Noite dos Cristais do
Reich, foi um progon contra os judeus pela Alemanha
Nazi na noite de 9–10 de novembro de 1938, levada a cabo pelas forças
paramilitares das SA e por civis alemães.
As autoridades alemãs
olharam para o acontecimento sem, no entanto, intervir. O nome Kristallnacht deve-se
aos milhões de pedaços de vidro partidos que encheram as ruas depois das
janelas das lojas, edifícios e sinagogas judaicas terem sido partidas.
As estimativas sobre o
número de vítimas causadas pela violência variam. Os primeiros relatos
indicavam que 36 judeus tinham sido mortos durante os ataques.
Mais recentemente, as
análises ao progrom efetuadas a documentos acadêmicos feitas
por historiadores como Richard J. Evans, refere um valor mais elevado, cerca de
91 mortos.
Quando se inclui as mortes
posteriores, devido a maus-tratos dos judeus detidos, e suicídios, o número de
mortos sobe a centenas. Além dos mortos, cerca de 30 000 judeus foram
detidos e enviados para campos de concentração.
As casas dos cidadãos
judeus, hospitais e escolas foram pilhados e destruídas pelos atacantes à
marretadas. Mais de mil sinagogas foram incendiadas (95 só em Viena) e
mais de sete mil negócios foram destruídos ou danificados.
Martin Gilbert escreve que
mais nenhum acontecimento na história dos judeus alemães entre 1933 e 1945 foi
tão difundido à medida que ia acontecendo, e os relatos dos jornalistas
estrangeiros que trabalhavam na Alemanha causaram ondas de choque em todo o
mundo.
O Times escreveu
na época: "Nenhum jornalista estrangeiro se dedicou a enegrecer a Alemanha
antes que o mundo pudesse superar o número de incêndios e espancamentos, de
assaltos violentos a pessoas indefesas e inocentes, que desonraram aquele país
ontem".
O pretexto para os ataques
foi o assassinato do diplomata alemão Ernet vom Rath por Herschel Grynszpan,
um polaco judeu nascido na Alemanha que vivia em Paris.
À Noite dos
Cristais seguiram-se perseguições econômicas e políticas aos judeus,
vistas pelos historiadores como uma parte da mais abrangente política racial da
Alemanha nazi, e o início da Solução Final e do Holocausto.
Primeiras perseguições
nazis
Na década de 1920, muitos judeus alemães foram
integrados na sociedade alemã como cidadãos alemães. Serviram no exército e na
marinha, e contribuíram em todos os sectores empresariais alemães, na ciência e
na cultura.
As condições para os judeus começaram a mudar
depois da nomeação de Adolf Hitler (líder do Partido Nazi nascido na
Áustria) para Chanceler da Alemanha em 30 de janeiro de 1933, e da Lei de
assumpção de poderes (23 de março de 1933) por Hitler depois do incêndio
do Reichstag em 27 de fevereiro de 1933.
Logo no seu início, o regime de Hitler rapidamente
começou a desenvolver alterações para introduzir politicas antijudaicas.
A propaganda nazi apontou o dedo a cerca de
500 000 judeus na Alemanha, representantes de apenas 0,86% da população,
como o inimigo responsável pela derrota alemã na Primeira Guerra Mundial e
pelo desastre econômico que se lhe seguiu, como a hiperinflação da década de
1929, e o Crash de Wall Street.
Iniciado em 1933, o governo alemão redigiu uma
série de leis antijudeus restringindo os direitos dos judeus alemães a
ganhar o seu próprio sustento, de usufruírem de cidadania plena e de acesso à
educação, incluindo a Lei da Restauração do Serviço Público
Profissional de 7 de abril de 1933, que proibia os judeus de trabalhar
na função pública.
As leis seguintes, datadas de 1935, Leis de
Nuremberg, retiraram a cidadania aos judeus alemães e os proibiam de casar com
não-judeus alemães.
Estas leis tiveram como resultado a exclusão dos
judeus da vida social e política da Alemanha. Muitos procuram asilo no
estrangeiro; centenas de milhares emigraram, mas como Chaim
Weizmaann escreveu em 1936:
"O Mundo parecia estar dividido em duas partes
- aqueles lugares onde os judeus não podiam viver, e aqueles onde não podiam
entrar".
Na Conferência de Évian a 6 de julho de 1938,
foi discutida a questão da imigração dos judeus e dos ciganos para outros
países.
Nessa altura em que a conferência teve lugar, mais
de 250 000 judeus já tinham fugido da Alemanha e da Áustria (que
tinha sido anexada pela Alemanha em março de 1938); mais de 300 000
judeus alemães e austríacos continuaram a procurar refúgio e asilo derivada da
opressão.
