Para que serve orar? - Não apenas os cristãos, mas todas as religiões
insistem na importância da oração. A oração é uma prática que não sobrevive à
luz fria da lógica.
As três razões citadas com mais frequência para se
orar são adoração, confissão e súplica (há diferenças; procurem os experts).
A forma mais popular de oração, a súplica, apresenta
alguns problemas complicados. À primeira vista, pedir a um deus para fazer uma
coisa qualquer parece perfeitamente lógico. Quem melhor para se pedir?
Mas a única forma de estes pedidos fazerem sentido é que haja uma chance de você ser atendido. Qual a finalidade de se ter bilhões de orações oferecidas esperançosamente a um deus que nunca teve intenção de responder a nenhuma delas?
É difícil imaginar uma atividade mais sem sentido, um desperdício maior de tempo, um exercício mais angustiante; um deus que exigisse tal coisa só poderia ser um sádico. É difícil acreditar em que um deus seja capaz de alimentar esperanças e ilusões sem nunca as realizar, nem mesmo o deus que enviou o Dilúvio.
Por outro lado, se a oração é encorajada porque há uma
chance de que os pedidos serão concedidos, você se confronta com a necessidade
inevitável de explicar a natureza aleatória das graças recebidas.
Por exemplo, um estudante do segundo grau reza para
passar na prova de matemática mesmo sem ter estudado e, quando ele passa,
atribui isto à intervenção de Deus. A maioria dos líderes religiosos
concordaria com ele (mais uma vez, há diferenças; consultem os experts).
Mas, se isto é verdade, estamos diante de um deus que
atende a um pedido isolado de um certo indivíduo referente a uma prova de
álgebra da oitava série, mas decide ignorar os milhões de preces para se
escapar dos campos de concentração da Segunda Guerra. Este é um processo de
seleção extremamente difícil de entender.
De acordo com o “Pai Nosso”, as pessoas devem pedir “o pão nosso de cada dia”. Por quê? Se você pede, será concedido? Se não, por que pedir? Considerando-se que a guerra e a fome já mataram de desnutrição muitos dos “verdadeiros crentes”, parece inútil pedir pelo pão de cada dia.
Se a desnutrição aflige aqueles que pedem e também aqueles que não pedem, então a explicação para a fome deve estar relacionada a fatores sem nenhuma relação com a prece. Em outras palavras, pedir a Deus pelo seu pão de cada dia não tem nada a ver com o fato de consegui-lo ou não. Então por que se espera que você continue pedindo por ele?
Da mesma forma, preces de ação de graças
significam atribuir a Deus o controle completo sobre nosso bem-estar. Se você
agradece a Deus pela comida na sua mesa, você está dizendo que foi ele que a
pôs lá.
O outro lado da moeda, inevitável, é que, se não há comida na sua mesa, Deus é o responsável por isto também. O poder de dar inclui necessariamente o poder de negar. Quando você agradece a alguém por um presente, é porque você entende que a pessoa tinha a escolha de não dar, mas deu assim mesmo.
Agradecer a Deus pela refeição, então, é o mesmo que
lhe agradecer por não a negar. Você está agradecendo a ele por não permitir que
você morra de fome.
Assim como não faria sentido agradecer a seus vizinhos
pela chuva tão esperada, já que eles não tiveram nenhum papel na ocorrência da
chuva, também não faria sentido agradecer a Deus pela comida em sua mesa, a
menos que ele garantidamente tenha um papel em fazer aquela comida chegar à sua
mesa.
E, se ele tem, ficamos diante da embaraçosa pergunta:
por que ele escolhe alimentar a uns e deixa os outros morrerem de fome? Se a
escolha de o alimentar é de Deus, então a escolha de matar os outros de fome
também é dele. Por que Deus não alimenta a todos nós?
