Vejo
homens assassinados ao meu redor, não por facas ou tiros, mas por algo mais
letal: a extinção lenta do que os fazia únicos. Caminho por corredores de
mortos, ruas de mortos, cidades de mortos - homens sem olhos próprios, sem
vozes que sejam suas, sem um átomo de si mesmos que não tenha sido moldado,
cortado, embalado para consumo.
Seus
desejos são slogans, suas raivas são roteiros, seus sonhos, cópias baratas de
anúncios que piscam na noite. Eles não são mais homens, são ecos. Carregam
cérebros entulhados com as manchetes do dia, almas costuradas com os fios das
telas, ideias que nunca ousaram crescer além das lições mastigadas do passado.
Cada um
é uma peça idêntica, cuspida pela mesma máquina: pensam o que mandam, compram o
que brilha, amam o que está na moda, odeiam o que apontam.
Onde
está o garoto que rabiscava perguntas nas margens dos cadernos? Onde está a
mulher que sonhava com um mundo que ninguém ainda viu? Afogados, ambos, num mar
de rostos sem nome, onde ser ninguém é a única lei.
A
individualidade morre em silêncio, enquanto a multidão aplaude. Querem-nos
iguais, alinhados, previsíveis - caixas numeradas que não rangem, não quebram,
não desafiam.
A mídia
sussurra o que devemos querer, as redes gritam o que devemos sentir, e nós
obedecemos, trocando o pulsar do sangue por um punhado de curtidas. Quem ainda
ousa ser diferente?
Quem
ainda carrega uma faísca que não veio de um algoritmo? Poucos. Raros. E esses,
o sistema mastiga com mais força, porque um homem que pensa por si é uma
rachadura no espelho da obediência.
E, no
entanto, mesmo nesse deserto de almas clonadas, há quem resista. Não por
heroísmo, mas por teimosia. Um velho que escreve versos num guardanapo, uma
jovem que pinta muros com verdades que ninguém quer ler.
Eles
não salvam o mundo, mas lembram que ele ainda pode ser nosso. Porque ser
alguém, de verdade, é o único crime que nunca perdoam - e a única arma que
nunca tomam.
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