À medida que o número de judeus e de ciganos
desejosos de fugir aumentava, as restrições contra eles cresceram, com muitos
países restringindo as suas políticas de admissão de refugiados.
Em 1938, a Alemanha "tinha entrado numa nova
fase de atividade antissemita". Alguns historiadores acreditam que o
governo nazi tinha planejado novas operações de violência contra os judeus, e
estavam à espera de serem provocados; existem evidências destes planos em
1937.
Numa entrevista de 1997, o historiador alemão Hans
Mommsen afirmou que uma das principais motivações para o pogrom era
o desejo por parte dos Gauleiters do NSDAP de se apropriarem
dos bens e dos negócios dos judeus. Mommsen disse:
A necessidade de dinheiro que a organização do
partido tinha, vinha do facto de o tesoureiro do partido, Franz Xaver Schwarz,
manter as organizações regionais do partido com pouco dinheiro em caixa.
No outono de 1938, a pressão crescente sobre os
bens judeus, alimentou a ambição do partido, em especial desde que Hjalmar
Schacht foi nomeado ministro da Economia do Reich.
Isto, contudo, era apenas um aspecto da origem
do progrom de novembro de 1938. O governo polaco ameaçou
extraditar todos os judeus que eram cidadãos polacos, mas que ficariam na
Alemanha, criando, assim, um fardo de responsabilidade do lado alemão.
A reação imediata da Gestapo foi empurrar os judeus
polacos - 16 000 pessoas - para a fronteira, mas esta medida fracassou
devido à teimosia das autoridades alfandegárias polacas.
A perda de prestígio devido ao cancelamento desta
operação forçou um pedido de compensação. Assim, a reação radical ao ataque de
Herschel Grynszpan contra o diplomata Ernst vom Rath resultou no progrom de
novembro.
Os antecedentes do progrom ficaram
marcados por uma significativa oposição de interesses entre as diferentes
agências do partido e do Estado.
Enquanto o Partido Nazi estava interessado em
melhorar a sua força financeira ao nível local e regional, apropriando-se dos
bens judeus, Hermann Goring, responsável pelo Plano de Quatro Anos, esperava
ganhar acesso às divisas estrangeiras para poder pagar as importações de
matérias-primas. Heydrich e Himmler tinham interesse em promover a emigração
judaica".
A liderança sionista na Palestina escreveu em
fevereiro de 1938 que de acordo com "uma fonte privada muito segura - a
qual pode ser encontrada nas mais altas instâncias da liderança SS", havia
"uma intenção de colocar em prática um verdadeiro e genuíno pogrom na
Alemanha, em larga escala, num futuro próximo".
Expulsão dos judeus polacos
da Alemanha
Em agosto de 1938, as
autoridades alemãs anunciaram que as permissões de residência para estrangeiros
estavam sendo canceladas e teriam que ser renovadas.
Nos estrangeiros incluíam
os judeus nascidos na Alemanha, mas de origem exterior. Um polaco disse que não
seria aceito judeus de origem polaca depois de outubro.
Na chamada Polenaktion,
mais de 12 000 judeus polacos, entre os quais o filósofo e teólogo rabi
Abraham Joshua Heschel, e o futuro crítico literário Marcel Reich-Ranicki,
foram expulsos da Alemanha em 28 de outubro de 1938, por ordem de Hitler.
Receberam ordens para
abandonar as suas casas nessa mesma noite, e apenas tinham direito a levar uma
mala por pessoa para levar os seus pertences. À medida que os judeus eram
expulsos, os seus bens deixados para trás eram confiscados tanto pelas
autoridades nazis como pelos seus vizinhos.
Os deportados eram levados
desde as suas casas para estações ferroviárias e colocados dentro de comboios
que iam até à fronteira com a Polónia, onde os guardas polacos os enviavam de
volta, através do rio, para a Alemanha.
Este impasse continuou
durante vários dias, debaixo de chuva torrencial, com os judeus marchando sem
comida ou abrigo entre as fronteiras.
Cerca de quatro mil tiveram
autorização para passar para a Polônia, mas cerca de oito mil foram forçados a
ficar na fronteira. Ali aguardaram em condições muito complicadas para
receberem autorização para entrar na Polônia.
Um jornal britânico
escreveu aos seus leitores que centenas [de pessoas] "estão espalhadas,
sem dinheiro e sem ajuda, em pequenas aldeias ao longo da fronteira para onde
tinham sido levadas".
As condições nos campos de
refugiados "eram tão más que alguns tentaram fugir para a Alemanha e foram
mortos", recorda uma mulher britânica que tinha sido enviada para ajudar
os que tinham sido expulsos.
Atentado contra Ernst vom Rath
Entre aqueles que foram
expulsos encontrava-se a família de Sendel e Riva Grynszpan, judeus polacos que
tinham emigrado para a Alemanha em 1911 e estabelecido a sua vida em Hanôver.