Falar das crianças morrendo de fome pelo mundo não
fica bem no Dia de Ação de Graças, quando nos sentamos diante de suntuosos
perus assados e uma mesa farta, mas, se Deus põe a ceia farta em nossa mesa,
ele a nega a multidões de esfomeados.
Por quê? Se é porque Deus só alimenta os que lhe são
fiéis, isto significa que ele não se importa se morrem de fome as crianças dos
que têm outras crenças (ou nenhuma), o que seria algo muito cruel.
Também significaria que o “povo de Deus” nunca passou
fome, o que também não é verdade. E também não se pode dizer que todos os ateus
passem fome.
Então, como Deus decide a quem alimentar? A questão
das prioridades de Deus não pode ser deixada de lado se queremos afirmar que
ele participa dos acontecimentos diários.
Se Deus tem o poder de alimentar a todos nós, mas
decide não o fazer, sua relutância tem que ser explicada de uma forma que seja
compatível com sua suposta omnipotência e omnibenevolência. Ninguém até hoje
conseguiu uma explicação.
Explicar a miséria e a fome dizendo que “Deus ajuda a
quem se ajuda” é culpar pelos seus próprios erros, de modo cruel e insensível,
as vítimas de colheitas fracassadas devido a enchentes, secas ou pragas. E as
crianças pequenas? Como é que elas podem “ajudar a si mesmas”?
Do mesmo modo, tentar explicar a fome dizendo que nós não somos capazes de entender os desígnios de Deus contradiz o resto da doutrina cristã. Cristão afirmam que sabem exatamente como Deus quer que seus “filhos” o adorem, como eles devem orar, como eles devem se vestir, o que devem comer e quando e assim por diante, o que implica em que a vontade de Deus é muito clara.
Mas alguém tem que aceitar a responsabilidade pelo
espectro da fome que ronda grande parte da humanidade. Se a produção e
distribuição de alimentos são o resultado apenas das atividades humanas, sem
participação de Deus, então dar graças a Deus por uma refeição é um gesto
impróprio e sem sentido.
Ele não fez nada para merecer agradecimentos e a
culpa pelas injustiças e desigualdades é apenas nossa. Se, por outro lado, Deus
participa do processo, então agradeça a ele pelos seus chocolates e queijos
importados, mas Deus terá que responder pelas crianças morrendo de fome.
Só discutimos a fome até agora, mas o mesmo se aplica
a todas as outras misérias humanas. Doenças, desastres, perseguições ou o que
for, se você pede a Deus para se livrar deles, o resultado será o mesmo que no
caso da fome – aleatório e inexplicável.
Voltemos às preces que pedem por graças. O fim da fome mundial, um pedido dos mais louváveis, ainda está longe de se realizar, a despeito de incontáveis orações. Portanto, as pessoas são encorajadas a pedir por coisas mais fáceis de conseguir, como a Tia Helena se curar logo do resfriado ou as crianças irem bem nos estudos.
Jogadores de futebol caem de joelhos e agradecem a
Deus pelos gols que marcam. Num mundo cheio de fome, doenças, violência e
estupro, tais pedidos são um desrespeito a um deus supostamente omnipotente.
Para cada pessoa que atribui a Deus a recuperação “milagrosa” de uma doença grave, há outra pessoa também com uma doença grave que, apesar das orações, acaba morrendo. As famílias rezam pelos soldados, mas eles morrem – e soldados por quem ninguém rezou sobrevivem.
Coisas ruins acontecem a pessoas boas apesar de todas as preces que elas fazem, coisas ruins acontecem a pessoas ruins, coisas boas acontecem a pessoas boas e coisas boas acontecem a pessoas ruins. Em outras palavras, o que está em ação no mundo é a lei das probabilidades.
As coisas não melhoram para os que creem em Deus e a
vida pode ser muito agradável para os que não creem. Se formos julgar apenas
pelos resultados que desafiam a lei das probabilidades, então o poder da oração
é nulo.
Jornal Freethought Today