos
temendo que nações adversárias, como a União Soviética e a China, estivessem
desenvolvendo técnicas avançadas de controle mental.
A CIA
buscava métodos para "quebrar" a psique humana, forçando indivíduos a
confessar segredos ou realizar ações contra sua vontade. Sidney Gottlieb,
conhecido como o "químico da CIA", foi o principal arquiteto do
projeto, desenvolvendo experimentos que incluíam a administração de drogas sem
o conhecimento ou consentimento das vítimas.
O
MKULTRA não se limitava a laboratórios controlados. Experimentos foram
realizados em universidades, hospitais, prisões e até em ambientes sociais,
muitas vezes sem que os participantes soubessem que estavam sendo usados como
cobaias.
Estrangeiros,
cidadãos americanos e até pessoas em situações vulneráveis, como pacientes
psiquiátricos, foram alvos. Estima-se que o programa tenha continuado
oficialmente até o final dos anos 1960, embora alguns pesquisadores e
ex-agentes da CIA, como Victor Marchetti, afirmem que as pesquisas podem ter
prosseguido clandestinamente, sob outros nomes ou formatos.
Experimentos
e Técnicas
As
experiências do MKULTRA envolveram uma ampla gama de métodos invasivos e
antiéticos. Entre as técnicas utilizadas estavam:
Administração
de drogas psicoativas: LSD foi amplamente usado, muitas vezes em doses
elevadas, para induzir estados alterados de consciência. Outras substâncias,
como mescalina, psilocibina e barbitúricos, também foram testadas.
Privação
sensorial e de sono: Indivíduos eram submetidos a longos períodos sem estímulos
sensoriais ou privados de sono para quebrar sua resistência psicológica.
Eletrochoques
e terapias invasivas: Técnicas como a "terapia de eletrochoque
regressivo" foram aplicadas, especialmente pelo psiquiatra Ewen Cameron,
que acreditava ser possível "reprogramar" a mente humana.
Manipulação
psicológica: Experimentos incluíam a exposição a mensagens subliminares, fitas
de áudio repetitivas e ataques verbais destinados a causar estresse extremo.
Muitas
dessas técnicas foram documentadas nos Manuais KUBARK, um conjunto de
diretrizes da CIA para interrogatórios, que mais tarde influenciariam métodos
de tortura usados em locais como Abu Ghraib e Guantánamo. Esses manuais,
parcialmente desclassificados, detalhavam como combinar privação sensorial,
drogas e pressão psicológica para extrair informações.
Envolvimento
Internacional
Embora
o MKULTRA fosse um programa americano, ele teve alcance internacional. No
Canadá, o psiquiatra Ewen Cameron, do Allan Memorial Institute, afiliado à
Universidade McGill, conduziu experimentos financiados pela CIA.
Cameron
utilizava técnicas extremas, como doses massivas de LSD, privação de sono e
"reprogramação" mental através de mensagens repetitivas.
Seus
métodos, realizados sem o consentimento dos pacientes, muitas vezes resultaram
em danos psicológicos permanentes, incluindo perda de memória e traumas graves.
Na
Inglaterra, o psiquiatra William Sargant colaborou com a CIA, realizando
experimentos semelhantes. Sargant, que também trabalhava com privação de sono e
drogas alucinógenas, compartilhava informações com Cameron, criando uma rede
transnacional de pesquisas antiéticas.
Essas
colaborações reforçam a natureza global do MKULTRA, que envolveu instituições
acadêmicas e médicas de prestígio, muitas vezes camufladas por fundações
aparentemente legítimas, como a Fundação Rockefeller, usada para canalizar
recursos sem levantar suspeitas.
Vítimas
e Impactos
As
vítimas do MKULTRA incluíam uma ampla gama de indivíduos, desde prisioneiros e
pacientes psiquiátricos até estudantes universitários e civis desavisados.
Um caso
notável ocorreu na Universidade de Harvard, onde o psicólogo Henry Murray
conduziu experimentos entre 1959 e 1962, submetendo estudantes a situações de
estresse extremo, incluindo ataques verbais e psicológicos.
Entre
os participantes estava Theodore "Ted" Kaczynski, que mais tarde se
tornaria conhecido como o Unabomber. Alguns pesquisadores sugerem que os
experimentos de Murray podem ter contribuído para o desequilíbrio psicológico
de Kaczynski, embora essa conexão permaneça especulativa.