No julgamento de Adolf
Eichmann em 1961, Sendel Grynszpan recordou os acontecimentos sobre a sua
deportação de Hanôver na noite de 27 de outubro de 1938: "E então
puseram-nos em carros da polícia, em camionetas de prisioneiros, cerca de 20
homens em cada veículo, e levaram-nos para a estação de trens.
As ruas estavam cheias de
pessoas gritando: Juden raus! Auf nach Palästina!" ("Fora
com os judeus! Para a Palestina!").
O seu filho de 17 anos de
idade, Herschel, vivia em Paris com um tio. Herschel recebeu um postal da
sua família a partir da fronteira polaca, descrevendo a expulsão da família:
"Ninguém nos disse o que estava acontecendo, mas apercebemo-nos que ia ser
o nosso fim ... Não temos um tostão. Podes enviar-nos alguma
coisa?". Ele recebeu o postal em 3 novembro de 1938.
Na manhã de segunda-feira,
7 de novembro de 1938, comprou um revólver e uma caixa de balas, depois
dirigiu-se para a embaixada alemã e pediu para ver um responsável pela embaixada.
Após ser levado para o
gabinete de Ernst vom Rath, Grynszpan disparou cinco tiros contra Vom Rath,
dois dos quais o atingiram no abdômen.
Vom Rath era um diplomata
do Ministérios das Relações Exteriores que tinha uma opinião antinazi, por
causa do tratamento que os nazis davam aos judeus, e estava sob a investigação
da Gestapo por ser politicamente pouco confiável.
Grynszpan não tentou
escapar da polícia francesa e confessou livremente os disparos. No seu bolso,
tinha um postal para a sua família com a mensagem: "Que Deus me perdoe ...
Tenho que protestar assim para que todo o mundo ouça o meu protesto, e o que
vou fazer".
No dia seguinte, o governo
alemão retaliou, proibindo as crianças judias das escolas básicas alemãs de as
frequentarem, suspendendo as atividades culturais dos judeus, e proibindo a
publicação dos jornais e revistas judeus, incluindo os três jornais nacionais
alemães judeus.
Um jornal do Reino Unido
descreve a última ação, que impôs uma barreira entre a população e os seus
líderes, como "tendo a intenção de criar a desordem na comunidade judaica
e quebrar os últimos laços que a unem.". Os seus direitos como
cidadãos tinham acabado.
Morte de Ernst vom Rath
Ernst vom Rath morreu dos
ferimentos em 9 de novembro. As notícias da sua morte chegaram a Hitler nessa
noite enquanto jantava com elementos-chave do Partido Nazi num jantar
comemorativo do Putsch da Cervejaria em 1923.
Após intensas discussões,
Hitler deixou o jantar repentinamente sem efetuar o seu discurso habitual.
O ministro da Propaganda
Joseph Goebbels fez esse discurso, em seu lugar, e disse que "o
Führer decidiu que... as demonstrações não devem ser preparadas ou organizadas
pelo partido, mas devem acontecer de forma espontânea, não podem ser
prejudicadas".
O chefe do partido Walter
Buch afirmaria mais tarde que essa mensagem era clara; com estas palavras,
Goebbels tinha dado ordens aos chefes do partido para organizar um pogrom.
Algumas das chefias do
partido discordaram das ações de Goebbels, temendo a crise diplomática que elas
provocariam. Heinrich Himmler escreveu: "Suponho que isso seja da
megalomania de Goebbels...e da estupidez que são responsáveis por dar início a
esta operação agora, num momento particularmente difícil na
diplomacia".
O historiador israelita
Saul Friedlander acredita que Goebbels tinha razões pessoais para ir em
frente com a Kristallnacht. Goebbels tinha passado, recentemente,
pela humilhação de a sua campanha de propaganda durante a crise nos
Sudetas ter sido ineficaz, e encontrava-se passando por uma crise no
relacionamento com a atriz checa Lida Baarová.
Goebbels precisava de uma
oportunidade para ficar bem visto aos olhos de Hitler. À 1h20 do dia 10 de
novembro de 1938, Reinhard Heydrich enviou um telegrama urgente e secreto
à Sicherheitspolizei (Polícia de Segurança) e às Sturmabteilung (SA),
com instruções acerca dos motins. Incluía as linhas gerais para a proteção dos
negócios estrangeiros não-judeus e propriedades.
A polícia recebe ordens
para não interferir nos motins a não ser que as instruções fossem violadas. A
polícia também foi instruída para recolher os arquivos das sinagogas e dos
escritórios comunitários judeus, e para prender "os judeus adultos
saudáveis, que não sejam muito velhos", para serem transferidos para
campos de concentração.