Um dos
casos mais trágicos foi o do Dr. Frank Olson, um cientista da CIA que, sem seu
conhecimento, foi drogado com LSD em 1953. Dias depois, Olson caiu (ou foi
jogado) de uma janela de hotel em Nova York, em circunstâncias que permanecem
controversas.
Sua
morte é frequentemente citada como uma das poucas fatalidades diretamente
ligadas ao MKULTRA, embora o número real de vítimas seja desconhecido devido à
destruição de registros.
Revelações
e Investigações
O
MKULTRA permaneceu secreto até 1975, quando investigações do Congresso dos
Estados Unidos, conduzidas pelo Comitê Church e pela Comissão Rockefeller,
expuseram as atividades ilegais da CIA.
As
investigações foram desencadeadas por reportagens jornalísticas e pela pressão
pública, mas enfrentaram obstáculos significativos. Em 1973, o então diretor da
CIA, Richard Helms, ordenou a destruição de quase todos os arquivos do MKULTRA,
dificultando a reconstrução completa do programa.
Mesmo
assim, testemunhos de ex-agentes e documentos sobreviventes revelaram a
extensão das violações éticas. Em 1977, o senador Ted Kennedy abordou o caso no
Senado, denunciando que mais de 30 universidades e instituições participaram
dos experimentos, muitos envolvendo a administração de LSD a indivíduos sem seu
consentimento.
Kennedy
destacou a morte de Frank Olson e criticou a falta de rigor científico nos
experimentos, conduzidos por agentes sem qualificação adequada. Victor
Marchetti, ex-agente da CIA, afirmou em entrevistas que o programa nunca foi
completamente encerrado.
Segundo
ele, a agência continuou pesquisas de controle mental sob outros codinomes,
usando campanhas de desinformação para desviar a atenção pública. Marchetti
sugeriu que as próprias revelações do MKULTRA poderiam ser parte de uma
estratégia para encobrir operações ainda mais secretas.
Ação
Judicial e Consequências
Um dos
casos judiciais mais significativos relacionados ao MKULTRA foi movido por
Velma Orlikow, paciente do Allan Memorial Institute, e outros oito ex-pacientes
de Ewen Cameron.
Velma,
esposa do parlamentar canadense David Orlikow, foi submetida a doses massivas
de LSD e sessões de "lavagem cerebral" sem seu consentimento. Em
1979, após ler um artigo do New York Times sobre os experimentos, ela e outras
vítimas entraram com uma ação contra a CIA.
O caso,
conhecido como Orlikow et al. v. United States, resultou em um acordo em 1988,
com a CIA pagando indenizações às vítimas. Apesar disso, a maioria das
informações sobre o programa permanece classificada, e poucas vítimas receberam
compensação adequada.
Legado
e Controvérsias
O
Projeto MKULTRA deixou um legado sombrio, expondo a disposição de agências
governamentais de violar direitos humanos em nome da segurança nacional.
Suas
técnicas influenciaram métodos de interrogatório modernos, como os usados em
Guantánamo e Abu Ghraib, conforme documentado por historiadores como Alfred W.
McCoy em Uma Questão de Tortura e Darius Rejali em Tortura e Democracia.
Esses
autores traçam a evolução das práticas de tortura desde a Guerra Fria até a
Guerra ao Terror, destacando a continuidade das abordagens desenvolvidas no
MKULTRA.
Além
disso, o programa alimentou teorias da conspiração, muitas vezes usadas pela
CIA, segundo Marchetti, para desacreditar denúncias legítimas. A falta de
transparência e a destruição de documentos dificultam a compreensão total do
alcance do MKULTRA, mas seu impacto nas vítimas e na ética da pesquisa
científica permanece inegável.
Conclusão
O
Projeto MKULTRA representa um dos capítulos mais obscuros da história da CIA,
revelando até onde uma agência pode ir na busca por poder e controle.
Suas
práticas antiéticas, conduzidas sem consentimento e com consequências
devastadoras, continuam a levantar questões sobre a responsabilidade
governamental e a proteção dos direitos humanos.
Embora
as investigações dos anos 1970 tenham trazido alguma luz ao programa, a verdade
completa permanece obscurecida, e as cicatrizes deixadas nas vítimas e em suas
famílias persistem como um lembrete dos perigos do abuso de poder.